O Brasil é uma potência agroambiental. Esta afirmação tem sido repetida em artigos de opinião, em reportagens, em congressos e nas redes sociais. Tem sido também corroborada pelos resultados de análises estatísticas e pesquisas científicas. O patrimônio natural brasileiro é atestado pelos impressionantes índices de biodiversidade e pela incalculável contribuição dos serviços ecossistêmicos para nosso desenvolvimento e bem-estar. E devemos justamente aos serviços aportados pelas áreas de vegetação nativa parcela importante do sucesso do nosso agronegócio.
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Vozes do Agro (Foto: Estúdio de Criação)
Além dos indiscutíveis avanços científicos e tecnológicos e resiliência e empreendedorismo dos produtores rurais galgados ao longo dos últimos 50 anos, os saltos de produtividade e os sucessivos recordes de produção de grande parte da nossa pauta rural precisam ser também creditados às nossas condições de solo e de clima, à nossa disponibilidade hídrica, aos hábitats remanescentes que abrigam os principais polinizadores e inimigos naturais das pragas e doenças dos nossos cultivos.
Tais características fizeram do Brasil um importante polo produtor e exportador de produtos como soja, milho, carne, café, açúcar e laranja. Atualmente a produção brasileira de soja é responsável por abastecer 50% da demanda de volume exportado mundialmente. Este papel será maior à medida que a população cresça e, em consequência, cresça também a demanda por grãos.
As duas faces deste potencial – o agro e o meio ambiente – estão intrinsecamente conectadas por complexas relações de interdependência. As massas de ar que são carregadas pelo vapor d’água que as árvores da Floresta Amazônica lançam na atmosfera são responsáveis pela irrigação natural das principais regiões produtoras, especialmente no Centro-Oeste e Sudeste do país. As cabeceiras dos principais rios que cruzam o Brasil, responsáveis por mais de dois terços da eletricidade que usamos, estão protegidas por unidades de conservação, terras indígenas e outros territórios de povos e comunidades tradicionais, além das florestas protegidas nos imóveis rurais.
Foi justamente para garantir a proteção e promover a recuperação de áreas tão relevantes para o país que o Congresso Nacional aprovou, em 2012, a Lei Federal 12.651, a ‘Lei de Proteção da Vegetação Nativa’, mais conhecida como ‘Código Florestal’. Este é o principal marco legal para conciliação das duas agendas do potencial agroambiental brasileiro.
O pleno cumprimento e implementação dos dispositivos previstos nesta lei é fator sine qua non para a sustentabilidade, a segurança jurídica e a resiliência climática do nosso agronegócio. É essencial também para que o Brasil continue ocupando posição de liderança global, suprindo suas próprias necessidades e alimentando o mundo. A implementação do Código Florestal nos posicionará como exemplo mundial, trazendo impactos sociais e ambientais positivos para o país. Um exemplo é a estimativa de que a completa implementação do Código promoverá a restauração de cerca de 20 milhões de hectares de vegetação nativa, segundo o artigo ‘Cracking Brazil’s Forest Code’ (Soares-Filho et al., 2014), publicado na revista ‘Science’.
Após uma década da sua aprovação, com vários dispositivos ainda pendentes de implementação, precisamos nos unir em um grande esforço nacional, que comprometa todos os setores ligados à economia rural brasileira com a plena implementação desta lei.
É preciso concertar uma estratégia nacional, um plano que funcione como uma bússola, tanto para os governantes quanto para a sociedade, reconhecendo o papel central que as florestas, e outras formas de vegetação nativa, podem ter na recuperação econômica e social do país. É preciso também aperfeiçoar os instrumentos e ferramentas de transparência, monitoramento, comando e controle, aproveitando ao máximo as oportunidades que os sistemas de informações georreferenciadas nos oferecem.
Felizmente, chegamos aos 10 anos do Código Florestal com diversas iniciativas positivas em curso. Exemplos como o ‘Observatório do Código Florestal’, que está aperfeiçoando suas plataformas de monitoramento e advocacy (Portal de Monitoramento, Raio-X e Termômetro do Código Florestal), e o ‘PlanaFlor’, um plano estratégico cuja elaboração está sendo coordenada por um consórcio que reúne BVRio, Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS), Fundação Getulio Vargas (FGV) e CSF-Brasil, ilustram essa percepção.
O setor privado empresarial também tem se movimentado, em vista da importância do Código Florestal como uma ferramenta necessária para a garantia de uma cadeia de fornecimento sustentável. Bons exemplos são a ‘Liga do Araguaia’, uma coalizão de produtores rurais, principalmente pecuaristas, engajados nos esforços de proteção e recuperação da vegetação nativa, e o pool de empresas que estão aderindo ao ‘Floresta Viva’, iniciativa do BNDES que pretende investir pelo menos R$ 600 milhões em restauração de áreas nos próximos anos.
Por outro lado, ainda temos atores políticos e econômicos insistindo em questionar a lei, dispensando energia e propostas para alterá-la. São dezenas de projetos de lei que, se aprovados, esquartejariam a lei atual. O simples fato de estarem tramitando no Congresso Nacional gera insegurança e riscos, tanto para os remanescentes florestais quanto para a própria agropecuária brasileira, especialmente aquela dependente de commodities. E, mesmo que tais agentes sejam cada vez menos numerosos e mais isolados, ainda exercem alguma influência em determinados cenários e conjunturas.
Também por isso, da parte do setor governamental o que se espera é que acelere o processo de análise e validação dos cadastros ambientais, implemente os dispositivos que permitirão remunerar aqueles que protegem e recuperam florestas – como as Cotas de Reserva Ambiental – e aumentem a eficiência das ações de fiscalização e responsabilização por crimes ambientais, em especial o desmatamento e a ocupação ilegal de terras públicas.
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Dispomos de um aparato geotecnológico extraordinário, temos informações de satélites atualizadas diariamente e contamos com cientistas e técnicos de alta capacidade e conhecimento. Precisamos saber aplicar estes ativos, inclusive para assegurar o cumprimento dos compromissos assumidos internacionalmente.
A Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura reúne mais de 300 atores dos mais diversos segmentos do agronegócio, do ambientalismo e da academia. Para os membros da Coalizão, o Código Florestal é um dos pilares da sustentabilidade e da resiliência climática da agropecuária brasileira. Não será possível realizarmos plenamente nosso potencial no agro se deixarmos de ser um país “gigante pela própria natureza”. É para isso que precisamos do Código Florestal.
*Beto Mesquita é engenheiro florestal, diretor da BVRio e colíder da Força-Tarefa Código Florestal da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura. Renata Nogueira é gerente de Sustentabilidade da Cargill para a América do Sul e colíder da Força-Tarefa Código Florestal da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura.
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Source: Rural