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Notícias sobre a paralisação da contratação de crédito rural utilizando recursos subsidiados vem mexendo com o mercado. Contudo, esta não é uma notícia necessariamente nova. Comunicados como esses vêm, de maneira cada vez mais recorrente, sendo transmitidos pelo governo como forma de anunciar algumas questões técnicas e outras mercadológicas. Situações que vêm ocorrendo no “mundo do crédito” já há alguns anos e que estão impactando de maneira representativa como os processos de financiamento das safras ocorrem hoje.

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Vozes do Agro (Foto: Estúdio de Criação)

 

O fato é que o Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR) foi criado na década de 60 como parte de uma política governamental, que visa financiar uma das importantes estratégias do nosso país: a de garantir segurança alimentar através da modernização e industrialização do campo. Essa modernização que vem sendo alcançada e projetada ao longo das últimas décadas depende tanto dos sistemas produtivos agropecuários quanto dos sistemas financeiros que suportam o financiamento do agro. Este fenômeno vem causando consequências interessantes ao mercado, sendo uma das mais importantes, a viabilização da entrada de investidores privados visando substituir e/ou complementar os financiamentos rurais subsidiados pelo governo.

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Durante quase 60 anos, as inovações tecnológicas no agronegócio têm sido constantes e suas relações com o financiamento são praticamente indissociáveis. importante destacar o contexto que o SNCR foi criado, que sua participação não foi uniforme ao longo de todo esse período e que, talvez, seus dias estejam contados. É importante ter calma! Ainda teremos recursos subsidiados para as próximas safras, mas as mudanças estratégicas na matriz de financiamento do agronegócio brasileiro estão em pleno vapor, e o setor precisa se atentar e se preparar para isso.

Vale ainda recordar que nas décadas de 60 e 70, o Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR) cumpriu seu papel contribuindo para evolução da base tecnológica da produção agropecuária, com recursos suficientes e taxas de juros reais negativas, sempre pautadas pelos altos níveis de

subsídios. Outro ponto que não se alterou desde então foi a alta participação de bancos públicos e cooperativos como os grandes credores do SNCR, fato que acaba sendo um dos principais motivos do desinteresse de bancos privados em financiar o setor.

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Já nos anos 80 e 90, em função do cenário macroeconômico da época e necessidade de ajustes fiscais, ocorreu uma mudança de estratégia por parte do governo em relação ao crédito rural: foram reduzidas as linhas de financiamento por parte dos bancos públicos bem como os níveis de subsídios, tendo como resultado imediato menor disponibilidade de crédito e taxas de juros mais altas, equiparando-se com as taxas de mercado. Como algumas das consequências destaca-se a criação de novas alternativas de financiamento, como a criação da Cédula de Produto Rural (CPR), que viabilizou o crescimento do financiamento de vendas a prazo por parte das indústrias de insumos, cooperativas e distribuidores. Parte das linhas de investimento suportadas pelo SNCR também foram substituídas por linhas de repasse do BNDES, com famílias e finalidades específicas. Outros programas como a Política de Garantias de Preços Mínimos (PGPM), o Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), além de um amplo programa de Renegociação de Dívidas também fizeram parte desse contexto.

A partir dos anos 2000, com estabilização da economia no Brasil e para acompanhar a crescente demanda do agronegócio por recursos, observa-se uma retomada e expansão do crédito rural, tanto pela volta dos subsídios quanto pela criação de novos instrumentos e novas linhas de financiamento para setor, que viabilizaram a expansão do crédito privado. Surgiu desse contexto uma das mais interessantes estruturas de financiamento dos sistemas agropecuários, que é a indústria de insumos, revendas e cooperativas agroindustriais atuando no papel dos bancos como financiadores do capital de giro da agropecuária.

Chegamos à situação atual, onde o financiamento em volumes suficientes e taxas de juros competitivas precisam suportar o crescimento constante do setor, conforme observado ao longo das últimas décadas. O modelo de crédito rural já demonstra sinais de cansaço e ineficiências desde a década de 1980 e está sendo aos poucos direcionado a quem realmente necessita desse recurso, em especial os pequenos produtores. Para os de maior porte e consequentemente com mais recursos para investir em sua profissionalização financeira, novas leis e políticas estão sendo criadas em um ambiente institucional mais favorável para expansão do financiamento privado com captação de recursos externos (sim, cada dia mais, o financiamento agrícola vindo de capital estrangeiro se torna uma realidade).

O redirecionamento de parte dos subsídios ao crédito rural para subvenção dos seguros agrícolas, por exemplo, faz parte das estratégias para atrair os investimentos privados para o setor. Os produtores e o setor já percebem a redução na oferta de crédito rural com taxas subsidiadas, e de linhas de investimento do BNDES.
 

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Recursos privados para substituição desses financiamentos no curto prazo e para acompanhar o crescimento e expansão do agronegócio brasileiro existem, e já estão disponíveis, acessíveis para àqueles que consigam demonstrar para o investidor privado três coisas. A primeira é a correta quantificação do risco de sua atividade (caso do produtor) ou de seus recebíveis (caso dos fornecedores de insumos). A segunda é o correto cumprimento dos artigos estabelecidos nas legislações socioambientais, já que os recursos serão destinados apenas para propriedades que cumpram o chamado compliance legal, na prática, o ESG (sigla que define as ações e investimentos em âmbito social, ambiental e de governança). Por fim, o terceiro é a existência de mecanismos de mitigação de riscos, em especial, seguros agrícolas mais eficientes.

Neste cenário, as novas metodologias e políticas de crédito, associadas com novas tecnologias de decisão de créditos e gestão de riscos, viabilizam e proporcionam aceleração desta transformação na matriz de financiamento do agronegócio brasileiro.

Diante disto, é correto afirmar que o crédito rural subsidiado continuará existindo e cumprirá um papel diferente daquele para que foi criado, com um propósito de apoiar pequenos produtores e também aqueles cujo financiamento privado não tem apetite em operar. Para o restante da cadeia, a matriz de financiamento passará a ter uma participação muito maior de investidores privados, incluindo interessados internacionais. A captação desses recursos dependerá apenas da capacidade de entender e se adaptar a essas novas formas de acesso ao mercado de capitais. As revendas de insumos, cooperativas e indústrias do agro precisam estar preparadas para surfar esta nova onda e continuarem liderando o acesso do produtor a estes recursos financeiros, parte tão fundamental para o desenvolvimento do agronegócio nas últimas décadas e nas próximas que estão por vir!

*Luís Lapo é CRO da Traive, plataforma financeira digital.

** As ideias e opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam, necessariamente, o posicionamento editorial da revista Globo Rural

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Source: Rural

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