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É tarde de sol deste verão de 2022. O agricultor Franke Dijkstra, de 81 anos, confere o plantio do feijão sobre uma densa palhada deixada pelo milho que acabara de ser colhido em sua Fazenda FrankAnna, no município de Carambeí, na região dos Campos Gerais do Paraná. Por ali, já faz mais de 40 anos que ele não revolve o solo, desde que se tornou um dos pioneiros do sistema de plantio direto no Brasil, em 1976.

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O agricultor planta sobre a palhada deixada pela lavoura anterior, sem revirar o solo com arados e grades (Foto: Sergio Ranalli)

 

Enquanto a plantadeira estaciona por alguns segundos, gaviões-carcará refestelam-se com as minhocas que dão bobeira nos pequenos sulcos que a máquina fez para depositar as sementes na terra. Dijkstra se abaixa, com vitalidade, pega um punhado de palha e enfatiza: “O sistema de plantio direto tem três esteios: o primeiro é palha, o segundo é palha, o terceiro é palha. Isso é o que realmente nutre o solo, transforma-se em matéria orgânica e segura a água e os nutrientes”.

Nascido na Holanda, Dijkstra chegou ao Brasil com 5 anos de idade, em março de 1947, junto com os pais e os irmãos. No navio, trouxeram 40 novilhas e um touro puro de origem. Estabeleceram-se em Carambeí, onde havia uma colônia de imigrantes holandeses.

Aos 12 anos, ele já dirigia tratores. Aos 19, tocava terras por conta própria, criava porcos e prestava serviços para outros agricultores. Ainda jovem, Dijkstra já tinha um currículo de muitas horas arando terras.

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O arado, invenção milenar que revolucionou a relação do homem com a terra, era largamente utilizado. Naquela época, uma ferramenta fundamental no trabalho do campo. Em Carambeí, na entrada da cidade, está instalado o monumento “O homem e o seu arado preparando a terra para o plantio”, com um cavalo puxando um arado e um lavrador guiando a máquina. “Imagem imortalizada da força e determinação dos pioneiros de Carambeí”, diz a placa instalada pela prefeitura local.

No entanto, Dijkstra não se conformava com a agressão que as grades e os arados provocavam no solo e entendeu que aquele sistema logo tornaria inviável a agricultura em um país de clima tropical como o Brasil. No começo dos anos 1970, já casado com Margaretha Anna, começou a estudar formas de fazer algo diferente.

A terra não se cansa de palha. Nós dependemos dela para conservar as nossas riquezas tropicais"

Franke Dijkstra,
pioneiro do plantio direto

Ele não sabia, mas a 300 quilômetros de distância, no município de Rolândia, no norte do Paraná, havia outro inconformado. Herbert Bartz era brasileiro, nascido em Santa Catarina, mas havia passado toda a infância e a adolescência na Alemanha. Em 13 de fevereiro de 1945, ele estava em Dresden, na noite de um dos mais terríveis bombardeios registrados na Segunda Guerra Mundial. Sobreviveu, completando 8 anos de idade no dia seguinte.

Bartz teve o pai feito prisioneiro de guerra, perdeu um irmão em meio aos conflitos, passou frio e fome. Em 1960, com o pai já liberto pelos soviéticos e com dois irmãos e uma irmã, retornou ao Brasil, tornando-se um agricultor inquieto, sempre procurando por novas formas de produzir alimentos. Ele não se conformava quando via, a cada chuva mais forte, toneladas do fértil solo vermelho sendo arrastadas para os rios. Havia erosão para todos os lados.

Em 1972, Herbert Bartz financiou passagens aéreas e viajou para Inglaterra, Alemanha e Estados Unidos. Na Europa, não encontrou sistema que o agradasse. No entanto, nos EUA, no Estado de Kentucky, conheceu o professor Shirley Philips, pesquisador da universidade local, que o levou à fazenda de Harry Young Jr., agrônomo que plantava sobre a palhada havia dez anos, sem revolver o solo, minimizando os riscos de erosão. Ali estava a solução.

Franke Dijkstra na Fazenda FrankAnna, no município de Carambeí, na região dos Campos Gerais do Paraná, onde há mais de 40 anos que não se revolve a terra para adubar o solo antes do plantio das lavouras, cultivadas em sistema de rotação de culturas (Foto: Sergio Ranalli)

 

O “alemão” voltou para o Brasil já com uma plantadeira específica para plantio direto, encomendada da fábrica da Allis-Chalmers. Em 23 de outubro de 1972, Herbert Bartz, na propriedade que havia ganhado o nome de Rhenânia, em Rolândia, plantou 200 hectares de soja sobre palhadas de braquiária e trigo, sem arar e gradear, o tal plantio direto, para a incredulidade dos vizinhos, que falavam dele com dó nas rodas de conversa. “Coitado, ficou louco.”

Contudo, a loucura foi se espalhando, com outros agricultores interessados visitando a Fazenda Rhenânia, percebendo que aquela ideia protegia mesmo o solo, patrimônio maior de qualquer agricultor, e economizava óleo diesel, dispensando as operações de arar e gradear, numa época em que o preço do petróleo tinha disparado.

Dijkstra ficou sabendo das iniciativas de Bartz e também o visitou, começando a desenvolver estudos para fazer plantio direto. Em 1976, começou para valer. “Não foi fácil. Havia mais dúvidas do que certezas sobre o que estávamos fazendo”, recorda-se Dijkstra.

No mesmo ano, Manoel Henrique Pereira, o Nonô Pereira, que plantava no município de Palmeira, também nos Campos Gerais, região de solos frágeis, era outro decidido a fazer plantio direto. Técnicos haviam recomendado a ele que parasse com a agricultura. Disseram que as terras de Nonô só serviam para pasto. Em um encontro casual, Dijkstra e Pereira trocaram ideias e se uniram. Logo, Bartz se juntaria a eles, formando um trio empolgado e que não via limites ou obstáculos para divulgar a técnica e convencer outros a adotarem-na também.

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Dos 200 hectares da Fazenda Rhenânia, o plantio direto espalhou-se pelo Brasil em 50 anos, preservando e tornando mais férteis os solos e permitindo que até mesmo terras consideradas frágeis demais para a agricultura em larga escala, como as do Cerrado, se tornassem altamente produtivas. Dados da Federação Brasileira do Sistema Plantio Direto (Febrapdp), entidade fundada por Bartz, Dijkstra e Pereira, em 1992, indicam que, atualmente, em torno de 35 milhões de hectares são cultivados no Brasil sob plantio direto.

Jônadan Ma, de 62 anos, engenheiro agrônomo descendente de chineses, é o atual presidente da federação. Em 1982, logo depois de terminar a faculdade, ele começou a trabalhar na Fazenda Boa Fé, de sua família, em Conquista, região de solo de transição para o Cerrado, em Minas Gerais.

“Em 1988, o que ainda era visto como a ‘loucura do plantio direto’ pegou em mim”, conta Ma. Controlar as invasoras e ter acesso a implementos eram os maiores desafios. “O litro do glifosato custava US$ 22. E uma saca de soja valia de US$ 10 a US$ 12. Mas percebi que precisávamos ter cabeça aberta”, recorda-se o presidente, complementando que, apesar disso, a decisão foi acertada. “Eu não tinha qualidade de vida. A erosão era terrível. Cada vez que chovia, ficava desesperado. Pegava o Fiat 147 e ia para a lavoura ver o estrago. O plantio direto proporcionou qualidade de vida para o agricultor.”

Questionado se está satisfeito com o cenário atual do plantio direto no Brasil, Ma responde que sim, porém, o grande trabalho da federação no momento é para que os agricultores passem a fazer o que denominam “sistema plantio direto” (SPD), adotando três princípios fundamentais: mínimo revolvimento do solo, cobertura permanente com palha e rotação de culturas.

 

Eu não tinha qualidade de vida. A erosão era terrível. Cada vez que chovia, ficava desesperado"

Jônadan Ma,
agrônomo e produtor rural

As estimativas são de que entre 15% e 20% de todos os agricultores cujas terras somam os 35 milhões de hectares que utilizam o plantio direto para produzir façam efetivamente o SPD. A rotação de culturas costuma ser, dos três princípios, o menos respeitado. Muitos fazem sucessão de culturas, principalmente com a dobradinha soja no verão e milho no inverno. Isso produz pouca palhada e não proporciona, por exemplo, perfis diferentes de raízes, que vão ajudar na descompactação e a levar água e nutrientes para camadas menos superficiais.

Maquinário antigo utilizado no campo e, na parede, as ferramentas que eram usadas no plantio (Foto: Sergio Ranalli)

 

Franke Dijkstra mostrou um sistema de rotação de culturas interessante na área visitada pela Globo Rural. Começa com aveia-preta, segundo ele, “para nutrir a terra”. Na sequência, vem o milho, que é colhido no verão e dá lugar ao feijão. O feijão dará espaço para o trigo; e, na sequência, virá a soja, com o solo forrado por uma grossa camada de palha e boa quantidade de matéria orgânica. “A terra não se cansa de palha. Nós dependemos dela para conservar as nossas riquezas tropicais”, enfatiza o pioneiro.

Além de ajudar com informações para que todos utilizem bem o SPD, Jônadan Ma destaca que há outros dois grandes objetivos nos alvos da Febrapdp: o primeiro é fazer com que outras culturas, como os hortifrútis, também adotem o plantio direto. “Temos de eliminar um conceito, hoje presente na cabeça dos agricultores, de que o SPD é somente para grandes culturas e grandes agricultores. Estamos certos de que é para todos. As pesquisas e as tecnologias estão muito avançadas em todas as culturas”, ressalta.

O outro desafio, que o presidente define como o maior de todos, é fazer com que o reconhecimento, já dado no exterior à agricultura sustentável do Brasil, venha também dos consumidores brasileiros. “A Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) reconhece o modelo brasileiro como o que deve ser copiado pelo mundo. Queremos ser reconhecidos também pelos brasileiros como agricultores sustentáveis. É o nosso sonho.”

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A salvação da lavoura

Osvaldo Issamu Minami, de 77 anos, começou a fazer plantio direto em 1975, embalado por parentes da colônia japonesa do município de Mauá da Serra, no Paraná, que foram alguns dos primeiros a visitar Herbert Bartz e acreditar na técnica.

Ele cultiva grãos no município de Sertaneja, norte do Paraná, em uma área próxima à confluência dos rios Tibagi e Paranapanema, de baixa altitude – em torno de 300 metros em relação ao nível do mar – e com muito calor. Os índices pluviométricos por ali ficam entre mil e 1.200 milímetros por ano, com o agravante da irregularidade. “Às vezes, chove 120 milímetros em um dia para depois ficar muito tempo sem precipitações. Esta é uma região muito desafiadora”, comenta Rafael de Souza Rodrigues, de 31 anos, engenheiro agrônomo que assessora Minami.

Osvaldo Issamu Minami, de 77 anos, começou a fazer plantio direto em 1975, embalado por parentes da colônia japonesa do município de Mauá da Serra (Foto: Sergio Ranalli)

 

Mas o histórico do produtor no SPD e a rotação de culturas ajudam Minami a superar os desafios do clima. Ele conta que, no início, teve de aprender com as observações que fazia na natureza. “Eu via que ninguém adubava as matas, e elas estavam sempre verdes, porque se autoadubavam. Depois, percebi que, onde ficava bastante palha na lavoura, não precisava de adubo. Então, o plantio direto foi um caminho sem volta. Se eu tivesse continuado com arados e grades, teria perdido tudo. Foi a salvação da minha lavoura”, destaca Minami.

Julio Franchini, pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) na área de manejo do solo e das culturas, explica que um agricultor que colher 15 toneladas de milho no verão terá no solo 20 toneladas de biomassa após a colheita.

O solo bem protegido ajudará também a diminuir a temperatura das plantas nos dias quentes. Em áreas experimentais na Embrapa Soja, em Londrina, com sensores termais acoplados a drones, Franchini comparou as temperaturas de plantas em áreas de plantio direto e áreas de plantio convencional.

Com a temperatura ambiente em torno de 36 °C, as folhas de soja do plantio direto estavam com a temperatura de 35 °C. Ao lado, no plantio convencional, a temperatura das plantas chegava a 43 °C. “Isso se explica pela falta de água onde não havia palha no solo. Sem ela para transpirar, a planta fecha os estômatos, que é por onde entra o gás carbônico, e para de fazer fotossíntese. Com isso, desenvolve-se menos”, explica.

O que é plantio direto? Quais as principais vantagens?

• O agricultor planta sobre a palhada deixada pela lavoura anterior, sem revirar o solo com arados e grades.

• A prática evita pelo menos duas operações com tratores, ganha tempo e economiza em torno de 60% de combustível.

• A palhada evita a erosão, armazena água e permite a formação de matéria orgânica no solo.

• A cobertura do solo aumenta a fixação de carbono e reduz a emissão de gases de efeito estufa.

• Todas as culturas, e não apenas as grandes lavouras de grãos, podem se beneficiar do plantio direto.

• O sistema plantio direto tem três princípios: mínimo revolvimento do solo; manutenção permanente da cobertura com palha; e rotação de culturas para o aumento da biodiversidade.

• Pesquisa feita no Paraná mostrou que, em uma área desprotegida, a chuva carrega para os rios, em média, 144 toneladas de terra por ano.

• Dados de Itaipu Binacional apontam que o uso do plantio direto pelos agricultores no oeste paranaense já evitou que 54 milhões de toneladas de terra por ano chegassem ao reservatório da usina.

Fontes: Embrapa Soja, Federação Brasileira do Sistema Plantio Direto e Itaipu Binacional

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Source: Rural

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