Skip to main content

Como será a soja do futuro? Campos imensos de uma proteína de baixo custo para a produção de carne ou grãos para finalidades específicas? Uma coisa é certa, afirma o chefe-geral da Embrapa Soja, Alexandre Nepomuceno: "Tem de ser sustentável em seus principais eixos: econômico, social e ambiental".

Em entrevista à Revista Globo Rural, concedida durante o Congresso Brasileiro de Soja, em Foz do Iguaçu (PR), o cientista falou sobre as novas fronteiras da pesquisa na área de genética da soja, tendo a edição gênica e o RNA interferente entre os principais. Falou sobre os efeitos que esse desenvolvimento pode ter no campo e na vida do agricultor e destacou a importância de maior participação do setor privado na pesquisa e na oferta de tecnologia, sem deixar de lado o trabalho do setor público.

LEIA TAMBÉM: Custo de produção da soja quase dobra em comparação à safra anterior

Alexandre Nepomuceno é chefe-geral da Embrapa Soja, localizada em Londrina (PR) (Foto: Silvio Vera)

 

A cultura da soja passou por vários estágios de evolução tecnológica. Qual é a próxima fronteira?

Estamos passando por várias revoluções tecnológicas. Duas muito importantes no agronegócio. Uma é a digital: drone, imagem de satélite, blockchain. Outra é a da genética. Os transgênicos são uma ferramenta muito importante e vão continuar sendo. Mas uma série de interesses fez com que cada país criasse uma regra. O custo de você desenvolver uma planta transgênica elevou demais e ficou na mão de poucas empresas. Só que a tecnologia continua evoluindo. E uma parte dessa evolução foi a edição gênica.

Você usa uma ferramenta de manipulação do DNA que consegue, a custos muito baixos, alterar a sequência de DNA imitando mutações que existem na natureza. O que a gente quer é garantir a biossegurança, mas também permitir que empresas pequenas, médias e outras grandes também participem. Na agricultura, é uma excelente ferramenta.Vou falar de outra, que é RNA interferente. O RNA I. DNA, RNA e proteína. Esse fluxo é a base da vida. Existem mecanismos para desligar a expressão de um gene. Eu não preciso mais desse RNA para fazer aquela proteína. O RNA I desliga o RNA daquele gene. Não tem a proteína, não funciona.

Como isso se aplica na agricultura?

A Monsanto liberou, em 2016, a primeira planta expressando um RNA I para desligar um gene de uma larvinha que ataca as raízes. Sequenciaram o DNA desse besourinho e viram um gene que só ele tinha. Fizeram uma planta transgênica, expressando esse RNA I. O feijão da Embrapa foi com o gene do vírus. Eles pegaram o gene vital do vírus e colocaram em todas as células do feijão. O vírus ataca o feijão, não consegue se multiplicar, porque o RNA I desliga o gene central. Mas essas plantas são transgênicas. As células receberam essa sequência para desligar o gene.

Hoje, eu consigo produzir essa molécula RNA I artificialmente. Eu consigo produzir litros. A tecnologia vem evoluindo, e o pessoal começa a se perguntar "e se, em vez de ter a planta transgênica, eu fizer quimicamente RNA I e aplicar na folha, como um inseticida, e a lagartinha comer, será que ela vai morrer?". O potencial é tremendo. Tem várias outras revoluções acontecendo por que o genoma da soja custou mais de US$ 100 milhões, levou dez anos para ser sequenciado, e hoje eu levo quatro horas para sequenciar o genoma da soja e custa US$ 500.

▶️ Globo Rural está na Rádio CBN! Ouça o boletim de hoje

A gente vem de uma safra bastante prejudicada por seca. Como a pesquisa vem trabalhando a questão da tolerância à estiagem?

A Embrapa já trabalhava com tolerância à seca em diversas variedades. Nós temos variedades com altos níveis de tolerância à seca. Mas é transgênica, e a Embrapa não tem dinheiro para colocar no mercado. Porque tem de regularizar na China, na Europa. Então, todo esse conhecimento que a gente tem, a gente está usando edição gênica e simulando mutações que a gente sabe que tem no germoplasma da própria soja.

Estamos acelerando isso. Em vez de ficar cruzando uma soja que não produz nada, mas é tolerante à seca, com outra que é altamente produtiva, por meio do melhoramento clássico, que demora dez, 15 anos, eu estou usando edição gênica. O que a gente fez foi usar o conhecimento genético da soja e uma técnica de precisão para fazer aquela alteração.

Como tudo isso se traduz lá para o produtor rural que comprar uma semente de soja que tem edição gênica ou RNA I?

É mais sustentabilidade. O percevejo é uma das principais pragas da soja. Nós sequenciamos o DNA desse percevejo e pegamos um gene que só ele tem. O percevejo morre e o que está no controle não morre. Eu vou reduzir a aplicação de inseticida, reduzir a entrada de máquina na lavoura, menos emissões. O óleo de soja é um subproduto da soja. Se eu tiver um óleo com alto oleico, não interfere na quantidade de proteína e vou ter um óleo de alta qualidade. Hoje, 80% do biocombustível brasileiro é à base de soja e, se eu tiver um óleo de melhor qualidade, vou reduzir ainda mais as emissões e melhorar ainda mais a eficiência dos equipamentos.

saiba mais

Safra de soja da Argentina deve atingir 43,3 mi t, diz bolsa

Anec ajusta previsão de exportação de soja em maio para 10,7 mi t

 

O produtor precisa cada vez mais aumentar produtividade, eficiência e sustentabilidade. Como isso está direcionando a pesquisa na soja?

Mudança climática é um dos eixos principais. Santa Catarina, Paraná, Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul perderam juntos R$ 70 bilhões por causa da grande seca. Se tiver variedades editadas geneticamente para alterar genes e evitar que a planta aborte ao primeiro sinal de seca, de repente, eu não vou perder R$ 70 bilhões, vou perder R$ 50 bilhões. Não tem muito milagre. Tem de fazer a estratégia de mitigação e reduzir as perdas.

Hoje, quando você fala em seca, não tem solução. Só irrigar. E tem o custo ambiental. A pegada do carbono tem, mas a pegada hídrica está vindo aí. Vou te dar outro exemplo: ferrugem asiática da soja. Quando a ferrugem ataca a folha da soja, tem algumas proteínas que se ligam na sequência de DNA. A soja não se defende. Estamos tentando usar a edição gênica para alterar esses genes de defesa e a planta, em teoria, vai ficar imune ou ser mais resistente. Você vai ter menos aplicação de fungicida.

Qual é o tamanho da lacuna entre a ciência aplicada e ela chegar ao campo para o produtor?

Está cada vez menor. Quanto mais players você tiver no digital e na genética, é mais interessante, porque faz o custo baixar e você ter mais opções. A grande lacuna é investimento em ciência e tecnologia. Parcerias público-privadas para acelerar essa inovação. A Embrapa tem mudado esse enfoque, com maior aproximação com o setor privado brasileiro. Não quer dizer que o setor público não tenha de colocar dinheiro.

Quando você olha uma startup do digital, o tempo de maturação de um algoritmo é um, dois, três anos. Quando você olha na genética, o tempo é maior: dois, quatro, seis anos. Tem de ter essa compreensão, e nós não temos esse investimento. Jovens cientistas que se formam nas nossas universidades e não têm um seed money, como a gente vê nas startups da área digital, na área de genética.

saiba mais

"Desglobalização" pode afetar agro brasileiro, diz Marcos Jank

John Deere planeja ter máquinas elétricas e híbridas até 2026

 

É fazer tudo isso sem diminuir a importância do setor público, que, no Brasil, é fundamental.

Com certeza. Estamos tropicalizando o trigo. Nenhum país fez isso. Quem faria isso se não fosse a iniciativa pública? O empresariado brasileiro tem de colocar a mão no bolso e fa-zer esse investimento, sim, em ciência e tecnologia. Não é só cobrar do governo, pois o governo não consegue fazer tudo. Mas tem de ter um setor público. 

Como estão a pesquisa e o andamento do protocolo de soja de baixo carbono?

A gente fala baixo carbono porque a gente quer reduzir as emissões.Isso é um programa. A gente tem de mostrar com números aquele produtor que faz um plantio direto bem-feito, que faz a fixação biológica do nitrogênio, o controle de pragas bem-feito. A gente está parametrizando o conhecimento científico. E vai ser uma certificação de terceira parte. Certificadoras privadas. Os protocolos vão ser credenciados, validados no Mapa. Estamos usando o nosso conhecimento e dizendo "o plantio direto bem-feito é assim, a fixação biológica do nitrogênio é assim".

O programa é isso: parametrizar o conhecimento de uma maneira que uma certificadora possa ir a uma propriedade e dizer "esses 3 mil hectares aqui do fulano tiraram uma nota e essa nota corresponde a deixar de colocar na atmosfera tantas toneladas de CO2 equivalente". A gente espera que o primeiro draft saia já no ano que vem. 

saiba mais

Condições da Rússia para liberar grãos parecem chantagem, dizem analistas

Fertilizantes podem representar até 53% do custo de produção da soja em 2022/23

 

Você acha possível, a partir de um protocolo como esse, você ter um tipo de produto como o CBIO, no RenovaBio? Um "CBIO da soja"?

A gente ficou surpreso com as possibilidades. Bancos vieram nos procurar. O Banco Central está estipulando uma série de regras ESG para bancos no Brasil todo. Os usos são inúmeros. Na carne carbono neutro, tem produtor recebendo créditos de carbono. O programa soja de baixo carbono não deve ser para todos. Mas os que fazem as melhores práticas vão conseguir ter a certificação, até conseguir créditos de carbono. Há países que não têm a área do Brasil e têm de compensar suas emissões. A agricultura brasileira é parte da solução, não é o problema das mudanças climáticas.

É possível ter uma cultura do tamanho da soja brasileira como uma cultura de carbono neutro, como já há na carne?

Em algumas situações, a gente pode atingir, principalmente nos sistemas de integração lavoura, pecuária e floresta, sistemas de plantio direto. Vai ser caso a caso. Uma grande moral do programa é elevar a altura da régua de todo mundo. Vai ter gente que está ganhando crédito de carbono, conseguindo um crédito mais barato. E os outros vão querer. É incentivar que todos usem as melhores práticas. Os 40 milhões de hectares vão ter soja carbono neutro?Não.Baixo carbono tem um potencial de área, depende até de como vai ser o suporte.

saiba mais

"Quero levar o ritmo do setor privado à OIC", afirma nova diretora

Crise logística e dólar levaram insumos para ração a triplicar de preço, diz executivo

 

Como deve ser, em sua visão, a soja do futuro?

Tem de ser sustentável nos seus três principais eixos: econômico, social e ambiental. Vai ser uma soja que os melhores produtores estarão usando as técnicas mais recentes. E vai ter, sim, diferentes nichos. Mas a soja vai continuar sendo, por um bom tempo, a principal fonte de proteína barata no planeta para fazer proteína de qualidade, que é a carne. O óleo pode ser uma nova fonte. Vai ter um óleo de qualidade que pode ser usado como combustível de avião, para fazer pneu, plástico, tinta.

Mas eu acho que, para o Brasil, a grande pegada é de uma forma inteligente incentivar esses outros usos para agregar valor. Temos de ver que o potencial da soja não é só para proteína barata, mas também para esses novos usos. Hoje, menos de 5% da soja é para novos usos.

Quer ter acesso a conteúdos exclusivos da Globo Rural? É só clicar e assinar!
Source: Rural

Leave a Reply