Os dois primeiros meses da pandemia foram muito assustadores. Depois, passamos a vender pela internet e todo mundo queria comprar uma planta para decorar sua casa. As vendas aumentaram tanto que faltaram vasos, embalagens e mudas. Mesmo com o revés no início do ano, fechamos 2020 com aumento de faturamento. O ano passado foi bom, mas menos explosivo. Já este ano está muito bom.”
“No primeiro ano da pandemia, joguei no lixo pelo menos 30% da minha produção, tive de reduzir a carga horária dos funcionários, contraí dívidas e plantei tomate em 2 hectares para pagar contas. A reação começou em 2021, com a volta dos eventos, e neste ano as perspectivas são muito boas, com mais demanda que oferta e preço melhor.”
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A região de Andradas, em Minas Gerais, é a maior produtora do país (Foto: Fokus Audiovisual)
As frases são de Débora Acosta, que tem produção de plantas ornamentais em Holambra, no interior paulista, e de Wesley Godefridus Van Rooyen, que cultiva rosas em Andradas (MG). Os depoimentos resumem o caminho percorrido desde o início da pandemia por quem produz plantas ornamentais e flores de vasos e quem planta flores de haste.
Entre os setores do agronegócio, o de flores foi um dos mais afetados pela pandemia da Covid-19, mas o impacto foi bem diferente entre os segmentos. Na estimativa do Instituto Brasileiro de Floricultura (Ibraflor), de 150 a 200 produtores pequenos e médios, especialmente do segmento de flores de hastes como rosas, saíram da atividade. A categoria tem cerca de 8 mil produtores em todo o país e destina praticamente 100% da sua produção para o mercado interno.
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Em 2022, a demanda está maior que a oferta, o preço subiu e os produtores voltaram a investir. Para o “Natal” das flores, como são chamadas as vendas do Dia das Mães, a expectativa é de aumentos de 10% a 20% sobre o faturamento do ano passado, quando o segmento de vasos e plantas ornamentais já colhia os efeitos do aumento per capita do consumo de plantas e o de flores de corte iniciava a recuperação. Maio concentra cerca de 16% do faturamento anual do setor, que depois foca na segunda data mais importante do ano: o Dia dos Namorados, em junho.
Débora, a produtora de Holambra, cultiva 70 tipos de plantas ornamentais em 3,5 hectares, tendo como carro-chefe as calateias, folhagem tropical de várias cores que integrou muitos projetos do paisagista Roberto Burle Marx. Ela lembra que o fato de as pessoas serem obrigadas a ficar em casa na pandemia estimulou o consumo de plantas ornamentais.
Além de produtora comercial, Débora mantém “uma floresta em casa” em uma estufa de 2 mil metros quadrados que abriga uma coleção iniciada por seu pai de plantas de florestas tropicais da Amazônia, Ásia e América Central, entre outras partes do mundo.
Adriano Rooyen cultiva rosas e hortênsias em Andradas e Holambra há 30 anos (Foto: Fokus Audiovisual)
Wesley Van Rooyen, neto de holandeses, cultiva rosas em estufas que ocupam 24 hectares na região mineira que se tornou a maior produtora da flor do país. A volta dos eventos em 2021 e as datas festivas elevaram as vendas e os 2 hectares que ele tinha transformado em plantação de tomates na pandemia estão recebendo rosas novamente neste ano. Agrônomo, ele administra o negócio que herdou do pai e diz que a rentabilidade já passou os patamares de antes da pandemia porque o preço das rosas neste ano subiu de 30% a 40% na comparação com 2021.
Filho de holandeses e tio de Wesley, Adriano Joanes Maria Van Rooyen cultiva rosas e hortênsias em Andradas e Holambra há 30 anos. No total, mantém 9 hectares de estufas, sendo 80% na região mineira. No primeiro ano da pandemia, ele também perdeu parte da produção, deixou de renovar áreas, cortou carga horária dos colaboradores, mas não demitiu ninguém. Neste ano, “colocou a casa em ordem”, contratou mais 15 pessoas e se prepara para ampliar a área de plantio.
O setor teve um bom ano também em 2021, mas agora está ainda melhor, com vendas constantes todos os meses"
Aline Segeren,
produtora de Holambra
“A segunda onda da Covid-19 assustou de novo, mas no segundo semestre voltaram com força as festas, casamentos, e os decoradores passaram a demandar flores a semana toda e não apenas nos finais de semana e, nos pontos de venda, o preço praticamente dobrou”, diz Adriano, que espera um aumento de até 40% no faturamento do segmento no Dia das Mães, na comparação com 2021. O termômetro foram as vendas de 8 de março, Dia Internacional da Mulher. Ele conta que a confiança no mercado é tão grande que muitos produtores que tinham mudado para o cultivo de hortaliças estão voltando para as flores.
Aline Segeren Fonseca cultiva folhagens de vasos, orquídeas e ervas aromáticas em Holambra (Foto: Fokus Audiovisual)
Aline Segeren Fonseca, filha de uma bióloga holandesa que trabalha no desenvolvimento de plantas em laboratório, cultiva folhagens de vasos, orquídeas e ervas aromáticas em Holambra e no município vizinho de Artur Nogueira. Ela diz que o segmento de vasos atraiu muitos produtores de outros segmentos da floricultura a partir do segundo semestre de 2020, quando perceberam o aumento de demanda e a boa lucratividade desse negócio.” Aline também fez investimentos para começar a produzir espécies de caladium, planta ornamental de folhas coloridas.
Segundo ela, após os meses iniciais da pandemia, as vendas de folhagens e plantas de vaso explodiram e o faturamento acabou sendo melhor que o de 2019. “O setor teve um bom ano também em 2021, mas agora está ainda melhor, com vendas constantes todos os meses.” Aline diz que o preço está bom para o produtor, embora não seja possível repassar todos os aumentos do custo de produção com vasos, adubos, substratos, energia e mudas.
Em 2020, o carro-chefe de suas vendas foram as ervas aromáticas. Neste ano, são as folhagens e as orquídeas do tipo vanda, aquelas sem substrato e sem vaso, que ficam com as raízes soltas no ar, custam quatro ou cinco vezes mais que as comuns e só produzem flores após dez anos (sendo quatro de desenvolvimento em laboratório e seis em estufas).
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O holandês Kees Schoenmaker, presidente do Ibraflor e produtor de flores de corte e de vaso em Holambra, diz que o perfil da maioria que saiu da atividade para “salvar a pele” era de não cooperados, de porte pequeno e médio. No setor, é considerado pequeno quem tem área inferior a 1 hectare e grande é aquele que tem produção a partir de 5 hectares. Os Estados que mais perderam produtores foram Rio de Janeiro, Pernambuco, Bahia e Espírito Santo.
Segundo o dirigente, sem as restrições de eventos, este ano marca a volta da normalidade ao setor. “As plantas para jardim cresceram muito desde a pandemia, mas o preço cedeu um pouco. Já o segmento de flores de corte reduziu bastante sua renda e produção em 2020, melhorou no ano passado, mas nem de longe recuperou os números de antes da pandemia. Agora, com volume menor e preço maior, os produtores de rosas estão confiantes e esperam faturar bem com o Dia das Mães.”
Embora muitos produtores tenham mudado ou expandido sua produção para a região de Andradas e Munhoz, em Minas, em busca de mais altitude e temperaturas mais baixas, Holambra, a “capital das flores” e sede da colônia holandesa no Brasil, se mantém como o polo nacional de comercialização do setor.
A Cooperativa Veiling reúne 420 associados de São Paulo, Minas e Ceará de todos os segmentos. A maioria (60%) planta espécies floridas em vasos, como orquídeas e violetas, 20% cultivam flores de corte e outros 20%, ornamentais. Jorge Possato, CEO da Veiling, diz que os cooperados que plantam rosas reduziram estrutura, número de funcionários e volume, mas nenhum quebrou. “A pandemia acabou trazendo um ganho de consumo per capita de plantas que permaneceu. Houve uma corrida forte pelo verde, mas as flores de corte ficaram para trás, pela falta de eventos. Este ano de 2022 é o da retomada para esse segmento.”
Os volumes de venda voltaram aos níveis de 2019, mas o preço está melhor, com até 50% de aumento"
Milton Hummel,
diretor geral da Cooperflora
Jorge Possato conta que alguns cooperados estão investindo agressivamente neste ano em automação das estufas, novas variedades e melhorias de estrutura. No ano passado, as vendas subiram 15% no Dia das Mães. Para este ano, a expectativa da Veiling é de um crescimento de 12% a 15%, sendo 10% em volume e 5% em preço. Cerca de 70% da produção para a data especial já foi comercializada antecipadamente na Feira Market, realizada em março, que reuniu na cooperativa atacadistas de todo o país, redes de autosserviço, floriculturas, shoppings e garden centers.
Os produtores de rosas apostam no Dia das Mães, como Joanes Maria Van Rooyen, de Andadas (MG), que neste ano contratou mais 15 pessoas para trabalhar no campo e no preparo das flores para comercialização (Foto: Fokus Audiovisual)
A Cooperflora, também em Holambra, tem cerca de 90 associados distribuídos por São Paulo, Minas, Paraná, Espírito Santo, Goiás e Rio Grande do Sul, e expede mais de 16 mil itens por dia. A maioria dos cooperados planta flores de corte.
Milton Hummel, diretor-geral, afirma que quem sobreviveu a 2020 está investindo porque neste ano o mercado está muito positivo. “Quem não estava estruturado saiu do mercado. Agora, os volumes de venda voltaram aos níveis de 2019, mas o preço está melhor, com até 50% de aumento.” Da cooperativa saem cerca de 3 milhões de flores de haste por semana, número que quase dobra para o Dia das Mães.
Entre as novidades da Veiling para este ano estão a planta ornamental Honeybells Cuphea e a “flor-balão” (Platycodon grandiflorus), também chamada de “campainha chinesa”. A Honeybells ganhou o prêmio Plants of Distinction da Universidade da Georgia em 2019, tem inúmeras florezinhas tubulares em vermelho intenso que atraem polinizadores e permanece boa parte do ano florida. A flor-balão tem botões que parecem balõezinhos e suas flores apresentam diferentes tonalidades de azul, violeta, rosa e branco, de acordo com a variedade. Na Cooperflora, um destaque é a volta ao mercado da ranúnculo, flor de origem asiática perene que parece uma rosa e tem flores duplas que formam touceiras nas cores vermelho, cor-de-rosa, amarelo, laranja e branco.
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Segundo os produtores, o clima tem ajudado as plantas, embora tenha chovido um pouco a mais no início do ano. O problema do setor é o de todos do agronegócio: o aumento do custo de produção com insumos como papelão, plásticos, vasos, mudas e fertilizantes, além de energia e transporte, passa de 60%. “A questão dos fertilizantes é a preocupação do momento, pois as perspectivas de regularização desse insumo não são nada boas. O lado bom é que os produtores estão buscando alternativas e usando cada vez mais produtos biológicos”, diz o presidente do Ibraflor.
Investir em tecnologia é fundamental para ter boa rentabilidade. A implantação de 1 hectare com mudas de genética importada da Holanda, Japão e EUA, entre outros países, estufas para o cultivo protegido, que garante produção o ano todo, e reservatórios de água da chuva passa de R$ 1 milhão. Entre as flores de corte, as rosas respondem por 35% a 40% do volume, mas quem vende mais atualmente são as orquídeas, que ganham das rosas também no valor agregado.
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Source: Rural