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Quando se fala em trigo, a primeira coisa que vem à mente é alimento: o tradicional paõzinho, massas, biscoitos e outros produtos. O cereal é usado também como ingrediente de ração animal e até de cerveja. E, daqui algum tempo, deverá estar também no tanque de combustível do carro. A Biotrigo Genética, empresa com sede no Rio Grande do Sul, anunciou o desenvolvimento de cultivares voltadas exclusivamente para a produção de etanol, que, no Brasil, hoje, vem do milho e, principalmente, da cana-de-açúcar.

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As duas cultivares desenvolvidas pela Biotrigo chegarão ao produtor na safra 2024 (Foto: Divulgação Biotrigo/Ricardo Maia)

 

André Cunha Rosa, diretor de genética da Biotrigo, explica que, de forma geral, qualquer tipo de trigo pode ser usado para fabricar etanol. O desafio, no entanto, era desenvolver variedades de alta produtividade que justificassem o investimento no cereal para esta finalidade. O resultado do trabalho foi um trigo diferente do usado na indústria alimentícia. O cereal para biocombustível tem menos teor de proteína e maior de amido. 

O desenvolvimento das cultivares levou sete anos. Começou em 2015, por sugestão da área de novos negócios. O desenvolvimento das variedades ocorreu a partir dos programas de melhoramento genético convencional, sem transgenia ou edição gênica. Foram feitos cruzamentos, usando alguns cruzamentos de outras cultivares do germoplasma da própria companhia, descendentes de um trigo francês já utilizado no trabalho de melhramento.

 “Não víamos grande potencial de mercado para essas variedades na época, mas autorizamos a pesquisa e desenvolvimento, o que foi um grande acerto", diz ele.

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Segundo o diretor, as duas cultivares, uma de ciclo precoce e outra de ciclo mais longo, prometem uma produtividade potencial de 3% a 5% acima das variedades para panificação. Além disso, são resistentes à principal doença que atinge o trigo na região sul do país: a giberela, que produz a toxina Deoxinivalenol, conhecida como “don” e responsável por derrubar a produtividade da planta.

Ele explica que, para a produção do etanol, a resistência à giberela é irrelevante porque o combustível será queimado. Mas a toxina precisa ser eliminada para a produção do farelo DDG (grãos secos de destilaria), importante subproduto da usina visando a alimentação animal. “Já temos trigo com menos proteína e também trigo com mais resistência à giberela. A diferença é o peso que damos para cada característica”, diz ele.

As novas sementes, ainda sem nome definido, aguardam a regularização no Registro Nacional de Cultivares (RNC), do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Mas já têm destino. Devem ser a principal matéria-prima para a primeira usina de etanol à base de cereais do Brasil. O investimento de R$ 556 milhões em duas fases anunciado nesta semana pela empresa gaúcha BSBios.

Elas serão multiplicadas neste ano no Paraná e também em áreas próximas da usina da empresa, a ser construída em Passo Fundo (RS). O plantio vai ocorrer em circuito fechado, ou seja, separado do trigo para panificação e outros usos. "Iniciamos as conversas com a BSBios há um ano e fechamos a parceria em abril. A Biotrigo ganha mais um mercado, a BSBios, trigos aptos às suas necessidades e o produtor ganha  mais uma oportunidade para vender sua produção”, afirma o executivo da empresa de genética.

Contrato entre a Biotrigo Genética e a BSBIOS foi firmado no dia 13 de abril de 2022 (Foto: Divulgação/Biotrigo)

 

Etanol de trigo no Cerrado?

Em meio à expansão do plantio de trigo no Cerrado brasileiro, André Cunha Rosa afirma que a região também está na mira da Biotrigo, que pensa em expandir a oferta do trigo para etanol além das divisas do Rio Grande do Sul. Segundo o diretor, a cultivar de ciclo precoce que será disponibilizada para as lavouras gaúchas tembém pode ser plantada no Centro-oeste. Mas a empresa já desenvolve produtos adaptados à área central do país.

“Estamos estudando materiais próprios para produção de etanol no Cerrado, se um dia isso se tornar viável. Não há parceria com nenhuma empresa para lá, mas, quando desenvolvemos essas variedades, a gente também não sabia que a BSBios construiria uma usina de cereais no sul. A tendência no melhoramento é se antecipar para atender às demandas futuras”, explica o executivo.

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A Biotrigo tem mais de 20 cultivares no mercado. E segundo Cunha Rosa, aumentou em pelo menos 30% os investimentos em pesquisa e desenvolvimento de sementes nos últimos dois anos, antenada com o aumento de produção no Brasil, o preço internacional e o crescimento da demanda mundial. Mas o fato de apenas 60% das sementes pagarem royalties impede uma maior aceleração.

“Existem muitas tecnologias que poderiam ser usadas pelas empresas no melhoramento genético, mas o fato de 40% das sementes ainda serem piratas ou salvas (o produtor planta para seu uso) não incentiva o setor. Na França, por exemplo, 100% das sementes pagam royalties e o país, além de grande produtor, é o que mais investe em melhoramento genético de trigo.”

Mercado de trigo mudou

O desenvolvimento de sementes de trigo no Brasil teve grande avanço nos últimos anos, mas ainda não alcançou a maturidade de outros mercados, como os da Europa. O diretor da Biotrigo diz que, até 1991, o trigo no Brasil não tinha variações. O volume produzido era comprado pelo governo, que também importava. A distribuição era feita por cotas para os moinhos. Só a partir da liberação, os moinhos passaram a buscar trigos diferenciados e de mais qualidade.

Atualmente, há diversos tipos plantados no país: para panificação, nutrição animal, silagem e pastejo. Em dois anos, devem chegar os trigos com qualidade especial para pizzas e macarrão e em três anos o trigo com mais fibras, com efeito de integral.

Entre os novos negócios em gestação na Biotrigo, se destaca ainda o trigo que gera mais biomassa para a produção de gás. O que não aparece no radar da empresa é o grão transgênico, que já está sendo pesquisado por instituições e empresas em alguns países, entre eles o Brasil e a Argentina. “Estamos apenas observando o mercado. Precisa ter mais calma para não gerar uma disrupção de segurança na produção.”
Source: Rural

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