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O questionamento sobre por que há insegurança alimentar no Brasil se o país é um dos maiores produtores de commodities agrícolas do mundo permeia redes sociais, conversas informais e até mesmo o noticiário. A questão é pertinente e sua resposta tem múltiplos fatores.

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Vozes do Agro (Foto: Estúdio de Criação)

 

O Brasil possui uma área de agropecuária de 263 milhões de hectares, segundo o MapBiomas, dos quais dois terços são hoje dedicados à produção de commodities agrícolas – o país é o segundo maior exportador desses produtos. E a tendência é de aumento das áreas dedicadas à produção agropecuária. Em relação a grãos por exemplo, espera-se um aumento de área de 17%, passando dos 65 milhões de hectares atuais para 76 milhões de hectares até 2030, segundo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). De acordo com a publicação “Produção de alimentos no Brasil: geografia, cronologia e evolução”, do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), nas últimas décadas tem havido ampliação da produção de soja e milho, que estão substituindo lavouras de mandioca e banana, e estabilização da produção de arroz e feijão.

Enquanto isso, hoje, mais de 55% da população do país, o equivalente a 117 milhões de pessoas, encontram-se em situação de insegurança alimentar, caracterizada quando não há acesso pleno e permanente a alimentos. Dessas, 19,1 milhões de pessoas (9% da população) passam fome, de acordo com dados da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar de dezembro de 2020.

Desafios não são de um setor, mas do país

Para entender esse cenário, é preciso explorar os desafios que estão por trás. O primeiro deles, estrutural, foi a extinção do Ministério do Desenvolvimento Agrário, em 2016. A pasta tinha foco na agricultura familiar, gestão e modernização de políticas públicas que impactavam e impulsionavam a atividade. Além disso, iniciativas como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) sofreram com a redução de orçamento nos últimos anos. No caso do PNAE, os valores de repasse para os municípios estão subdimensionados e, no do PAA, os contratos de compra têm um limite de R$ 12 mil anuais para participação por família de agricultores, o que está totalmente fora da realidade atual do campo.

Essa carência de governança e políticas públicas adequadas acarreta falta de organização, estruturação e verticalização das cadeias produtivas da agricultura familiar, cujo resultado é o surgimento de um ambiente desfavorável de negócios e de logística, que afasta investimentos privados e contribui para a descapitalização das famílias, promovendo a evasão nessas regiões.

A descentralização da produção e a ausência de apoio para organização coletiva, como o estabelecimento de cooperativas, associações e sindicatos, impõem obstáculos à distribuição de alimentos para a população. Esses desafios contribuem para o alto custo dos alimentos, o que os torna inacessíveis para famílias mais pobres, gerando insegurança alimentar e ampliando a desigualdade social.

Soluções devem unir grandes e pequenos produtores

De imediato, em um cenário de crise como o atual, para garantir que os brasileiros das camadas mais pobres da população consigam realizar suas refeições diariamente, é urgente o fortalecimento de políticas públicas de aquisição de alimentos pelo MAPA e que sejam discutidas intervenções e iniciativas governamentais para regular o estoque interno de alimentos, como forma de mitigação de risco de desabastecimento e de inflação.

Já o caminho para a mudança do paradigma de país agrícola e população com fome passa por dar mais atenção à população rural composta por famílias de pequenos produtores. Mesmo que representem um volume baixo do total da produção agrícola (até 25%, dependendo da metodologia adotada), são a maioria da população que vive no campo, correspondem ao maior número de propriedades e têm grande potencial de aumento de produtividade, a partir do maior acesso a tecnologias, conhecimento e oportunidades de desenvolvimento.

Para a mudança de cenário, é essencial a inclusão e afirmação da agricultura familiar à cadeia do agronegócio, com políticas públicas que envolvam tecnificação, Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER), instrumentos financeiros (créditos, seguros e outros) e isenções para a integração de pequenos produtores nos negócios nacionais e internacionais do agro brasileiro.

Por fim, e igualmente importante, é essencial que o país reconheça o significativo valor da agricultura familiar para a mitigação das mudanças climáticas e a necessidade de que as políticas públicas e planos do governo voltados à sustentabilidade socioambiental tenham maior aderência a esse público, com metas e ações adequadas e factíveis à realidade dessa população.

* Lucas Ribeiro é gerente de sustentabilidade da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag) e colíder do Fórum de Diálogo Agropecuária e Silvicultura da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura. Mariana Pereira, gerente de programas da Fundação Solidaridad, e Juliana Monti, coordenadora do programa de soja da mesma instituição, são líderes da Força-Tarefa ATER da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura.

**As ideias e opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva de seu autor e não representam, necessariamente, o posicionamento editorial da revista Globo Rural

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Source: Rural

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