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Se nas cidades os veículos voadores estão prestes a chegar, com entregas previstas pela indústria em quatro anos, o que esperar das máquinas agrícolas? Assim como no filme Transformers, em que carros viram robôs com múltiplas funções – até conversam com seus proprietários –, no campo os tratores também já deixaram de ser apenas veículos de tração há muito tempo. Computadores de bordo, softwares para economia de combustível, geração de dados em tempo real, piloto automático e até trator autônomo já são realidade nas lavouras brasileiras. Mas e o futuro, como será? O céu é o limite? Não para os drones, que devem tornar-se pulverizadores de altíssima precisão e eficácia.

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com piloto automático, computadores de bordo, geração de dados em tempo real e controles remotos, equipamentos se tornam ferramentas de serviço e gestão, fundamentais para a sustentabilidade do campo (Foto: John Deere)

 

Entusiasta da tecnologia e investidor em máquinas de ponta, o produtor José Theodoro Swart, dono de uma fazenda de grãos, algodão e batata no interior paulista, não tem dúvida de que a tecnologia tem muito a oferecer. O agricultor considera que o primeiro sinal de modernização dos equipamentos de campo foi para a irrigação, quando os aspersores cederam lugar aos pivôs. “Era algo impensado, mudou a nossa vida. Hoje, a gente brinca de Lego, tira um pivô daqui e põe ali”, diz, bem-humorado, sobre os gigantescos equipamentos usados amplamente nas fazendas brasileiras. Swart não se contentou em aprimorar a forma de irrigar a produção: também modernizou a frota de pulverizadores e colheitadeiras. E o melhor de tudo, com a possibilidade de comandar tudo à distância, no que ele chama de centro de inteligência, construído dentro da propriedade. “Como se fosse um foguete sendo mandado para a Lua e você tem uma base de controle, igual a Houston, com um monte de telas… (Comandar o trator à distância) é similar a essa ideia”, compara.

São horas de trabalho economizadas, que também geram economia na ponta do lápis"

Lauro Rezende,
gerente de marketing de produto da Case IH

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Diferente da missão Apollo 13, quando foi dita a emblemática frase "Houston, we have a problem", o produtor tem ao alcance das mãos a possibilidade de prever os futuros problemas. Com monitores ligados 24 horas por dia, sete dias por semana, as informações fornecidas pelo maquinário atualmente possibilitam ao gestor da propriedade antecipar o que está por vir. 

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“Se sei que meu combustível vai aguentar poucas horas de operação, eu já me antecipo e faço o abastecimento. Não espero acabar o diesel lá no meio da lavoura, para passar um rádio e ficar com o trator parado. São horas de trabalho economizadas, que também geram economia na ponta do lápis”, diz Lauro Rezende, gerente de marketing de produto da Case IH, um dos maiores fabricantes de maquinários. Não apenas isso, a previsibilidade de resposta pode chegar via alerta no celular, avisando quando a máquina estiver a 20% de esgotar o combustível. É a máquina como prestação de serviço, permitindo antecipar decisões na fazenda. E, definitivamente, saber gerenciar e economizar combustível está entre as prioridades do produtor.

A automação permite ao trator realizar as atividades por meio do uso de sistemas e ferramentas de gestão (Foto: Reprodução)

 

O combustível dos maquinários agrícolas está entre os elementos de maior importância e que vem sendo estudado pela indústria devido ao seu peso sobre os custos dos produtores – dentro e fora das fazendas. Sem contar seu impacto no meio ambiente. As fabricantes têm dedicado atenção especial a esse fator e projeta novas fontes de energia. A New Holland é uma delas. A empresa começou a testar combustíveis alternativos ainda em 2006, mas apenas em 2013 concluiu que era preciso inventar um novo trator.

Especialista em marketing de produto da CNH Industrial, Juliano Perelli frisa que foi como reinventar a roda, pois não seria possível fazer adaptações, já que o princípio do funcionamento do trator seria inédito. “A preocupação é com a entrada e a saída de energia limpa. E é rentabilidade, além da sustentabilidade. O ciclo do biometano é rentável desde o começo, ainda no dejeto dos animais”, explica ele, ao comentar que a suinocultura e o setor sucroalcooleiro são fortes interessados no novo trator.

Com a pretensão de reduzir em até 80% as emissões de dióxido de carbono rodando com o mesmo desempenho, o trator a biometano da New Holland deve ser, em média, 35% mais caro que o modelo equivalente a diesel, hoje com preços a partir de R$ 800 mil. Perelli admite que isso ainda é uma barreira à mentalidade do produtor, mas o custo-benefício é fácil de perceber. Após o investimento na infraestrutura para a extração do biocombustível, o litro do biometano sai entre R$ 0,60 e R$ 0,70, enquanto o diesel está flutuando acima de R$ 5,50 o litro. Para fins comparativos, 1,1 litro de gás biometano é equivalente a 1 litro de diesel.

Como exemplo de quem já compreendeu o benefício, ele cita a Cooperativa Cocal e a Usina São Martinho, que são potenciais clientes do novo trator, que está sendo fabricado pela marca na Inglaterra. À medida que o futuro das máquinas também passa a ser mais sustentável, o executivo da CNH Industrial afirma que a empresa está em contato com o governo federal para buscar incentivos que viabilizem a fabricação nacional, barateando o preço ao produtor e fortalecendo a política de biocombustíveis. 

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A própria CNH Industrial também firmou contrato com a Monarch Tractor, empresa norte-americana que desenvolve tratores totalmente elétricos e ainda autônomos. Lauro Rezende aponta a redução nos custos de operação por hectare como um dos maiores benefícios da eletrificação, mas pondera que o tempo de trabalho da máquina é menor, o que dificulta a lida nas lavouras de grande escala. Para se ter uma noção, a espera de carregamento é em torno de oito horas, tempo em que a máquina não pode ficar parada em plena safra.

A John Deere também mira os tratores elétricos e adquiriu recentemente a empresa austríaca Kreisel Electric, visando ao carregamento rápido das baterias para máquinas de alta potência, como tratores de 600 a 1.000 cavalos-vapor. Enquanto o aprimoramento do tempo de carregamento dos tratores não acontece, a proposta da John Deere é o uso de biocombustíveis para gerar eletricidade para as baterias. Trata-se de uma geração de energia híbrida, de modo que o motor à combustão gera energia para carregar as baterias. “O motor passa a não ser mais a força motriz do equipamento. A máquina se torna autossuficiente no uso de energia e se faz autorrecarregável”, explica Rodrigo Bonato, diretor de marketing da empresa para a América Latina. Quando o combustível acaba e as baterias também, é preciso o reabastecimento, mas em uma periodicidade muito menor.

Trator movido a biometano em parada para abastecimento com o combustível, fabricado a partir de dejetos de animais (Foto: Reprodução)

 

Nesse modelo híbrido entre combustão e eletricidade, Bonato ainda adiciona o uso de combustíveis renováveis. Unir a durabilidade e a potência do motor a diesel com o uso de combustíveis menos poluentes, segundo ele, é o melhor dos mundos, mas ainda não existe. Para mudar isso, a John Deere investiu US$ 15 milhões para adquirir uma startup que possibilita a conversão do motor de ciclo diesel para ciclo otto. “Você tem uma fonte de energia limpa, como o etanol, dentro de um motor à combustão eficiente, gerando energia para as baterias, esta fornecendo energia para os atuadores eletromecânicos com uma grande precisão necessária para a automação do equipamento”, resume o diretor de marketing.

É preciso falar também do aprimoramento dessa automação. A automação permite ao trator realizar as atividades por meio do uso de sistemas e ferramentas de gestão, como um software que regula o uso de combustível mediante a temperatura do ambiente e dá ao produtor a informação sobre qual horário do dia é mais rentável fazer determinada atividade. Já a autonomia significa poder interagir com essas ferramentas e informações sem precisar de um apoio técnico humano. Na prática, é um trator que já sabe desempenhar suas funções de forma responsiva e sem a presença do tratorista.  Para Bonato, da John Deere, mais do que se preocupar com a autonomia em si, a tendência é aprimorar a automação para que a operação realmente seja mais inteligente. Não adianta uma colheitadeira apenas colher sozinha, mas ela precisa desempenhar a função gerando dados, detectando obstáculos e sabendo se comportar perante algo inesperado. Essa complexidade é o que está em jogo hoje e definirá o futuro.  

Não adianta comprar a melhor semente e regular mal a máquina"

RODRIGO BONATO,
diretor de marketing da John Deere

Já em modelo experimental no Brasil, a Jacto, fabricante nacional de maquinários, tem em seu portfólio o primeiro pulverizador de citrus sem cabine. O trator autônomo é a prova de que o futuro está mais próximo do que se imagina. A depender do terreno e das condições climáticas, o trator pode reduzir o consumo de combustível e maximizar a tração no solo. Há ainda funções como sistema de escaneamento de plantas e pulverização controlada pela posição do GPS.

Na tela do computador é possível acompanhar o desempenho da máquina no campo (Foto: Reprodução)

 

O gerenciamento de obstáculos, como no risco de um atropelamento, faz com que o trator pare automaticamente e apenas o gerenciador – do escritório, à distância – tome uma decisão do que fazer. Esse é um ponto sensível no que diz respeito aos veículos autônomos: falta regulamentação. Rodrigo Madeira, gerente de produto da Jacto, acredita que, a partir da demanda do consumidor, o processo de regulamentar esse tipo de veículo tende a fluir, mas sendo necessário estabelecer diferenças entre um carro na cidade e a realidade agrária. A discussão da regulamentação é ainda mais profunda, segundo Rodrigo Bonato, pois esbarra na gestão de dados. “No caso de um dano a terceiros, eu posso compartilhar as imagens da câmera do trator? A quem cabe o gerenciamento de dados, obedecendo a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD)?”, questiona. 

O ápice da automação com autonomia, além dos tratores sem cabine, é a entrada dos drones em comunhão com as máquinas agrícolas. O VoloDrone, desenvolvido em conjunto entre a John Deere e a empresa Volocopter, tem 9,2 metros de diâmetro, permitindo acoplar diferentes dispositivos, como para aplicação para proteção de cultivos. Ainda sem falar em disponibilidade no mercado brasileiro, os voos podem ser realizados em baixas alturas e é possível fazer a cobertura de uma área de até 6 hectares por hora. Questionado se os drones são os tratores do futuro, Bonato concorda que “os drones são peça-chave para a geração de dados, havendo uma interdependência entre o solo e o ar”. 

Pulverizador autônomo Arbus 4000 JAV, da Jacto, em operação no interior de São Paulo. O modelo, sem cabine, tem capacidade para 4 mil litros de defensivos, possibilitando trabalhar 30% a mais do que a pulverização convencional (Foto: reprodução)

 

Se a máquina agrícola virou um centro de gestão da propriedade, o tratorista passará a ser o gerente de dados. Pilotar não é mais sinônimo de saber colher ou plantar, mas sim de aproveitar o máximo potencial do trator para que a atividade seja compatível com o tanto investido na máquina, na semente e nos produtos para o manejo. Tudo isso com a ajuda da colheita de dados. “Não adianta comprar a melhor semente, os melhores defensivos, ter potencial de colheita de 100 sacas por hectare e regular mal a máquina. É preciso usar a tecnologia e os dados a seu favor”, comenta Bonato. 

De dentro da cabine, o tratorista consegue acessar diversas telas simultaneamente, tudo pelo toque no monitor. Os painéis têm câmeras traseiras na plantadeira, regulagem dos bicos do pulverizador, temperatura da cabine, rádio com Bluetooth e outras possibilidades entre funções e comodidades. Sentado ali, o funcionário mal sabe que está administrando a galinha dos ovos de ouro da modernidade, os dados.  

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Estima-se que os smartwatches (relógios inteligentes, em português) gerem cerca de 1,8 terabyte de dados por ano. Apenas uma máquina agrícola tem a capacidade de formar 70 terabytes de dados entre a safra de verão e a segunda safra. Isso significa, segundo o diretor da John Deere, que os tratores conseguem prover dados de gestão em minúcia. O processo que permite a coleta e o compartilhamento de informações sobre equipamentos de forma remota é chamado de telemetria. Com a análise desse material, o produtor consegue avaliar, repensar e até alterar alguma decisão em tempo real.

A ausência de conectividade no campo é um dos maiores gargalos a serem superados e uma peça fundamental para tomadas de decisão e ganho de produtividade. Atualmente, sem conexão satisfatória, a geração de dados no trator pode ser ampla, porém, não se tornará ação se a informação não chegar em tempo à mão do decisor. A John Deere trabalha em parceria com uma empresa de telefonia para ampliar a cobertura do 3G e 4G nas áreas produtivas. De acordo com o diretor da empresa, o investimento do produtor sai a R$ 20 por hectare por ano, ou R$ 6 mil anualmente em uma propriedade de 300 hectares. “Isso precisa ser acelerado, pois o produtor quer se conectar”, observa Bonato. Não há preocupação do setor quanto à chegada do 5G ao campo, pois esse sinal só será realmente necessário quando o trator autônomo estiver pronto para rodar, algo que Bonato estima não acontecer nos próximos cinco anos.  Mais importante que o 5G, segundo Lauro Rezende, da Case IH, é permitir que haja telemetria de baixo custo para os pequenos produtores. “Isso permite ao produtor extrair o máximo de dados, entendendo melhor o negócio e dando salto de produtividade sem aumentar área.”

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Source: Rural

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