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Circunstâncias extremas obrigam a todos a repensar máximas que, de tão repetidas, parecem verdades ainda que os fatos não as confirmem. Uma delas é a de que, no Brasil, “em se plantando, tudo dá”. Essa frase é o epíteto do ideal de potência agrícola do País e, ainda que ela tenha algum alicerce na realidade, é só parcialmente correta. A expressão atribuída a Pero Vaz de Caminha quando da chegada dos portugueses por aqui parte de uma premissa equivocada: a de que o clima e o solo brasileiros são adequados para todo tipo de cultura e que, com pouco esforço, qualquer atividade agrícola será um sucesso.

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Vozes do Agro (Foto: Estúdio de Criação)

 

Se a agricultura brasileira é competitiva e diversificada, isso só se tornou possível graças à adoção de tecnologias. Foi a decisão de recorrer à ciência para a superação de desafios que viabilizou a modificação de plantas, tornando-as mais resilientes às condições adversas, protegidas de muitas pragas tropicais e mimetizar processos da própria natureza para fazer da agricultura tropical, não só possível, mas globalmente competitiva. Mas, ainda que a inovação tenha transformado a atividade agrícola em um orgulho nacional, existem culturas que são naturalmente menos adaptadas às condições nacionais. O trigo é um desses casos.

O cereal é um dos mais cultivados do mundo e o principal alimento de 35% da população mundial. Porém, o Brasil, de acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), produz apenas metade da quantidade que consome. E para dar conta da demanda de sua população, o país recorre ao mercado internacional.  Nesse contexto, a Argentina é um importante parceiro, mas o país vizinho não figura entre os cinco maiores exportadores de trigo do mundo. Em 2019, de acordo com o relatório de estatísticas da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO-UN), os três maiores exportadores foram Rússia, Estados Unidos e Canadá, responsáveis por incríveis 46% desse comércio da comodity. Em termos de produção a Argentina fica em nono lugar, atrás da Ucrânia.

O mesmo documento revela que Rússia e Ucrânia, que estão em guerra, são responsáveis por aproximadamente um terço das exportações mundiais de trigo. Em que pese a urgência do fim do conflito, que coloca a população das duas nações diante de diversos riscos, inclusive o de ameaça à segurança alimentar, que extrapolam as fronteiras dos envolvidos diretamente e devem afetar o comércio global de trigo. Portanto, qualquer ruptura na produção desses países será sentida em diversos locais do planeta. Se a guerra se prolongar, importadores de trigo não terão outra alternativa além de sobrecarregar os demais exportadores, o que deverá fazer os preços subirem. Ou seja, o pão vai ficar mais caro.

Daí a importância de se questionar a ideia de que qualquer alimento estará à mão no Brasil por conta da narrativa de lugar paradisíaco. De fato, essa disponibilidade está, invariavelmente, atrelada à adoção de tecnologia no campo e ao mercado internacional. E como o controle do segundo fator não é possível, é melhor apostar mais fichas no primeiro, que historicamente vem trazendo bons resultados ao país.

Um dos mais recentes investimentos nesse sentido tem potencial para tornar o Brasil menos vulnerável às crises geopolíticas. Trata-se da aprovação, pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), da importação da farinha de trigo transgênico da Argentina. A modificação genética em questão faz com que a planta seja tolerante a climas mais secos, característica essencial para manter a produção mesmo diante da escassez de chuvas por períodos prolongados. Além disso, abre caminho para que, no futuro, regiões brasileiras, hoje impróprias para esse cultivo, tornem-se viáveis e, consequentemente, contribuam para a autossuficiência da produção nacional do cereal.

Sem dúvida, os desafios da produção agrícola em um mundo em constante mudança são inúmeros. Mas, nessa batalha, o conhecimento e a ciência são as grandes armas.

*Christian Lohbauer é presidente-executivo da CropLife Brasil

**As ideias e opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva de seu autor e não representam, necessariamente, o posicionamento editorial da revista Globo Rural

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Source: Rural

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