Skip to main content

Considerado o segundo maior bioma da América do Sul e reconhecido como a savana mais rica do mundo, o Cerrado é também o conjunto de ecossistemas mais ameaçado do Brasil, como mostram os dados do Projeto de Monitoramento do Desmatamento (Prodes), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). 

Leia Também: ILPF pode levar pecuária do Matopiba a superar a do Centro-oeste

Os sistemas de produção, como a rotação de culturas, que foram bem-sucedidos em Mato Grosso esbarraram nas limitações naturais no oeste da Bahia (Foto: Fernando Martinho)

 

A partir das imagens dos satélites, o projeto Prodes Cerrado constatou que 8,5 mil quilômetros foram desmatados no bioma em 2021, o maior índice em cinco anos. Do total, 64% foram registrados no Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, confluência que forma o polo agrícola do Matopiba, onde é crescente o avanço das plantações de soja, milho e algodão. 

Domar as terras do sertão retratado nas obras do escritor Guimarães Rosa não é uma tarefa fácil. As chuvas são irregulares e os solos extremamente exigentes em adubação. “A característica principal do Matopiba é a predominância de solos arenosos. É um solo que retém pouca água e mais sujeito à erosão, mais frágil”, explica a pesquisadora da Embrapa Milho e Sorgo Flávia Cristina dos Santos, que coordena um projeto de pesquisa para intensificação sustentável em solos arenosos no município de Cocos, no oeste da Bahia.

saiba mais

Matopiba teve 76% da expansão agrícola sobre vegetação nativa nos últimos 5 anos

SLC começa a vender sementes de soja mirando Mato Grosso e Matopiba

 

Com déficit hídrico durante o inverno, a região também se caracteriza por cultivar apenas uma safra, no verão, enquanto os demais polos produtores do país realizam pelo menos duas colheitas numa mesma área. O pesquisador da Embrapa Milho e Sorgo Manoel Albuquerque Filho, que atua na região desde o início dos anos 2000, lembra que a tradição era derrubar o Cerrado, fazer a abertura com o plantio de arroz, que é menos exigente, e com a colheita do cereal pagar o custo de adubação da área.

Em pouco tempo, contudo, os produtores viam a fertilidade do solo escorrer terra adentro, demandando mais e mais investimentos. “O pessoal começou a ver que estava investindo mais e produzindo menos com o processo de degradação do solo e viu a necessidade de corrigir os rumos”, recorda o colega de Manoel, o também pesquisador Ramón Costa Alvarenga. 

Manoel Albuquerque (pesquisador da Embrapa), Allan Figueiredo (gerente da Santa Luzia) e Ramón Costa (pesquisador da Embrapa). (Foto: Fernando Martinho)

 

Os sistemas de produção, como a rotação de culturas, que foram bem-sucedidos em Mato Grosso esbarraram nas limitações naturais no oeste da Bahia. Manoel Albuquerque explica que a rotação de culturas entre algodão e soja ou algodão e milho ou o sistema soja-milho são muito pobres em termos de melhoria do solo. “São mais fáceis de manejar, mas também são mais impactantes, com uma perda flagrante de sustentabilidade”, diz ele. 

No Matopiba predominam os solos arenosos. É um solo que retém pouca água e mais sujeito à erosão, mais frágil"

Flávia Cristina,
pesquisadora da Embrapa

Já o consórcio das lavouras com pastagens tem papel fundamental na estruturação desses solos arenosos. As raízes mais profundas das gramíneas, além de ajudar na ciclagem de nutrientes e na manutenção da fertilidade do solo, permitem que as culturas temporárias também alcancem profundidades maiores, garantindo maior resistência a períodos de seca.

É diante dessas condições que a integração lavoura-pecuária, sistema apelidado de ILP, tem ganhado espaço na região, despertando o interesse de gigantes do setor como a BrasilAgro. Com mais de 267 mil hectares cultivados, a companhia tem apostado há um ano na integração para diversificar suas atividades e mitigar os riscos climáticos no oeste da Bahia.

“Eu acredito que aqui no oeste da Bahia, pela situação climática, onde a gente normalmente colhe apenas uma safra, acho que a integração lavoura-pecuária se encaixa bem, porque vai fazer a área produzir mais no período em que fica sem nenhuma cultura”, explica o gerente de pecuária da companhia, Moacir Tavares. A pecuária hoje representa de 2% a 3% da operação da BrasilAgro e o plano é expandir a integração dos atuais 1,9 mil hectares para 3 mil hectares.

saiba mais

Programa constata emissão menor de carbono em lavouras de soja

 

 

“A ILP é positiva tanto para a pecuária quanto para a agricultura. As pastagens em geral deixam residual de matéria orgânica e as raízes delas também fazem um trabalho de estruturação de solo que é muito benéfico para a cultura”, reconhece o diretor de operações da BrasilAgro, Wender Vinhadelli.  A previsão da empresa é que as áreas com pastagem recebam soja daqui a dois anos, dando início a um processo virtuoso de rotação entre lavoura e pastagem.

A integração lavoura-pecuária se encaixa bem, porque vai produzir mais no período em que fica sem nenhuma cultura"

Moacir Tavares,
gerente de pecuária da BrasilAgro

A Embrapa estima que 23% da área produtiva do Matobipa conte com sistemas integrados até 2030, o que representará um crescimento de 187,5% em 15 anos. “Mesmo os agricultores que não têm gado estão fazendo isso por causa dos benefícios que a palhada tem. Por isso acredito que hoje quase que o convencional da coisa é fazer um consórcio com o capim”, observa Manoel, da Embrapa, ao destacar a importância da ILPF para a região.

Há 25 anos no oeste baiano, o carioca Allan Figueiredo, gerente administrativo da fazenda Santa Luzia, do grupo Trijunção, onde a Embrapa mantém pesquisas sobre solos arenosos,  conta que o interesse por técnicas conservacionistas ganhou força nos últimos anos, quando os custos de produção dispararam devido à alto dos preços de fertilizantes e defensivos.

Na Santa Luzia, o cultivo de grãos esbarrou na irregularidade climática. “A gente deixava o solo bom para o pasto vir atrás, porém a que custo? Às vezes tinha 38 sacas de custo para plantar 1 hectare e colhia 32. Já na adubação direta de pasto você já sabe quanto vai gastar, não depende tanto da chuva e compensa essa segurança de informação com a quantidade de gado que você vai colocar lá já sabendo quanto vai produzir”, explica Allan.  

Moacir Tavares, gerente de pecuária, e Wender Vinhadelli, diretor de operações da empresa. (Foto: Fernando Martinho)

 

Mas isso não significa que a fazenda abandonou o uso de técnicas mais sustentáveis. Referência em conservação na região, com apenas 90% dos seus 33 mil hectares em uso, o grupo tem apostado no manejo de pastagens para a produção de uma carne de baixo carbono – protocolo desenvolvido em parceria com a Embrapa para atender a produtores com dificuldades para a introdução do componente arbóreo em seus sistemas de produção.  

A técnica permitiu elevar a taxa de lotação da fazenda de 0,89 unidade animal por hectare para 2,33 nas áreas de teste, reduzindo em até 20 dias a idade de abate do rebanho. O resultado foi um ganho três vezes maior sem aumento de área ou de emissão – um fator fundamental para conter o avanço do desmatamento no Cerrado.

Entre os pesquisadores da Embrapa, as dificuldades para o avanço do componente florestal na região não são motivo para desânimo. A meta, segundo Manoel, é incluir espécies nativas nos experimentos com sistemas de integração mantidos na Trijunção e, assim, driblar as dificuldades hídricas e comerciais do eucalipto na região. “Ainda tem alguns desafios e ajustes de sistema para a introdução de espécies nativas, mas os sistemas de produção conservacionistas, de modo geral, já são amplamente adotados hoje por produtores mais qualificados e preparados e que não abrem mais mão de produzir nesses sistemas com rotação de culturas e plantio direto” completa o pesquisador.

Quer ter acesso a conteúdos exclusivos da Globo Rural? É só clicar e assinar!

 

 

 
Source: Rural

Leave a Reply