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O mirtilo, mais conhecido como blueberry, é uma fruta azul que só se desenvolve em climas frios. Certo? Essa afirmação é uma das principais causas do ritmo lento de introdução da cultura no Brasil. Mas há iniciativas em todo o País que provam essa é uma cultura muito promissora em clima tropical.

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A partir de uma variedade resistente ao calor desenvolvida pela Universidade da Flórida, nos Estados Unidos, chamada “biloxi”, plantações estão se firmando na região de Piracicaba (SP), na região do Vale do São Francisco em Petrolina (PE), em Senador Amaral (MG), Na Chapada Diamantina, em Nova Soure (BA) e até o governo do Ceará quer estimular a produção no Estado. Não há estimativa de produção nacional, mas fonte do setor avalia que a área plantada seja de cerca de 500 hectares. O Brasil ainda importa cerca de 80% do que é consumido internamente dos Estados Unidos, Canadá e do Peru.

mirtilo (Foto: Romero Martins )

 

“Existe um senso comum que a planta não se desenvolve em clima quente, essa é uma falsa ideia. As variedades que temos, nós provamos que podem ser produzidas em temperaturas altas”, afirma Mariane Natera, analista de inovação do Avance Hub, braço de desenvolvimento e criação da Cooperativa dos Plantadores de Cana do Estado de São Paulo (Coplacana), que em parceria com a WBGI e a EsalqTec, incubadora de startups da Esalq, lançou em outubro do ano passado o Vale do Mirtilo.

Esse é um projeto que fornece mudas e presta assistência técnica com apoio da EsalqTec a pequenos produtores que tiverem interesse em diversificar a cultura. Em um hectare, é possível reunir 8,3 mil plantas. A fruta produz até 10 toneladas por hectare. O projeto já conta com três produtores cadastrados, mas tem uma fila de espera de 25 fazendeiros da região. “Ao final da produção, a Coplacana compra toda a produção do produtor. Como estamos fazendo o primeiro ano do projeto, focamos em propriedades que estejam a 150 km de Piracicaba”, diz Natera.

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O valor de investimento inicial para um hectare, considerando insumos e irrigação, é de R$ 300 mil reais no primeiro ano de implantação da cultura. No primeiro ano, não há colheita, pois os arbustos precisam ser podados logo após o surgimento das flores. Após seis meses da poda, a colheita poderá ser iniciada. No segundo ano, o custo estará concentrado no valor do adubo, mão-de-obra e manutenção da irrigação. “É um arbusto que dura pelo menos de 12 a 15 anos no campo. O pico de produção é de 1,5 kg por planta. A colheita dura seis meses”, diz a analista de inovação. O investimento também interessa porque o preço do mirtilo em Ceasas pode variar de R$ 40 a R$ 200 o quilo.

Plantação de mirtilo (blueberry) (Foto: Emater/RS)

 

Sergio Marcus Barbosa, gerente executivo da EsalqTec, conta a escolha do mirtilo para o projeto é reflexo da alta demanda, com preços atrativos no varejo, que podem ajudar o pequeno produtor a se unir em cooperativa para obter uma maior renda. “Há um critério para a pessoa entrar no projeto, explicamos todos os riscos, perspectivas de custeio, receita no curto médio e longo prazo. O produtor precisa ter total ciência de como vai se posicionar”, diz Barbosa.

Em Piracicaba, na Fazenda Areão, a EsalqTec montou um hectare para desenvolver a tecnologia de produção dos mirtilos, que são cultivados em vasos, para que a planta possa também ser usada como um ativo para o produtor. Três startups incubadas pela entidade desenvolvem projetos de tecnologia para o mirtilo, como a irrigação, uma peça extremamente fundamental no sucesso da cultura em climas quentes. “A maioria das culturas precisa de água. Propomos que essa cultura em si venha embarcada com sistema de irrigação inteligente. Nosso papel é fazer triagem de tecnologias”, afirma Barbosa.

Já tem startup trabalhando em cultivo in vitro do mirtilo, um sistema que é como uma clonagem, que pega a planta-mãe com qualidade reprodutiva e replica isso em outras plantas. “O diferencial é a certificação genética que atesta que aquela microplanta desenvolvida in vitro vem da origem da planta-mãe. É uma certificação de origem, não é melhoramento genético, mas sim é uma identidade genética”, explica o gerente executivo da EsalqTec.

José Antonio Machado Pinto, de Reginópolis, se associou ao Vale do Mirtilo. Vendedor de bijuterias, há cinco anos ele decidiu plantar mirtilo na Fazenda Rio Verde com a marca Machado King Berry. Em 30 hectares ele obteve uma produção de 350 toneladas, e espera ampliar neste ano em 8 hectares a sua área. Com essa área adicional, ele pretende elevar sua produção para 420 toneladas em 2022. E, no próximo ano, prevê ampliar a área para mais 23 hectares.

“É uma planta que tem que tratar como semihidroponia, pode ser em solo, ou em vasos com substrato inerte com sistema de irrigação bem avançado, de uma forma que envie nutrientes junto com a água”, explica Machado Pinto, que trouxe até um técnico peruano para trabalhar em sua propriedade devido à falta de especialistas na área no Brasil. Ele, inclusive, criou um viveiro de plantas para fornecer mudas ao Vale do Mirtilo. Há dois anos, ele exportou 150 toneladas de fruta para a Holanda, mas depois deu um passo atrás porque o mercado interno começou a absorver toda a sua produção.

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Introduzido no Brasil na década de 1980 no Sul do País, o Rio Grande do Sul é um grande produtor. Eduardo Pagot, engenheiro agrônomo extensionista rural da Emater/RS, de Monte Alegre dos Campos, conta que a produção teve início na cidade de Vacaria, com mudas que vieram da Europa mais adaptadas ao clima frio. Depois, a produção se estendeu por Pelotas, com uma variedade com um pouco mais de resistência ao calor.

“A produção gaúcha se concentra em dois grupos de mirtilo: tem o grupo com alta exigência em frio (high bush) – esse é um mirtilo de alta exigência que só se cultiva em regiões de altitudes, são de melhor qualidade em consumo in natura, coloração mais azulada; depois a gente tem o grupo “rabbit eye”, com exigência média de frio, cultivado em região de Pelotas; e está crescendo um pólo em Encruzilhada do Sul, onde se produz oliveiras. E o high busch é plantado em Vacaria, Monte Alegre e Serra Catarinense”, explica Pagot.

Colheita de mirtilo: cultivo da fruta cresce no Brasil (Foto: Emater/RS)

 

Ele explica que estimar a produção nacional de mirtilo é puro chute, porque não há dados concentrados. Mas ele faz uma fé: avalia que há, no Brasil, 500 hectares plantados com blueberry devido ao crescimento do cultivo de variedade resistente ao calor. Mesmo no Rio Grande do Sul, o último censo é de 2020, e estimou plantações de 65,9 hectares com produção de 309 toneladas no ano, com 65 produtores. “Mas eu acredito que hoje o Rio Grande do Sul tem mais de 150 hectares, mais do que dobrou essa área, com 130 produtores. Em 2022 vamos fazer um novo senso, eu acredito que a produção chega hoje a 750 toneladas”, estima.

E a fruta está ganhando cada vez mais espaço no País, com ajuda da assistência do agrônomo Osvaldo Kiyoshi Yamanishi, professor da Universidade de Brasília (UnB). Na última terça-feira (22/03), ele estava no Ceará, porque o governo estadual está muito interessado em estimular a produção do mirtilo. No dia seguinte, viajou para Petrolina (PE), para acompanhar um projeto de plantação da fruta de 4 hectares. Ele, inclusive, assessorou o plantio em uma área da cidade de Nova Soure, na Bahia, que usa como uma mostra de que a produção no calor é possível. Na quarta-feira (23/03), a Climatempo previa máxima de 34 graus na cidade. “Há plantações em Mucugê e Ibicoara, na Chapada Diamantina, que estão produzindo mais de 15 toneladas no primeiro ano, produtividade que não deixa a desejar diante do que estamos vendo no Peru e no México”, conta Yamanishi.

 

Segundo ele, no Estado de São Paulo há também grande movimentação além de Reginópolis, como produtores em Graça, Holambra, Franca, Itapetininga, Botucatu e Santo Antonio da Posse. Em abril, o agrônomo viaja ao Peru para conhecer melhor as plantações do país, que exportou no ano passado US$ 1,2 bilhão do produto, a segunda fruta mais vendida pelo País. O maior produtor do Peru é a empresa Hortifrut, que no Brasil tem plantações em Senador Amaral (MG) sob o nome de Berry Good.

Yamanishi conta que na região do Distrito Federal está sendo criada a Rota da Fruticultura, na qual o mirtilo e o abacate serão o carro-chefe. Em sistema de cooperativa, em parceria com a Embrapa Cerrados, esse projeto espera dar assistência técnica e financiamento aos produtores interessados em plantar esses dois itens. “O mirtilo é uma cultura na qual se pode produzir o maior valor possível por metro cúbico de área usada mesmo em áreas com escassez de recurso hídrico”, diz o agrônomo.

Colheita de mirtilo (blueberry) (Foto: Emater/RS)

 

Segundo Pagot, da Emater/RS, nos últimos anos, a importação tem estragado muito o mercado da fruta in natura para os produtores brasileiros, principalmente importação da variedade biloxi no Peru, com preços bem mais baixos que se pratica no mercado. “O Brasil ainda importa fruta do Chile e da Argentina, mas nos últimos anos aumentou a importação da fruta peruana biloxi, que é produzida nas regiões mais quentes do Brasil. Ainda continua sendo rentável para o produtor. Mas o grande problema hoje é o maior custo de produção com a mão de obra para a colheita, porque é manual.”

Ele avalia, no entanto, que a produção no Brasil vai crescer, especialmente porque a demanda pela fruta in natura pelo consumidor final e para processamento da indústria são crescentes. Um promissor mercado que está se espalhando por todo o País, que agora tem tecnologia para impulsionar a produção. “Entendo que a tecnologia de produção está em construção para as condições diversas de clima no território brasileiro, que cada região tem suas peculiaridades. Aqui no Sul já temos pomares com produtividades muito próximas aos países com tradição na produção. A expansão vai depender das condições do mercado."

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Source: Rural

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