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As dívidas com crédito rural com atraso acima de 90 dias somavam R$ 2,624 bilhões em fevereiro deste ano, uma alta de 103% em comparação aos R$ 1,292 bilhão de dívidas no mesmo mês de 2021. Os dados são de um levantamento do Banco Central (BC) feito a pedido da Revista Globo Rural e ajudam a entender a relação entre o pequeno, médio e grande produtor rural com os financiamentos de custeio.

Essas dívidas em atraso representam 4,7% dos contratos e 0,6% do total do saldo devedor registrado pelo BC. Enquanto os agricultores familiares elevaram esse tipo de dívida em 76%, de R$ 820 milhões no ano passado para R$ 1,447 bilhão; a agricultura empresarial aumentou o calote de R$ 472 milhões para R$ 1,176 bilhão, uma alta de 149%.

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farelo-de-soja-porco-suinos (Foto: United Soybean Board/CCommons)

 

 

 

Apesar da soma das dívidas ter aumentado, o percentual de produtores inadimplentes caiu de 1,71% em janeiro de 2021 para 1,09% em janeiro de 2022, segundo dados da Febraban com base em informações do BC. “A queda é muito grande”, diz o diretor adjunto de Produtos da Febraban, Rafael Baldi. Ele explica que o índice de inadimplência é baixo se comparado com o crédito ao consumidor porque o “produtor rural entende que o crédito rural é importante para ele produzir porque os juros são mais baixos. E ele acaba priorizando esse pagamento para continuar usando.”

“Até me assusta esse indicador. Quando eu olho para dentro do Santander meu custo de crédito não teve aumento, é muito controlado, de 0,4% sobre a carteira e estamos com esse índice há alguns anos”, diz Ricardo França, superintendente de agronegócio do Santander, comentando sobre a alta do valor absoluto da dívida apontado pelo Banco Central.

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Para ele, que cuida do financiamento de médios e grandes produtores no Sul do País, o impacto pode estar no financiamento familiar, porém ressaltou a importância de olhar o indicador do índice de inadimplência. Ele também avalia que houve evolução do mercado de crédito no período, o que pode explicar a alta no valor absoluto, e diz que o mercado crescerá mais neste ano. Sua expectativa é elevar em 30% a carteira de crédito rural do Santander em 2022. “O agronegócio também evoluiu muito em termos de carteira e empréstimos. Pode ter aumentado por causa disso.”

Dívidas em geral

O índice de inadimplência é maior quando somado o pagamento de todas as dívidas do produtor além do próprio crédito rural. Também a pedido da Revista Globo Rural, a Serasa Experian realizou uma pesquisa com dados de 95 mil pequenos e médios produtores rurais dos Estados de Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Tocantins, que representam um universo de 4 milhões de produtores. 

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A empresa comparou esses dados com o consumidor em geral para analisar o comportamento e, de acordo com a pesquisa, a inadimplência do produtor rural em março deste ano com todas as suas dívidas, incluindo crédito rural, foi de 15,8%, estável em relação a junho do ano passado, quando o estudo foi realizado pela primeira vez.

“Houve estabilidade de inadimplência. Embora 2021 e 2022 tenham comportamentos diferentes em razão de perdas no Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul, o comportamento de pagamento dos produtores rurais acabou se mantendo”, explica o Head de Agronegócio da Serasa Experian, Marcelo Pimenta, ao revelar que o levantamento passará a ser realizado de forma períodica pela empresa.

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Ainda de acordo com os dados da Serasa, a inadimplência do produtor é menos da metade do consumidor não-rural, que foi de 40,4% no mesmo período. “A principal diferença é que o produtor rural, por natureza, todos os anos precisa se financiar. A relação com o crédito é muito forte, o produtor precisa de linhas de crédito se não vai matar a principal fonte de renda dele que é a produção”, explica Pimenta.

A pesquisa também constatou que a inadimplência é menor entre produtores com mais de 41 anos o que, segundo Pimenta, mostra a importância da experiência do produtor não apenas com a sua cultura, mas também com a administração dos negócios.

Já os produtores com renda entre R$ 2 mil e $ 4 mil, que comprometem grande parte do dinheiro com dívidas, são os mais inadimplentes, com 19,3% deles com dívidas em atraso – ainda abaixo da média da população brasileira. “De maneira instintiva ou intencional, o produtor rural busca estar adimplente com as principais contas porque, no futuro próximo precisa renovar o financiamento do custeio, é quase que uma obrigação se manter a adimplente.”

Mercado interno

Os produtores que mais sofrem para pagar suas dívidas são aqueles que destinam grande parte de sua produção para o mercado interno, pois estão expostos aos altos custos dos insumos importados sem conseguirem necessariamente repassar o que foi gasto na produção diante da perda de poder aquisitivo da população.

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No dia 31 de março, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística divulgou que o rendimento do brasileiro foi de R$ 2,511 mil no trimestre encerrado em fevereiro, uma queda de 8,8% em relação ao mesmo período de 2021, em uma conjunção de mercado de trabalho desaquecido e inflação acelerada.

Em Santa Catarina, os produtores mais endividados são aqueles que precisam transformar grãos em ração para suínos, peixes, frango, leite e têm como destino de suas mercadorias o mercado interno. Segundo Enori Barbieri, vice-presidente da Federação da Agricultura e Pecuária de Santa Catarina (Faesc), os produtores de grãos do Estado não sofreram tanto com a seca e conseguiram bons preços de venda de seus produtos.

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Aqueles que não conseguiram pagar os financiamentos, ao menos puderam realizar trocas de insumos por sacas de milho ou soja com cooperativas ou agroindústrias. “O grande problema está sendo o custo de insumos para quem transforma grãos para ração animal”, afirma ele, que explica também que o produtor catarinense não tem o hábito de contratar seguro rural.

Barbieri cita como exemplo os suinocultores, que tem um custo de produção auferido pela Embrapa de R$ 8,50 ao passo que o preço de venda está em R$ 4,50 o quilo do animal vivo. “E isso vem desde o final do ano passado, o que faz os suinocultores a desistirem (da atividade) e sem conseguir renegociar dívida e sem investimentos”, afirma.

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A entidade negocia com a Assembléia Legislativa e com o governo do Estado iniciativas para tirar esses produtores do sufoco, como pagamento de crédito de ICMS mesmo para aqueles que negociam sem pessoa jurídica, plano para compra de ração com prazo de carência estendido, entre outras iniciativas.

“Se você não é exportador, o consumo interno não consegue pagar os custos. Na ponta, o produtor rural recebe menos do que gasta. Todo mundo que produz proteína animal não está conseguindo cobrir os custos”, afirma Barbieri. “Não conheço nenhum inadimplente de grãos. O problema está na transformação de grãos em proteína animal, ração da vaca, do porco, do frango, do peixe, todos estão com sérios problemas de liquidez, porque custo de produção subiu demais.”

Situação crítica

No caso da suinocultura, Barbieri conta que a situação é crítica especialmente na região de Braço do Norte, no Sul do Estado, cujos produtores abatem cerca de 700 mil suínos por ano. São produtores independentes, que fornecem para pequenos frigoríficos voltados para o mercado interno. “Eles é que estão morrendo”, diz o executivo da Faesc.

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Edemar Della Giustina, presidente do Sindicato Rural de Braço do Norte, é produtor independente de suíno desde 1978 e afirma que nunca viu uma crise tão forte quanto a atual. Com a voz embargada pela emoção, ele revela que se em três meses a situação não melhorar, ele terá que fechar a fazenda, na qual trabalham uma filha e dois filhos.

“Se não melhorar essa situação, vamos fechar. Já reduzimos 35% (a produção). Se não melhorar, em três meses tem que abandonar, sem saber o que fazer”, diz. Sua fazenda entrega aos frigoríficos cerca de 8 mil cabeças de suínos por ano. Segundo ele, 40 propriedades já deixaram de produzir suínos na região. “É muito triste estar em atividade e ter que abandonar”, diz.

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Além dos preços altos do farelo de soja e milho, Della Giustina explica que as grandes indústrias e cooperativas não apenas exportam, mas também vendem para o mercado interno com vantagem competitiva suficiente para pressionar para baixo o preço final do produto.

“Todo mundo que tinha reserva queimou e recorreu aos bancos e cooperativas de crédito. Hoje não tem mais onde pegar dinheiro. Já se esgotaram as fontes e agora a gente deve nas agropecuárias, no comércio. Só restou agora fechar as propriedades, mas há 40 anos estamos na atividade. A gente já renegociou dívida de empréstimo, inclusive com fornecedores estamos adiando o pagamento.”

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Source: Rural

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