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Protestos em praças, doação de carne para a população, apelo aos políticos e campanhas para elevar o consumo no mercado interno. Essas são algumas medidas tomadas por suinocultores independentes, aqueles sem contrato com a indústria, em vários Estados do país para fazer frente ao que chamam de a maior crise da suinocultura dos últimos 40 anos. Na venda para abate, eles alegam que estão tendo prejuízos de até R$ 3,30 por quilo.

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Em Braço do Norte, Santa Catarina, suinocultores protestaram distribuindo carne (Foto: Reprodução/Redes Sociais)

 

A crise, dizem as entidades do setor, se deve ao excesso de oferta causado pelo aumento da produção e queda nas exportações para a China, combinado com um aumento dos custos de produção, catapultado pela alta da ração que se baseia na soja e milho.

“A suinocultura sempre teve momentos de trabalhar no vermelho, mas eu estou tendo prejuízo há 19 meses com o excesso de oferta e aumento da ração que representa mais de 70% dos custos de produção”, diz Cássio Eglen Dinis Alves que tem 1.000 matrizes de suínos, mais gado de corte e avicultura, em sua propriedade em Pará de Minas, considerada a capital mineira do suíno e da avicultura.

Segundo ele, o prejuízo já passa de R$ 450 mil por mês. “Para cada dois animais que eu vendo, um sai de graça. Os suínos já ‘comeram’ meus frangos, carro, caminhão, fazenda e daqui a pouco não terão mais o que comer.” Ele reclama ainda que Minas tem sido inundada por carcaças baratas do Mato Grosso, que derrubam ainda mais o preço da carne.  

Na segunda (28/3), Cássio e mais 40 criadores da região que têm juntos um plantel de 40 mil reprodutoras se reuniram para formular um plano de ação. Eles vão levar aos deputados a proposta de criação de um fundo de suinocultores para bancar campanhas de incentivo ao consumo. Querem também ações para reduzir a oferta. Minas é o quarto maior produtor nacional.

Juliana Ferraz, analista de suínos do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea, da Esalq/USP), diz que o setor está operando com margens negativas no país há mais de um ano. A instituição mede a evolução do poder de compra dos produtores relacionando quanto de milho e farelo de soja dá para comprar com o preço recebido por 1 kg da carne. “Em março, o poder de compra dos suinocultores foi o menor registrado para o mês desde o início da análise. Em Santa Catarina, a queda passou de 30%”, afirma.

Os três Estados da região sul são os maiores produtores do país, com destaque para Santa Catarina, que aloja 760 mil reprodutoras, quase o dobro das 420 mil de 2019. Na terça-feira (29/3), os criadores da região de Braço do Norte, que concentra cerca de 40% dos independentes catarinenses, fizeram um protesto na praça central da cidade, que incluiu a doação de 8 toneladas de carne para a população, divididos em pacotes de 2 kg. O evento foi transmitido ao vivo pelas redes sociais.

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Adir Engel, diretor da regional sul da Associação Catarinense de Criadores de Suínos (ACCS), que inclui Braço do Norte, disse que a cada entrega do animal de 100 quilos à indústria, o criador está tendo um prejuízo de R$ 330, já que gasta R$ 8 para produzir um quilo de carne e só recebe R$ 4,70. “O problema se agravou a partir de novembro quando a China desacelerou as compras e, no início deste ano, o preço caiu ainda mais.”

A analista do Cepea explica que o aumento de produção foi causado justamente pelo apetite da China, maior produtor e consumidor dessa proteína animal. Até 2017, a Rússia era o maior mercado da carne suína brasileira, mas se tornou autossuficiente e embargou as compras, alegando risco sanitário.

Segundo ela, o ano de 2018 teria sido bem complicado para os produtores, se não tivesse ocorrido a Peste Suína Africana (PSA) na China, que reduziu em 60% o plantel chinês. “O país asiático passou, então, a comprar carne do mundo inteiro, inclusive do Brasil. Agora, o plantel está recomposto e as compras vêm caindo. Em fevereiro, a China reduziu em 31% as compras de carne suína do Brasil na comparação com janeiro.”

Segundo a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), as exportações de carne suína (in natura e processada) somaram 146,1 mil toneladas no primeiro bimestre de 2022, 1,3% acima do obtido no mesmo período de 2021. Desse volume, apenas 53 mil toneladas foram para a China, uma queda de 28,5%.

Jacir José Dariva, presidente da Associação Paranaense de Suínos, diz que, com a peste na China, produtores, cooperativas e indústrias acharam que seria fácil vender carne e elevaram demais a produção. “As exportações subiram, mas o consumo interno nem tanto. E, ironicamente, o criador agora está pagando por sua eficiência porque aumentou o número de matrizes e a produtividade delas passou de 23 leitões por ano para no mínimo 28 leitões.”

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Valdecir Folador, presidente da Associação de Criadores de Suínos do Rio Grande do Sul (ACSURS), diz que a atividade cresceu 7% ao ano no Estado nos últimos anos, incentivada pela euforia do mercado, mas já está ocorrendo um descarte de reprodutoras, que deve se acentuar no segundo semestre. O Estado tem 8.000 criadores espalhados por 250 municípios.

“Não vejo mudanças na crise que vivemos no curto prazo porque o custo de produção não vai cair e o preço da carne não deve subir.”

Para Valdomiro Ferreira Junior, presidente da Associação Paulista de Criadores de Suínos (APCS), o prazo de validade e sobrevivência do setor está próximo, se o quadro não for revertido. “Não podemos ficar assistindo nossos produtores perdendo patrimônio, saúde e a esperança em continuar produzindo a carne mais consumida no mundo.”

Guerra

Os representantes do setor dizem que até a guerra no leste europeu agravou a situação. Em novembro do ano passado, a Rússia anunciou a abertura para o Brasil de uma cota de 100 mil toneladas de carne suína sem a taxa de 15%, mas, sob sanção pelo conflito com a Ucrânia, iniciado em fevereiro, não houve embarques.

“Os produtores independentes estão endividados no banco, na cerealista e na agropecuária e sem crédito desde fevereiro. Quem consegue empréstimo de custeio tem que pagar juros de 16% ou 17%”, lamenta Engel, de Santa Catarina.

Cássio Alves, o criador de Pará de Minas, acrescenta que o aumento de custo da ração atingiu também a avicultura, mas essa atividade leva a vantagem de ter um gatilho bem mais rápido que o da criação de porcos. “O suíno precisa de um ano para começar a produzir e o mesmo período para reduzir a produção. Já o frango tem ciclo de 45 dias.”

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Além das perdas acumuladas no preço do suíno, o mineiro ainda sente os reflexos da inundação ocorrida em um de seus galpões em janeiro, que matou mais de 400 porcos que estavam prontos para o frigorífico, gerando um prejuízo de R$ 800 mil entre animais, estrutura e sacos de ração.

Mais protestos

A associação paranaense marcou protesto para o dia 13 de abril, na Boca Maldita, região central de Curitiba, com a doação de 4 toneladas de carne suína. “Queremos mostrar à população que estamos pagando para produzir.”

Os produtores mineiros também devem protestar e doar carne em abril. No dia 26, produtores e entidades lideradas pela Associação Brasileira dos Criadores de Suínos (ABCS) farão uma visita ao Congresso para apresentar a situação e suas demandas aos parlamentares.

No início de março, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) anunciou a abertura do mercado canadense para a carne suína brasileira. Por enquanto, só os catarinenses, único Estado livre de aftosa sem vacinação, poderão exportar. A ABPA negocia abertura de mercados na República Dominicana e no Panamá.

 
Source: Rural

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