Quem trabalha com sustentabilidade e conhece a realidade do setor agrícola brasileiro sabe que o desmatamento (legal ou ilegal) pode estar relacionado à baixa produtividade do setor em algumas regiões, causada pela falta de utilização de uma série de tecnologias já desenvolvidas há vários anos.
Na pecuária, por exemplo, o país tem uma média de apenas 1 cabeça de gado por hectare (em países que usam técnicas sofisticadas, a média é de 4 cabeças por hectare), imensas áreas de pastagens degradadas, baixo índice de utilização de suplementos de nutrição animal, entre outras limitações. Para culturas agrícolas, não é diferente – técnicas como o sistema de plantio direto, a rotação de culturas, os sistemas de integração lavoura-floresta, pecuária-floresta ou lavoura-pecuária- floresta (alguns desenvolvidos aqui no Brasil pela Embrapa), que afetam de forma muito significativa a produtividade, estão bem longe de estar amplamente disseminadas.
E todos que interagem de alguma forma com o setor imobiliário (urbano ou rural) têm que lidar com o percentual altíssimo de irregularidade fundiária no Brasil, que resulta em insegurança jurídica para uma série de transações comerciais – o que inclui, evidentemente, a compra e venda de imóveis e as transações financeiras.
As ferramentas disponíveis atualmente para administração de terras no país não são capazes de enfrentar essa complexidade e garantir segurança e eficácia na governança do território. No Brasil, ainda convivemos com um ambiente de incertezas jurídicas no qual muitos direitos sobre a terra não estão legalmente reconhecidos e aqueles documentados, por vezes, indicam uma fragilidade na cadeia sucessória.
No caso do crédito rural, a garantia real (embasada num título sobre imóvel) costuma ser a preferida por instituições financeiras, de modo que uma parcela altíssima dos produtores rurais brasileiros (todos aqueles que possuem algum nível de fragilidade nos títulos) fica simplesmente excluída do acesso a crédito em condições mais favoráveis (como as das linhas de crédito oficiais) ou mesmo linhas de crédito rural com recursos próprios, oferecidas por bancos e cooperativas de crédito.
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Para se financiarem, recorrem a empresas fornecedoras de insumos (como Bayer, Sumitomo e outras), que operam como “barters”, aceitando receber como forma de pagamento parte da safra, ou às “tradings”, empresas que beneficiam os produtos agrícolas (como Bunge e Cargill) e que também concedem crédito em troca de parte da safra. Em ambos os casos, a garantia real é dispensada, mas as taxas de juros são estupendamente mais altas que no crédito rural e os prazos muito mais curtos.
Produtores rurais nessas condições limitam-se, em geral, a adquirir insumos que, no crédito rural, são financiáveis via “custeio”, ou seja, sementes, fertilizantes, etc. Normalmente, não chegam a fazer investimentos em tecnologias mais modernas, o que seria possível no crédito rural, via linhas de “investimento”, com limites de valores mais altos (compatíveis com o custo de equipamentos necessários) e prazos mais alongados para pagamento (viabilizando o fluxo financeiro decorrente do retorno).
E a baixa produtividade leva a maior pressão sobre a cobertura florestal (ou de qualquer outra forma de vegetação), pois, ao não usar o potencial da área já desmatada, o produtor sem acesso a crédito se vê tentado a seguir desmatando, ao menos dentro dos limites legalmente permitidos, ou pra além disso, quando percebe que a fiscalização é deficiente.
O crescente mercado de créditos de carbono, que podem estar atrelados à prestação de serviços ambientais, também necessita de segurança fundiária"
Luciane Moessa e Richard Torsiano
A não preservação de APPs (nascentes e margens de rios, encostas de morros, etc) e da reserva legal, por seu turno, reduzem a disponibilidade de matéria orgânica no solo e também de recursos hídricos, prejudicando mais ainda a produtividade.
Tudo isso mostra a conexão entre má governança fundiária, baixo acesso a crédito, baixa produtividade e altos índices de degradação ambiental. É preciso quebrar esse círculo vicioso criando soluções que permitam o acesso a informações confiáveis sobre a situação fundiária e ambiental dos imóveis rurais e a regularização fundiária em massa no meio rural brasileiro, em terras públicas e privadas usando mecanismos jurídicos que já estão plenamente disponíveis na legislação brasileira.
Isso permitirá, a um só tempo, elevar a produtividade agrícola, sobretudo de pequenos e médios produtores, gerando segurança alimentar e competitividade e maior preservação ambiental – tudo isso impulsionado pelo uso de tecnologias modernas financiadas por crédito rural ou outros instrumentos financeiros.
Cabe lembrar, ainda, que o crescente mercado de créditos de carbono, que podem estar atrelados à prestação de serviços ambientais (como a manutenção de excedentes de reserva legal e áreas de preservação permanente em imóveis rurais) também necessita de segurança fundiária para florescer no âmbito rural.
*Luciane Moessa é especialista em Finanças Sustentáveis e em Construção de Consenso e fundadora da Soluções Inclusivas Sustentáveis (SIS) e Richard Torsiano é consultor internacional em Governança e Administração de Terras e Diretor Executivo da R.Torsiano Consultoria Agrária, Ambiental e Fundiária
Source: Rural