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O produtor rural vai precisar recorrer mais aos juros de mercado – mais caros que o crédito subsidiado – na safra 2022/2023. Diante do aumento do custo de capital e da expectativa de continuidade de elevação da taxa Selic, representantes de bancos privados e cooperativas financeiras avaliam que a capacidade do governo para equalizar as taxas tende a ficar mais limitada e apostam em um avanço do crédito livre no próximo Plano Safra.

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No Plano Safra 2021/2022, o governo divulgou um montante total de R$ 251 bilhões em financiamentos (Foto: Federação dos Cafeicultores do Cerrado)

 

"Os recursos livres dos bancos é que vão suprir a demanda. O recurso subsidiado tem um limite", avalia o diretor de agronegócios do Bradesco, Roberto França, acrescentando que, hoje, dois terços da carteira de agro do banco, de mais de R$ 43 bilhões, são de crédito a juros livres.

"A velocidade com que o agro cresce não é a mesma da injeção de recursos. Os recursos livres já entraram muito forte e vão seguir assim, dando apoio principalmente aos grandes produtores", acrescenta Ricardo França, superintendente agronegócios do Banco Santander Brasil.

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A temporada atual termina marcada por forte aumento de custos e dificuldade de acesso a crédito subsidiado. No Plano Safra, o governo divulgou um montante total de R$ 251 bilhões em financiamentos. Quando entrou em vigor, em julho do ano passado, a taxa Selic estava em 4,25% ao ano. Hoje, está em 12,75% ao ano.

De acordo com dados do Banco Central, a taxa média de juros praticada em fevereiro chegou a 6,8% ao ano no crédito rural regulado para pessoas jurídicas. A variação em 12 meses foi de 1,6 ponto percentual. Os financiamentos a taxas de mercado tiveram média de 11,9%, alta de 6,1 pontos percentuais. Em julho de 2021, primeiro mês do atual Plano Safra 2021/2022, as taxas eram de 4,8% ao ano e 7,3% ao ano, respectivamente.

Para os produtores rurais pessoas físicas, a taxa média no crédito regulado aumentou 1 ponto percentual em 12 meses, chegando a 6% ao ano em fevereiro. No crédito livre, chegou a 13,1% ao ano, aumento de 5,8 pontos percentuais. Em julho de 2021, essas taxas estavam em 5,6% ao ano e 7,9% ao ano, respectivamente, conforme o levantamento do Banco Central.

Gustavo Freitas, diretor do Sicredi (Foto: Divulgação)

 

O aumento dos juros afeta a capacidade do governo federal de equalizar as taxas dos financiamentos. O crédito mais caro levou à suspensão de contratações de linhas subsidiadas, pela indisponibilidade de recursos.

"Houve um interrupção bastante relevante, principalmente em linhas de investimentos, que não têm um substituto perfeito para boa parte dos produtores" ressalta Gustavo Freitas, diretor executivo de crédito do Sicredi, pontuando que a instituição conseguiu manter um elevado volume de contratações, apesar das dificuldades do produtor para acessar os recursos.

Considerando os volumes recordes de geração de negócios anunciados pelo organizadores das principais feiras agropecuárias do país, o produtor tem sinalizado uma disposição de investir, em que pese o cenário econômico incerto. Mas ampliar a tecnologia no campo vem pesando mais no bolso, com insumos mais caros e maquinário agrícola também.

A velocidade com que o agro cresce não é a mesma da injeção de recursos"

Ricardo França,
superintendente de agronegócios do Santander

Houve quem, mais capitalizado, usasse mais recursos próprios. Mas quem recorreu aos financiamentos pagou mais caro, mesmo com as "condições especiais". Na Agrishow, em Ribeirão Preto (SP), por exemplo, agricultores relataram taxas na casa de 14% ao ano para comprar máquinas. O Moderfrota, principal linha de crédito subsidiado, tem juros de 8,5% ao ano. Mas, sem recursos do Tesouro, estava suspenso.

"A falta do recurso direcionado acaba levando todos os bancos a buscarem linhas. Com toda essa conjuntura de liquidez, sem recursos direcionados, os bancos trabalhando na concorrência para melhorar custo e preço tem feito sentido", pontua Ricardo França, superintendente de agronegócios do Santander Brasil.

Ricardo França, superintendente de agronegócios do Santander (Foto: Divulgação)

 

Uma tentativa de destravar o crédito foi feita no final de abril, quando o Congresso Nacional aprovou o PLN 1/2022. Dos mais de R$ 2 bilhões previstos em crédito suplementar no Orçamento da União, R$ 868,5 milhões foram destinados ao agronegócio.

O aumento da taxa básica de juros influencia, mas não é a única explicação para o encarecimento do crédito rural, afirmam os executivos de bancos ouvidos por Globo Rural. Ricardo França, do Santander, destaca que as modalidades de crédito têm diferentes fonte de recursos. No agronegócio, parte vem da obrigatoriedade de aplicação de parte dos depósitos à vista nos bancos. "Eu tenho uma exigibilidade de 25% de depósitos à vista. Desde o momento em que eu aloco 100% da minha exigibilidade, o funding passa a ser o da tesouraria do banco. Aí o custo é de captação, hoje de 12,75%", explica.

Roberto França, do Bradesco, coloca mais um elemento: o spread bancário, a diferença entre as taxas que o banco paga para captar o dinheiro e cobra para emprestar ao cliente. "Se o dinheiro me custa 13% e o spread é de 3% a 5%, vai ao produtor para 16% a 18%. A gente consegue ter uma taxa diferente do mercado quando o recurso é direcionado. Sem o direcionado, é difícil fazer uma oferta diferente do recurso de tesouraria", pontua.

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Gustavo Freitas, do Sicredi, lembra ainda que a produção agropecuária está sujeita a riscos diferentes de um bem durável, como um carro ou um imóvel. Problemas climáticos que podem afetar a produção ou mesmo a menor liquidez na venda de uma propriedade rural estão entre os pontos levados em conta na análise de crédito. "No agro, quando se financia um custeio, é um empreendimento a céu aberto. Uma propriedade pode sofrer intempérie climática e a produção que a gente esperava que fosse colhida pode não se materializar", diz. 

Com custos de produção mais altos, o setor vai demandar maior volume de crédito para o Plano Safra 2022/2023, principal política pública de financiamento da atividade. Em meio a juros que podem superar os 13% ao ano até o final de 2022, entidades e parlamentares ligados ao setor falam na necessidade de cerca de R$ 330 bilhões.

Só para garantir a equalização das taxas, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) propôs ao governo uma reserva orçamentária de R$ 21,8 bilhões. O volume é 67,8% maior que o previsto inicialmente para a safra 2021/2022, de R$ 13 bilhões.

A proposta da CNA inclui ainda a manutenção dos juros abaixo dos 10% e aumento da exigibilidade do sistema financeiro. Na visão da entidade, deve ser de 30% dos depósitos à vista nos bancos, 64% da poupança rural e 50% dos recursos provenientes das Letras de Crédito do Agronegócio (LCA).

As taxas dos direcionados devem ficar 2 pontos maiores e o livre vai ficar nesse mesmo patamar"

Roberto França,
diretor de Agronegócios do Bradesco

Para os executivos das instituições financeiras, é certo que os juros virão maiores. Roberto França, do Bradesco, estima que a demanda de crédito para plantar a safra 2022/2023, considerando a mesma área que a anterior, está pelo menos 40% maior. "Com uma Selic de 5% ou 6% ao ano, a necessidade de subsídio seria bem menor e os bancos ofertariam toda a demanda de crédito", explica. "As taxas dos direcionados devem ficar 2 pontos maiores e o livre vai ficar nesse mesmo patamar, porque está ajustado", avalia.

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Ricardo França, do Santander Brasil, também acredita em custo de capital maior, mas espera aumento da exigibilidade dos depósitos à vista dos bancos. "Nossa perspectiva é que aumente a exigibilidade dos bancos, e isso deve gerar mais recursos. Vem mais dinheiro e vem aumento na taxa", diz ele, ressaltando que a expectativa do banco é de um crescimento de 30% na carteira de crédito agro neste ano. Em 2021,  era de R$ 27 bilhões.

Gustavo Freitas, do Sicredi, avalia que o crédito mais caro deve exigir mais recurso próprio do produtor rural. É possível até que ele recorra a operações mais estruturadas, bancando parte com seu capital, parte com recursos subsidiados e parte com recursos livres. "O produtor ainda tem viés positivo, aumentando área ou pelo menos mantendo. Mas os custos subiram muito, os volumes serão bem mais altos para financiar um mesmo hectare. Os patamares de juros estão bem mais altos, e o governo vai ter de aumentar a taxa final", diz.

Principal agente financeiro do agro, o Banco do Brasil foi procurado pela reportagem, mas não se manisfestou.

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Source: Rural

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