Skip to main content

Inflação que promete atingir 65% em 2022, cenário de redução no abate, no consumo e na exportação de carne bovina, além de boatos sobre o aumento do imposto sobre as vendas externas de trigo e aprovação polêmica da semente de trigo geneticamente modificada (HB4). Esses são os fatores que formam o clima perfeito para um novo conflito entre o governo e o agronegócio na Argentina.

LEIA TAMBÉM: Argentina se torna primeiro país a autorizar plantio de trigo transgênico

Nos últimos três anos, o rebanho de bovinos na Argentina se mantém na faixa de 53,5 milhões de cabeças (Foto: Getty Images)

 

As questões são minimizadas pelo ministro da Agricultura, Julián Domínguez, que vem percorrendo o interior do país nos fins de semana, para lançar programas de estímulos à pecuária, como o plano GanAr (Plan de Ganadería), que visa ao aumento da produção bovina de corte. Em Catamarca, norte profundo argentino, Domínguez deu entrevista exclusiva à Globo Rural, na qual desmentiu qualquer controle das exportações de carnes e elogiou o trigo transgênico rejeitado pelos produtores.

“Nós exportamos tudo que necessitamos exportar. Somos um país lógico, consumimos, abastecemos o mercado interno e todo o resto se exporta”, disse, ao reconhecer implicitamente a prioridade no fornecimento da proteína “à mesa dos argentinos”, em uma clara medida para evitar pressões sobre os preços internos.

Indagado sobre por que todos os competidores da Argentina aumentam suas exportações de carne bovina – especialmente Brasil, Paraguai e Uruguai – enquanto a Argentina não, Domínguez afirmou que, neste ano, o país exportou 27% de todo seu abate. “É um ano recorde. Dos últimos quatro anos, é um dos mais altos. Descarte essa pergunta porque a Argentina exporta tudo que produz depois do consumo do mercado interno.”

▶️ Globo Rural está na Rádio CBN! Ouça o boletim de hoje

Julián Domínguez também comparou: “No Brasil, o gado tem um peso de abate 40 quilos maior que o da Argentina e consome internamente muito menos quilos que o povo argentino. No caso do Uruguai, o país possui muito mais quantidade de cabeças de gado por habitante – há quatro cabeças de gado per capita. Na Argentina, há uma cabeça de gado por habitante e com um hábito de consumir animal de poucos quilos”.

Segundo o último relatório da Câmara da Indústria e Comércio de Carnes da República Argentina (CICCRA), no primeiro quadrimestre de 2022, a indústria abateu 4,178 milhões de cabeças. Na comparação interanual, observou-se uma diminuição de 2,4% no abate. Nos primeiros quatro meses do ano, foram produzidas 958,8 mil toneladas de carne bovina, representando 1,7% menos que um ano atrás.

Quanto ao volume exportado, o relatório do engenheiro Miguel Schiariti, presidente da CICCRA, informa que foi o equivalente a 269 mil toneladas no primeiro quadrimestre deste ano, quantidade 3,5% inferior ao mesmo período do ano passado. Também o consumo interno recuou 2,6% na base comparativa, para 47,4 quilos por habitante ao ano.

saiba mais

Calor de até 40ºC mata milhares de bovinos nos EUA

Receita com exportação de carne em maio cresce em 49,5%

 

Em janeiro último, o governo argentino adotou um sistema pelo qual proíbe as exportações de sete cortes bovinos mais populares no consumo interno, para garantir o abastecimento doméstico. “É um mau sinal para os investimentos que nós, produtores, realizamos. Esse sistema não conseguiu gerar confiança no mercado”, reclamou à Globo Rural o presidente da Sociedade Rural Argentina (SRA), Nicolas Pino. Os produtores criticam a falta de transparência edizemque, enquanto osdadosde exportações de grãos e oleaginosas são publicados periodicamente, os de carnes não estão disponíveis.

Os números relativos ao desempenho das vendas externas argentinas relativas ao mês de abril foram divulgados em meio a versões de aumento do imposto de exportação (as chamadas retenciones) sobre o trigo, que passariam de 12% para 25%. No caso do milho, a alíquota passaria de 12% para 20% e, no girassol, de 7% para 15%.

Para o presidente da Confederação Intercooperativa Agropecuária (Coninagro), Carlos Iannizzotto, os boatos confirmam que o governo não entende como funciona a economia. “Os produtores já não toleramos ideias de confiscos e medidas fiscais de aperto e, se insistem nesse caminho, é mais uma prova da imperícia dessa equipe”, disse.

Julián Domínguez, ministro da Agricutura, durante visita à província de Catamarca (Foto: Divulgação)

 

O ministro Julián Domínguez desmentiu os boatos e lembrou que, no final do ano passado, “fizeram correr versões de aumento das 'retenciones', o que fez com que os produtores antecipassem a venda do milho e perdessem a oportunidade de acompanhar a alta do preço internacional”. Por isso, Domínguez argumenta que negócios são negócios e refletem os números. “A subjetividade do mundo dos negócios serve para outra coisa, mas não para entender a Argentina no mundo dos negócios”, filosofou.

Com essa lógica, o ministro minimizou os temores de que a relação com o agronegócio argentino possa retroceder ao cenário do governo de Cristina Kirchner (2007-2015), quando as intervenções no mercado provocaram retração do rebanho bovino e queda das exportações de carnes, grãos e oleaginosas. Naquela época, Domínguez também era ministro da pasta de Agricultura.

A inflação beirava os dois dígitos e a dinâmica oficial foi a de privilegiar o mercado doméstico. A Argentina caiu do mapa de grandes exportadores de carne, por exemplo.Questionado se esse cenário poderá se repetir, visivelmente irritado e após uma longa pausa, Domínguez disse que a pergunta “é sem sentido, porque a realidade de produção e crescimento indica outra coisa”.

saiba mais

Área de trigo na Argentina pode enfrentar mais cortes, alerta bolsa de cereais

Estados Unidos aumentam juros e preços de commodities agrícolas despencam

 

Mais produtividade e mais oferta

O ministro reconheceu, no entanto, que o país precisa aumentar a produtividade e a oferta de carne. E, por isso, lançou uma nova etapa do plano GanAr, que visa aumentar o volume de produção de carne. No norte argentino, região árida, comparada ao Nordeste brasileiro, sempre relegada ao esquecimento das autoridades, Domínguez anunciou investimentos equivalentes a R$ 17 milhões para o desenvolvimento genético e de gado em Catamarca.

Ao lado do governador da província, Raúl Jalil, visitou um importante centro de inseminação artificial com touros das raças braford e brangus. Além de inseminações e transferências embrionárias de bovinos, o plano contempla ovinos, caprinos e camelinos (lhamas e alpacas). No total, foram realizadas 12 mil inseminações e 1.100 transferências embrionárias.

“Temos orgulho de ser argentinos. Temos um sistema de produção e desenvolvimento do qual nós nos sentimos absolutamente orgulhosos de nossas capacidades. Se temos um atraso na produção de cereais e oleaginosas, é porque não temos uma lei de sementes, na qual os produtores resistem a pagar (royalties), e isso nos distancia dos países que em matéria de tecnologia e genética aplicam todo o conhecimento”, queixou-se.

Oferta e demanda de carne bovina (Foto: Estúdio de Criação)

 

 

Domínguezdisse quenesse aspecto oBrasil éuma “universidade de desenvolvimento de variedades e de empresa de conhecimento”. Ressaltou que o governo kirchnerista vai colocar todo o empenho político para conseguir o uso da tecnologia. Há pouco mais de uma semana, o governo argentino aprovouousode sementesdo trigomodificado geneticamente HB4. Um produto rejeitado pela cadeia de produção e comercialização de trigo da Argentina. 

“Se aprovaram no Brasil a farinha para o consumo humano, seria um contrassenso não aprovar a semente do trigo. Se o Brasil aprova a farinha e diz que não tem contraindicação para o consumo humano, como a Argentina não vai aprovar o trigo?”, argumentou.

“Recebemos com muita preocupação essa decisão do governo que permite semear trigo HB4. Embora estejamos a favor da tecnologia, não temos certeza do impacto que pode ter na comercialização do produto nos mercados externos”, afirmou o presidente da SRA.

O ministro comentouque, se dependesse dele, a medida já teria sido aprovada há 12 anos. Porém, reconheceu que a decisão sobre a compra dessa variedade de trigo será tomada pelos mercados. “O mercado cria as próprias pautas, e aí não podemos intervir. O que podemos sim dizer é que a farinha HB4 é absolutamente apta para o consumo humano, como disse o Brasil. Lamento como argentino que primeiro tenha de dizer o Brasil para dar segurança aos argentinos”, afirmou.

Quer ter acesso a conteúdos exclusivos da Globo Rural? É só clicar e assinar!​
Source: Rural

Leave a Reply