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Em 29 de junho de 2012, uma mulher norte-americana, que pesava 58 kg e media 1,60 m, assombrou o mundo dos rodeios ao ousar permanecer os oito segundos regulamentares no lombo de um touro de quase uma tonelada na arena de Cody Nite Rodeo, em Cody, no estado de Wyoming, em uma prova da PRCA, a Professional Rodeo Cowboys Association ou Associação Profissional dos Caubóis de Rodeio. Era Maggie Parker, nascida na pequena cidade de Shaftsburg, no Michigan, que se tornou, então, a primeira e única mulher no país dos rodeios a triunfar sobre um touro em um campeonato profissional da elite que só tinha homens.

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Competidora do Miniature Bull Riders (MBR), nos Estados Unidos. Mulheres participam de competições em circuitos femininos com touros menores (Foto: Andy Watson / Bullstockmedia)

 

A façanha foi tão gigantesca que Maggie se destacou como personagem da página de melhores histórias da revista americana Vox, em artigo de autoria do escritor e diretor de cinema Steven Leckart, publicado em agosto de 2020. Ele descreveu assim a entrada e performance da atleta sobre o touro que tinha o nome da vitamina B12.

“Descendo na rampa e reivindicando seu lugar no topo do B12, Maggie começou seu ritual. Ela enfiou a mão esquerda no cabo de sua corda de touro, e os trabalhadores do brete começaram a apertá-la enquanto o alto-falante da arena ao ar livre tocava “We Will Rock You”, da banda Queen. Maggie bateu na corda com a mão livre para sinalizar que estava apertada o suficiente. Ela estava tão concentrada que perdeu o locutor se referindo a ela como uma ‘beleza de cabelos loiros’. Maggie acenou com a cabeça para dizer ao puxador do portão: pronto.

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O portão se abriu, e B12 saltou para a esquerda, depois para a direita, chutando as patas traseiras sem parar… 2 segundos … Maggie balançou o braço livre para se equilibrar… 5 segundos … Contração febril… 7 segundos … A multidão gritou… Finalmente, um bip alto sinalizado 8 segundos. Ela tinha feito isso, atingindo o limite para marcar.

Maggie desmontou e caminhou casualmente de volta para a rampa, saudada pelo público e chamada de ‘legítima’ pelo locutor. Ela marcou 70 pontos, terminando a noite em sexto lugar. Seu prêmio em dinheiro: US$ 190.

A notícia correu longe. ‘A amazona do touro da PRCA faz história no Kansas’, dizia uma manchete. Maggie havia alcançado o que Polly Reich apenas sonhava. Jornalistas de lugares distantes, como a Inglaterra, clamavam por entrevistas. Pelo menos três documentaristas entraram em contato.”

O escritor se refere a Polly Reich que, em 1994, foi a primeira a tentar montar os mesmos touros que os homens em rodeio da PRCA. Nunca pontuou e, em uma das montarias, lacerou os pulmões na queda, quebrou cinco costelas e quase morreu na ambulância que a retirou da arena. Depois disso, desistiu.

Maggie Parker, a americana que decidiu provar ao mundo que mulheres pedriam montar os mesmos touros de rodeio que os homens. Foi a primeira a parar oito segundos em uma competição oficial(Foto: Reprodução)

 

Na época, as mulheres já montavam touros nos Estados Unidos em circuitos femininos, com animais menores que pulavam menos e não eram tão ferozes como os das arenas masculinas.

Maggie se interessou em montar ao lado dos melhores caubóis do circuito profissional aos 16 anos quando um amigo a levou a um rodeio. Saiu, então, de casa, para trabalhar como ajudante em fazendas no Texas com o objetivo de ganhar dinheiro para bancar a inscrição nos torneios. Passou a viajar pelo interior para competir em pequenos rodeios com seu Ford F-150, que trazia um adesivo branco com seu nome e a silhueta de um cavaleiro de touro.

Nessas andanças conheceu Gary Leffew, então um caubói de 66 anos, que tinha sido campeão mundial nas finais do PRCA em 1970, e passou a fazer aulas com ele. Além da mecânica da pilotagem, Gary pregava o poder do pensamento positivo e tentou passar seus conhecimentos para Maggie. Apesar de reconhecer o esforço e desenvolvimento da competidora, o treinador zen não aprovou quando ela decidiu abandonar as aulas no rancho dele para competir no circuito PRCA, que era exclusivamente masculino.

Leckart resumiu assim a determinação de Maggie: “Ela não consegue se lembrar exatamente quando montar em touros começou a parecer um vício. Mas, em algum momento, percebeu que, quando não estava montando, se sentia insatisfeita e deprimida. Depois que ela tentou saltar de paraquedas é que veio a entender o poder sedutor da adrenalina. Mas a gravidade é muito mais previsível do que uma fera furiosa.”

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E foi exatamente uma fera que interrompeu a carreira de Maggie, em 15 de agosto de 2012, quando ela já tinha 20 anos, quatro deles montando touros, e com 200 rodeios no currículo. Ela se apresentou no Cody Nite Rodeo determinada a se manter sobre o touro 8 segundos e ganhar a premiação. Leckart descreveu a montaria:

“Quando Maggie saiu do brete, ela parecia sólida. Mas de alguma forma, depois de alguns segundos, perdeu a corda e saiu voando no ar. Antes mesmo de o portão ser aberto, os fãs já estavam prestando atenção redobrada. Mas uma vez que o corpo de Maggie se contorceu no ar, todos sabiam que não seria uma aterrissagem suave. Quando ela atingiu o chão, seu pescoço e ombros sofreram o impacto. Ela se lembra de ouvir um estalo, mas no momento estava tão fixada no touro que sua mente ainda não registrou a dor. Maggie observou enquanto o touro se virava ao longe, então ela começou a rastejar freneticamente em direção ao portão. O touro atacou. O portão se fechou segundos antes que o touro pudesse empalá-la com seus chifres. Muito tempo depois, Maggie ainda permaneceu no chão, incapaz de ficar de pé. A arena ficou em silêncio.

‘Está quebrado’, gritou Maggie. ‘Minhas costas estão quebradas!’

Enquanto os médicos a amarravam em uma maca, a dor era insuportável. Às 3 da manhã, ela foi transferida do pronto-socorro local para um hospital em Billings, Montana, onde foi submetida a uma cirurgia de emergência. Quando Maggie finalmente voltou a si, o cirurgião visitou sua cabeceira, dizendo como ela era sortuda. Ela havia sofrido uma fratura na quarta vértebra torácica. A lesão exigiu a inserção de duas hastes e oito parafusos. Se o impacto tivesse sido alguns milímetros maior, ela teria ficado paralisada.”

Antes de quebrar a coluna, a atleta já tinha sido pisoteada por touros e tinha sofrido várias lesões, inclusive no fígado, mas foi a primeira vez que precisou de cirurgia. Maggie ainda tentou voltar a montar dois anos depois, já casada e com filho, mas não pontuou mais.

Atualmente, não há mulheres competindo na série de elite da PCRA ou da Professional Bull Riders (PBR), que reúne os melhores peões em várias etapas nos EUA para a disputa do título mundial que vale um prêmio de US$ 1 milhão. Segundo disse à Globo Rural a coordenação da PBR, o campeonato está aberto a homens e mulheres, mas só há mulheres na liga Miniature Bull Riders (MBR), de minitouros, e no rodeio júnior.

“Incentivamos e apoiamos as mulheres em seu sonho. Como qualquer piloto, elas precisam ter 18 anos para obter seu cartão PBR visando competir em qualquer evento sancionado pela PBR.”

Maggie Parker teve que encerrar a carreira quatro anos depois de começar a montar. Mas marcou seu nome na história ao montar o mesmo touro que os homens em uma competição (Foto: Reprodução)

 

Brasileiras

No Brasil, as mulheres nunca chegaram a montar touros em competições oficiais ao lado dos homens e somente se apresentaram em exibições, geralmente beneficentes, segundo profissionais de rodeio ouvidos pela Globo Rural.

O comentarista de rodeios Esnar Ribeiro, primeiro peão brasileiro a ganhar um evento nos EUA e consultor da novela América da TV Globo que contava as histórias de um peão, que sonhava ser campeão mundial, e do touro Bandido, diz que na década de 90 havia algumas mulheres montando em cavalos e touros no Brasil, mas era apenas exibição.

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“É uma questão biológica porque é uma brutalidade absurda. Há algumas mulheres nos EUA que se destacam hoje, mas não dá para comparar com uma montaria profissional masculina. Não é igual ao futebol que você tem uma Marta que joga melhor que muitos homens. No touro ainda não apareceu uma Marta, mas a tendência é crescer a participação das mulheres se tiver incentivos e campeonatos para elas.”

Carlos Emilio dos Santos, o Kaká, diretor de Os Independentes, organizador da Festa do Peão de Barretos, a mais famosa do país, lembra de apresentações de mulheres no Brasil, mas apenas em rodeios de cavalo.

“A vida é muito dinâmica, mas a anatomia da mulher não permite que ela monte um touro. Não sei como está hoje, mas antes, nem seguro de vida nós conseguíamos fazer porque as seguradoras não aceitavam mulher montar em touro. É fora de cogitação, sem nenhum machismo. A mulher tem seios e o sacolejo do touro pode prejudicar muito."

Os homens ainda são a maioria no universo dos rodeios (Foto: Getty Images)

 

O tricampeão mundial Adriano Moraes também não acredita que montar em touros seja um esporte para mulheres, devido à anatomia feminina e a exigência de muita força. Ele é instrutor atualmente de um curso presencial de montaria em sua fazenda em Cachoeira Paulista (SP) e deu aulas nos EUA, Austrália, Itália, México, Guatemala e Equador. Adriano conta que já teve uma aluna em Mato Grosso do Sul que havia montado alguns touros e tinha feito exibições em rodeio.

“Ela tinha muito potencial, mas na hora da montaria, caiu logo e o touro quebrou todas as costelas dela. Foi direto para a UTI, mas não morreu, não.”

Robson Palermo, peão brasileiro premiado que se aposentou na PBR há quatro anos e é treinador do time Brasil na copa do mundo de rodeios disputada este mês (março) em Arlington (EUA), também concorda com os colegas. “Vai demorar muito para ter uma mulher competindo com os homens na PBR.” Segundo ele, os touros estão crescendo muito rápido devido ao desenvolvimento genético, o que assusta até os homens.

“A mulher já é um pouco frágil. É difícil treinar para ser ‘bull rider’ porque o corpo delas não está preparado para encaixar nesses grandes touros”, diz o treinador, que dá cursos de montaria nos Estados Unidos. Ele conta que já teve duas alunas de 16 anos nesses cursos. “Elas tinham muito talento, mas faltavam força e garra para se profissionalizar.”

João Ricardo Vieira, vice-campeão mundial da PBR, diz que a montaria em touros deve ser um dos únicos esportes do mundo que não terá mulheres disputando campeonatos profissionais. “Algumas meninas já tentaram montar times para montaria em touros aqui nos Estados Unidos, mas não conseguem ter boa performance porque é um esporte muito bruto e exige muito do corpo.”

Amazona

A aluna que chamou a atenção de Adriano se chama Simone Oliveira Batista, ou melhor Simone Xucra, apelido que ganhou ao montar seu primeiro boi aos 16 anos. “Eu era muito corajosa. Montava em boi grande, boi pequeno, boi com chifres, boi bravo, mas não tinha muita destreza e aí me ofereceram fazer o curso do Adriano em 2016 para desenvolver a técnica”, conta Xucra, que hoje, aos 35 anos, é vereadora de segundo mandato em Águas Claras (MS) e promotora de rodeios.

Criada na cidade, ela cresceu acompanhando os primos que montavam bois em fazendas. Em suas montarias de exibição em eventos beneficentes, caiu muito, mas diz que conseguiu ficar 8 segundos em alguns animais. Xucra conta que seu acidente aconteceu na primeira montaria no curso do Adriano e a comoção causada por sua luta pela vida no hospital a tornou famosa na cidade natal, resultando no convite e na eleição para vereadora.

“Fiz uma promessa a Deus na UTI que, se não morresse, iria parar de montar por um ano. Me curei, mas depois fiquei grávida e parei de uma vez, mas até hoje sonho que vou voltar a montar touros.”

Antes do acidente, Xucra ouviu de Adriano: “Larga mão disso. Montar touros não é esporte para mulher”. Mesmo com o grave acidente, que não deixou sequelas, ela não concorda com o professor e diz que as mulheres deveriam ser incentivadas a entrar no mundo dos rodeios como acontece com os meninos que participam de rodeios júnior, mas faz uma ressalva. “Mulheres não têm que competir com homens. Precisa ter o campeonato delas, com touros menos puladores e mais leves para não ser uma disputa injusta, já que o homem tem mais tempo para treinar que a mulher.” 

Preconceitos

Reinaldo Musialowski, preparador físico e fisioterapeuta especialista em esportes radicais e externos há mais de 20 anos, trabalha há seis anos com atletas masculinos de montaria em touros, entre eles os brasileiros João Ricardo Vieira, Marco Eguchi, Luis Blanco, Lucas Divino e Edinelio Rodrigues, que disputam a PBR. Segundo ele, anatomicamente as mulheres são capazes de montar touros sim e com eficiência, mas para isso o treinamento físico deve ser direcionado para esse esporte e é preciso tratar também a parte psicológica.

O especialista ressalva que os quadris mais largos, o ciclo menstrual e as alterações fisiológicas da mulher geram uma diferença de força física em relação aos homens. “Primeiro, as mulheres precisam vencer os preconceitos, mas, onde há vontade real de superação, os resultados aparecem. Com ajuste de treinamento específico para a explosão muscular dos oito segundos, alimentação adequada, foco, motivação e as alavancas corporais ideais, elas podem montar bem e surpreender o mundo do rodeio ”, diz ele, explicando que alavancas se referem à constituição do corpo.

Para ter vantagem biomecânica, diz Musialowski, o atleta ou a atleta de rodeio precisa ter tronco, braços e pernas curtos. Um exemplo disso é Vitinho (José Vitor Leme, o bicampeão da PBR), que precisa fazer menos força no movimento de potência por ter o tronco e membros mais curtos, além de muito desejo de superação a cada montaria, o que faz dele o recordista de notas acima de 90 pontos da história da PBR. Já os atletas com membros mais longos precisam realizar um esforço físico bem maior para se manter sobre o touro.
Source: Rural

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