No último domingo (1/5), a China suspendeu todos os locais de entretenimento e proibiu jantares em restaurantes em sua capital, Pequim, ampliando as medidas de isolamento para tentar conter um dos piores surtos de Covid-19 enfrentados pelo país desde o início da pandemia. A medida aumentou o temor de um lockdown, como ocorreu em Xangai, cidade mais populosa do país, com 25 milhões de habitantes, e onde milhares de pessoas estão confinadas há mais de um mês, algumas com dificuldades para encontrar alimentos e outros itens de primeira necessidade.
"O impacto de tudo isso sobre nós é muito grande – um prejuízo de 20.000 iuans (US$ 3 mil) em um só dia, simples assim!", disse Jia, gerente de uma hamburgueria no leste de Pequim, à agência de notícias Reuters.
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Soja importada pela China em Jiangsu. Menor margem de esmagamento no país pode afetar exportações de soja brasileira (Foto: REUTERS)
No Brasil, principal fornecedor de carne bovina para a China, atendendo a cerca de 40% das importações do país, os impactos da Covid-19 sobre o mercado chinês assombram um setor que, hoje, depende do gigante asiático para fechar as contas. “A situação preocupa porque a exportação para a China é o que está carregando o piano”, ilustra o consultor de agronegócios do Itaú, César de Castro Alves.
O consultor recorda que o Brasil caminha para exportação recorde de carne bovina para a China em abril, com 119,4 mil toneladas embarcadas as quatro primeiras semanas de abril e uma média diária de 8,5 mil toneladas – 36% superior a registrado em igual período do ano passado.
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“Pode ser que isso sejam cargas que já estavam certificadas. Parece um pouco aquele momento do ano passado, pré-embargo, quando o pessoal correu pra exportar porque tinha um cheiro de fumaça e depois veio o embargo e os volumes desmontaram”, destaca, em referência ao embargo de mais de três meses feito pelos chinneses à carne bovina brasileira, no final de 2021.
Naquele momento, epois de um volume recorde em setembro, o país amargou consecutivas quedas nas exportações para o país até a retomada dos embarques, em dezembro. Agora não há embargo. Mas, os entraves logísticos causados pela política de tolerância zero da China com a Covid-19 são o principal ponto de tensão.
“As cargas que estão saindo hoje chegarão lá daqui 60 dias, talvez menos um pouco. Mas já tem um monte lá parada e tem gente falando que precisa redirecionar para outros portos. Então é improvável que isso fique assim, sem parar, com as coisas engasgadas lá”, observa César.
Funcionários em trajes de proteção caminham em rua de Xangai durante lockdown para conter disseminação da Covid-19 (Foto: Aly Song/Reuters)
Pressão na Economia
O surto na cidade mais populosa da China, o risco de disseminação em Pequim e as políticas Covid-zero do governo têm causado enorme pressão na economia local justamente no ano em que Xi Jinping tentará conquistar seu terceiro mandato como presidente, algo sem precedentes na história política do país. Pequim, que registrou dezenas de infecções diárias no décimo dia de surto da doença, não realizou lockdowns. Mais de 300 casos transmitidos localmente foram contabilizados desde o dia 22 de abril.
“Ninguém esperava que a situação na China seria tão severa. Todo mundo achava que o lockdown em Xangai iria acabar, mas, com esse aumento no número de mortes de Covid em Xangai, parece que esse lockdown não vai acabar tão rápido”, observa o presidente da Câmara de Comércio do Brasil-China (CCBC), Charles Andrew Tang.
Mesmo com o lockdown severo, Xangai tem registrado recordes de mortes diárias por Covid-19. Os números saltaram de 12 em em 23 de abril para 39 no dia seguinte e têm se mantido em alta desde então. Foram 47 mortes em 30 de abril. “Comparado com os números do Brasil, isso não é nada. Mas, mesmo assim, a China tem essa política de tolerância zero”, diz Tang.
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Apesar de ter mais de 90% da sua população vacinada, a dificuldade da China está em controlar a disseminação da variante ômicron, altamente transmissível, além de questionamentos sobre a eficácia da imunização desenvolvida pelo país. Diante desse contexto, aumenta a especulação sobre como a nova variante teria chegado ao país.
“Uma das coisas que os chineses têm apontado, e que está saindo até na mídia chinesa, são os produtos importados, que a Covid está vindo através de produtos importados. Outro grande problema é que teve um surto muito grande em Hong Kong e muita gente de Hong Kong está indo pra China fugindo da Covid”, relata o presidente da CCBC.
A sócia da Vallya Participações e diretora executiva da Flora Capital, Larissa Wachholz, destaca outro aspecto importante do avanço da Covid-19 na China e a ausência de vacinas de RNA mensageiro ainda em desenvolvimento no país, que deu mais ênfase à pesquisa com a tecnologia baseada no vírus inativado da Covid-19.
“Estamos falando de uma população de 1,4 bilhão de pessoas que precisam ser vacinadas com as duas doses. Qual o país consegue se comprometer a entregar para outro país esse tanto de vacina? Então, não vejo muito como eles teriam tido alternativas senão vacinar com a vacina que foi possível desenvolver internamente para atender ao tamanho dessa demanda”, destaca Larissa ao lembrar que, entre idosos, a taxa de vacinação é menor. “Isso é muito importante poque o que estão tentando evitar é justamente que se coloque em risco a vida das pessoas seja pela contaminação com o vírus ou pela falta de acesso a hospitais”, completa a especialista.
Bloqueios atingem 40% do PIB chinês
Analistas da holding financeira japonesa Nomura disseram, no início de abril, que 45 cidades na China – que representam 40% do produto interno bruto do país – estavam sob bloqueios totais ou parciais, com a economia em risco crescente de recessão. Como resultado, a atividade fabril da China caiu pelo segundo mês consecutivo, com o índice oficial que mede o desempenho da manufatura no país passando de 49,5 em março para 47,4 em abril, segundo dados divulgados pelo Escritório Nacional de Estatísticas (NBS) do país no último dia 30.
Apesar do inevitável impacto das medidas de controle da Covid-19, os analistas descartam qualquer impacto sobre a demanda chinesa por alimentos. “Com lockdown ou em lockdown, o pessoal tem que comer”, resume Tang. “A China, mesmo crescendo 3%, coisa muito menor do que crescia no ano passado, é uma adição anual de dólares e de PIB per capta relevante e isso mantém as boas perspectivas para alimentos. Alguns produtos, eles não produzem o suficiente, como é o caso da carne bovina, e a soja precisa ser importada para alimentar a criação de animais local. Então, não preocupa tanto por esse lado”, destaca César, do Itaú.
No setor de carnes, as tensões também são alimentadas pelas recorrentes suspensões de frigoríficos habilitados para exportar para o país. Embora, entre o setor privado e o governo, mantenha-se silêncio sobre as motivações, nos bastidores, existe um consenso de que a China voltou a realizar testes de Covid-19 nas cargas refrigeradas, interrompendo as compras a cada resultado positivo.
“Não é culpa de frigorífico A ou B, é uma restrição generalizada de medo de que a Covid está entrando no país através de alimentos importados”, assegura Tang.
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Na avaliação de Larissa, essas inspeções sanitárias devem se manter, com novos anúncios de suspensões a qualquer momento. “A gente sabe que o Brasil tem uma posição reconhecida internacionalmente, na qual alega que não é possível que o vírus sobreviva depois de uma viagem tão longa de navio ao ponto de contaminar uma pessoa, mas os chineses têm feito análises muito detalhadas e em grandes quantidades de toda a carne que chega. Então, me parece que essa situação deva continuar, com uma ênfase maior nessas análises sanitárias”, avalia a diretora executiva da Flora Capital.
Ela lembra, por exemplo, que o ex-chefe do órgão responsável por essas fiscalizações, a Administração-Geral das Alfândegas da China, foi nomeado recentemente secretário do Comitê Provincial de Hebei, província onde fica Pequim – o que indicaria uma aprovação por parte do Partido Comunista da condução desse trabalho realizado durante a pandemia.
“Isso é relevante para essa discussão sobre as restrições de frigoríficos, no sentido de mostrar que os chineses realmente atribuem muita importância a esse assunto. Eu sei que a gente vê como uma questão quase que burocrática, mas como esse assunto tem muito impacto na opinião pública dentro da china, ele é tido como estratégico junto ao governo chines”, analisa.
Da China para o Brasil
Por outro lado, as exportações da China para o Brasil também são ponto de atenção. Além de componentes eletrônicos usados em máquinas e equipamentos, o país é fornecedor importante para a indústria química e de fertilizantes, que enfrentam problemas desde o início da pandemia. “A gente puxa muito MAP (fosfato monoamônico) deles e, agora, pode até ser que não se consiga trazer todas as matérias primas nitrogenadas, que vêm um pouco de lá também” observa Cesar Alves, do ItaúBBA. O país foi responsável por 11% do MAP importado pelo Brasil em 2021.
Mesmo no caso do potássio, cuja oferta está concentrada no leste europeu e no Canadá, os entraves na logística chinesa são um percalço a mais. “Eles poderiam eventualmente puxar mais potássio da Rússia e menos do Canadá e abrir para outros países trazerem mais do Canadá. Então, no meio desse rearranjo mundial que está havendo dos fertilizantes entre os países que dependem de importação e dos que exportam, esse é mais um calo”, completa César.
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Outro mercado importante para o Brasil, as exportações de soja, deve ser penalizado pela desaceleração da economia chinesa, em meio a uma forte valorização da commodity no mercado internacional desde o início da guerra entre Rússia e Ucrânia. “Nesse momento, a gente vê a China comprando uma soja muito cara e as margens não estavam e não estão positivas lá. Então, enquanto nao houver uma melhora das margens de esmagamento na China, no meu entendimento, o Brasil vai, de certa forma, penalizar as exportações e favorecer o mercado interno”, afirma a analista de grãos e oleaginosas do Rabobank Brasil, Marcela Marini.
A previsão do banco é de que as exportações brasileiras de soja este ano alcancem 76 milhões de toneladas, 10 milhões a menos do que o registrado em 2021. “Essa redução vem por uma menor disponibilidade da safra de soja brasileira por conta do clima e, associado a isso, a piora das margens de esmagamento na China”, completa a analista.
A mais recente previsão da Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec), divulgada há uma semana, aponta queda de 23% nas exportações de soja em abril ante o mesmo mês de 2021 após um recuo de 18,1% em março. No ano, os embarques somam 35,7 milhões de toneladas, 1,4% a mais que em igual período em 2021.
Source: Rural