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Apesar do crescimento do consumo e divulgação de cafés especiais no Brasil, mais de 90% do mercado de café é baseado em produto que passou pela chamada torra escura, a qual ressalta o sabor amargo e forte da bebida. As características chegam a ser próximas de parte da Europa, mas basicamente o brasileiro bebe mais café amargo e quente do que cafés especiais, que são mais bem servidos no restante do mundo. O Brasil é o maior produtor de café do mundo e o segundo maior consumidor, atrás apenas dos Estados Unidos.

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café xicara (Foto: Getty Images)

 

O brasileiro consumiu no ano passado 21,5 milhões de sacas de café, das quais 1,5 milhão de sacas são cafés especiais, segundo a Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA). Divulgada no ano passado, pesquisa realizada pela Abic e São Paulo Coffee Hub com 5,4 mil pessoas em 14 cidades, revelou que 83% dos entrevistados tomam café tradicional e extraforte, dos quais 89% adquirem o produto em supermercados. E apenas 34% apreciam o café sem açúcar, enquanto que no exterior a bebida é tomada pura. “De fato, o publico brasileiro prefere café mais forte, que dá mais energia para o dia a dia”, explica Aldevan Junior, analista de marketing da Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic).

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Além dos tipos de grãos, o que faz grande diferença para o tipo de café é o processo de torra, explica Helcio Carneiro Pinto Junior, diretor executivo da Unique Cafés e Rota do Café Especial da Serra da Mantiqueira em Minas Gerais. Na maioria dos casos, os países compram do Brasil o café cru, para realizar os processos de acordo com o costume de cada região.

A Noruega, por exemplo, é destaque mundial por conseguir fazer a torra clara, na qual é possível obter uma bebida com maior teor de acidez e notas que revelam características de cada colheita; Canadá, Estados Unidos e parte da Europa realizam torras médio-claras, nas quais o café é mais diluído com a água; Itália e países asiáticos como o Japão preferem a torra médio-escura, que resulta em uma bebida um pouco mais encorpada, preferencialmente bebida após o jantar; Indonésia, Brasil e parte da Europa preferem torras escuras. Mas há diversas subcategorias entre cada uma das torras, criando uma variedade de sabores. A Unique Cafés tem um canal no YouTube com 75 mil inscritos, no qual apresenta curiosidades sobre a bebida.

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“Se você for comparar com o Brasil, tem mercados como os países nórdicos, Japão, Coréia, Canadá, Estados Unidos que estão muito evoluídos. São países que já têm café especial e você vai encontrar cafés de torra clara, de origem, com rastreabilidade. E são cafés que têm notas sensoriais, não são amargos, têm notas florais, doces, são encorpados”, diz Pinto Junior.

Nos Estados Unidos os cafés com torras claras e médio-claras são muito diluídos na água e permitem coisas que para o brasileiro parece extravagância, como o cold brew, o café gelado ou com gelo. Segundo o especialista, essa moda é difícil de chegar ao Brasil, por causa do costume de tomar a bebida quente, forte e com açúcar. Mas ele explica que fazer isso dá certo porque se usa café especial nos Estados Unidos, caso contrário, um café de torra forte não cairá bem após o resfriamento.

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Ele conta que a China, por exemplo, está em processo de transição do café forte para os cafés especiais. O Grupo Sertão, que é proprietária da Unique Cafés, exporta o café torrado para o país asiático mas, em breve, deverá enviar o grão cru para que seja processado no destino. “A tendência é comprar café in natura, mas como está em momento de amadurecimento, vale à pena comprar torrado. Mas futuramente vai ter que torrar o café.”

Café robusta em São Gabriel da Palha, Espírito Santo (Foto: REUTERS/Jose Roberto Gomes)

 

Ele conta que há um movimento mundial chamado “Black Coffe is Back” (algo como "O café preto está de volta", em tradção livre), no qual há uma tendência em saborear o café puro, sem mistura de leite ou açúcar, que vai demandar um café especial. Em suas projeções, o mercado ainda é pequeno no Brasil, mas cresce a um ritmo anual de 20% enquanto o café tradicional, 2,5%. “O grande barato do mercado é que o paladar não regride. No momento que toma um café especial, você não volta a tomar o outro.”

A história do café

Difundido pelo mundo a partir do Iêmem, o café chegou à Constantinopla e, no século 18 começou a ser coado na Europa. No Oriente Médio, por exemplo, ele é preparado por infusão dos grãos moídos na água, que deixa uma borra no fim da xícara, além do acréscimo de especiarias. No Brasil, o costume de café forte e coado, segundo o gerente da Abic, chegou através dos imigrantes italianos. “O Brasil teve grande influência europeia na história. No século 18 a gente expandiu a produção de café no Brasil e a forma de consumo tem influência da Europa, sendo a descoberta do café coado, além de no final do século 19, com a chegada do italiano no Brasil, que trouxe o costume de café mais forte”, diz.

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A jornalista especializada em café Cristiana Couto, co-autora do livro “Sou Barista”, explica que o costume de café amargo é decorrente do baixo investimento da indústria: como é grande exportador, prefere economizar com café produzido de baixa qualidade. “É barato produzir baixa qualidade: o café fica com um monte de defeitos. Ele fermenta antes de secar. Uma coisa é controlar a fermentação; outra é esparramar no terreiro e está cheio de água para secar, e que gera defeitos do café. De todo café que a gente produz, em torno de 10% é café de qualidade, sem defeito, é um café bem produzido. O resto é café commodity, entra na produção de café solúvel, e não tem qualidade”, afirma.

A altitude, o manejo e o pós-colheita definem a alta qualidade dos cafés especiais na Serra da Mantiqueira no sul de MG (Foto: Selva Bizarria)

 

Ela mostra que essa visão é também histórica por meio dos indicadores do setor. Há cem anos, existe a Classificação Oficial Brasileira (COB), que classifica o café a partir da quantidade de defeitos, quanto mais problema, mais barato é o produto. “Você classifica pelo número de defeito e tipo de defeito que ele tem, mas é para você ver qual é o nível de qualidade. E esse é o café que a grande indústria compra, tudo misturado. E, para esconder parte desses defeitos, torra até amargar. E você coloca açúcar no café. É essa a lógica.”

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Source: Rural

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