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A imponência do extenso terreiro de café secular vira passarela sob os pés da menina de 5 anos de idade. De vestido azul, capa de chuva amarela e galochas transparentes, a garotinha dispara pelo corredor lateral da sede da Fazenda Atalaia como se estivesse no quintal de casa. Era sua primeira vez naquele passeio. Serelepe, corre pelo espaço, ganhando bolachinhas, queijos e toda sorte de iguarias. Ela descobriu que comida de fazenda não tem igual.  

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Mantiqueira: Vista aérea da Fazenda Atalaia, que fica em Amparo (SP) (Foto: Fernando Martinho)

 

É no município de Amparo que o café da manhã no campo ganha vida e presença de gente acostumada a viver no asfalto e chão de concreto. A cerca de 140 quilômetros da capital de São Paulo, a Fazenda Atalaia, datada de 1870, recebe os turistas para uma experiência que agrega um pouco de tudo da vida no campo. Pratos com ingredientes frescos, colhidos pouco tempo antes de irem à mesa.

A interação com as vacas e as cabras, cuja ordenha resulta nos mais de 4 mil litros de leite processados por dia, é só uma das possibilidades. E o resultado é o carro-chefe da casa: o cardápio com mais de 30 tipos de queijo autorais.  

A propriedade está encravada na paisagem deslumbrante das montanhas da Serra da Mantiqueira, em uma zona de transição entre os biomas da Mata Atlântica e do Cerrado. Florestas, cafezais e muitas frutas compõem o mosaico, em uma região que passa próximo ao Circuito das Frutas.

Uma das turistas é a pernambucana Jacilene Ramalho, que atualmente mora em Itupeva (SP). Na primeira oportunidade em que recebeu visita dos familiares, ela fez questão de mostrar que São Paulo não se resume a concreto e aço. A irmã, Jasiane Lima, que veio do Nordeste há pouco tempo, confessa a surpresa. “Eu não imaginava que São Paulo tinha montanha, tanta natureza, ar puro. O caminho é lindo, nem desci do carro e já estava aproveitando”, contou, sorrindo, enquanto o pão de queijo era servido. 

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Ao acomodar-se para as refeições, o público pode não perceber, mas está dentro da antiga tulha que abrigava os grãos de café ainda no século XIX. Através das grandes janelas do casarão-sede, é possível contemplar a paisagem composta pelo antigo terreiro usado para a secagem do grão após a colheita. O local engloba um misto de gastronomia, história e arquitetura. Até o piso de lajotas de barro do terreiro de café faz parte da visita histórica guiada, que também inclui a marcenaria de restauração, instalada onde um dia foi um alambique. 

Herdada, a Fazenda Atalaia é administrada por Paulo Rezende e a esposa, Rosana Rezende, idealizadora dos queijos em um momento em que o café deixou de ser lucrativo. Por manter a moradia e ganhar o pão na propriedade, de pouco menos de 100 hectares, o casal precisava de uma alternativa. Rosana, então, resgatou o amor que tinha pelo queijo desde a infância: aumentou o rebanho de gado da raça holandesa para incrementar a produção de leite. 

Paulo Rezende na sede da fazenda, que recebe até mil visitantes nos finais de semana (Foto: Fernando Martinho)

 

Inicialmente dedicando-se apenas a produtos frescos, como queijo frescal e iogurte, eles começaram, há 27 anos, vendendo de porta em porta na região de Amparo. Os queijos caíram no gosto do público, foram ganhando fama e despertando a curiosidade – e o que começou com seis vacas holandesas precisou ser ampliado.

Atualmente, são cerca de 300 cabeças na propriedade, um rebanho todo nascido na fazenda, além de outras 300 cabeças em 100 hectares arrendados. Para citar um exemplo, são 150 quilos de massa de muçarela processados diariamente, além da capacidade de armazenar 5 mil unidades de queijos maturados. 

Em 2016, conta Paulo Rezende, um colega os incentivou a levar um dos queijos da Atalaia a uma premiação na Espanha. De lá saiu o primeiro queijo artesanal brasileiro premiado com uma medalha de ouro no World Cheese Awards: o Queijo Tulha. Fabricado a partir de uma massa cozida com leite de vaca tipo A e com baixo teor de gordura, ele fica de 12 a 18 meses em maturação. Dali em diante, o produto começou a chegar a empórios, integrar cardápios de chefs como Alex Atala e ser procurado por pessoas do Brasil inteiro.

O pessoal queria conhecer de onde veio esse queijo, como foi produzido, quem são as pessoas que o fazem"

Paulo Rezende,
dono da Fazenda Atalaia

Até que chegou a pandemia, e a queda de 85% no faturamento dos negócios. A saída foi investir no e-commerce. O casal não imaginava quanto daria certo. “O pessoal queria conhecer de onde veio esse queijo, como foi produzido, quem são as pessoas que fazem o Tulha… Aí começamos a abrir a visitação para vizinhos, amigos, e quando vimos o público estava aqui, vendo como é uma fazenda de verdade, podendo acompanhar o passo a passo”, lembra Paulo. E Rosana complementa: “As pessoas recebem as cestas com os produtos em casa e depois vêm nos visitar para saber a origem. É muito gratificante”.  

Rosana Rezende mostra os queijos produzidos na Atalaia (Foto: Fernando Martinho)

Essa busca pela procedência do alimento, simultaneamente à maior procura por passeios a céu aberto ligados à natureza, em decorrência das restrições impostas pela pandemia de Covid-19, fez o turismo da Fazenda Atalaia decolar. São cerca de mil pessoas visitando o local a cada fim de semana. Paulo conta que foi graças aos visitantes que o faturamento aumentou, assim como o número de funcionários, que atualmente está em 75.  

No decorrer da visita à fazenda, o turista ainda pode entrar nas salas de maturação, sendo uma refrigerada e outras duas em temperatura ambiente, cada qual para diferentes tipos de queijo. Nessa experiência, dá para entender que a interação do queijo com o ambiente é o que resulta na qualidade de cada peça. Colocados sobre prateleiras de madeira, ainda apoiadas em paredes de barro da construção original, os queijos já saem dali com sabor de memória.

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As pessoas recebem as cestas com os produtos em casa e depois vêm nos visitar para saber a origem"

Rosana Rezende,
produtora do Queijo Tulha

Para completar a experiência, é possível acessar a Atalaia por meio de uma cavalgada que dura aproximadamente uma hora. Realizado pelo Haras das 8 Virtudes, o passeio é feito pelas montanhas que separam as duas propriedades. Dilan Carvalho Barreira é um dos guias do passeio e explica que todos os animais da raça manga-larga são criados a pasto aberto, interagindo entre si e com os visitantes naturalmente. Quem chega ao haras faz exercícios de volteio para conhecer o cavalo, estabelecer uma relação e, só depois de ter se acostumado, é que a cavalgada começa.  

Dilan Carvalho Barreira leva os visitantes para cavalgadas nos animais criados a pasto (Foto: Fernando Martinho)

 

Em um dos passeios, uma mulher demonstrou muito medo de subir no cavalo, pois ficou insegura. "Mas treinamos e fomos. No meio do percurso, deparamos com o pôr do sol e ela começou a chorar e agradecer”, recorda Dilan. Amparo parece ter a capacidade de emocionar. Rosana conta que uma turista, ao degustar um dos queijos, deixou o pranto rolar ao lembrar-se da avó. Talvez seja um sinal de que todos tenham um pouquinho de campo e natureza dentro de si. 

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Source: Rural

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