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“Onde está o produtor de trigo da Ucrânia? Será que ele está entre os 2 milhões que já deixaram o país por causa da invasão russa, está entre os que pegaram metralhadoras para defender o país ou está no campo colhendo o trigo?” A pergunta do empresário Alexandre Sales, dono do Moinho Santa Lúcia, de Fortaleza (CE), dá uma ideia do estado de espírito dos donos de moinhos cearenses, que estão entre os maiores do país e importam praticamente 100% da matéria-prima que processam na indústria.

A Rússia é a maior exportadora mundial de trigo, seguida por Estados Unidos, Canadá (ou Austrália, depende do ano) e Ucrânia. Juntas, Rússia e Ucrânia são responsáveis por 25% do trigo exportado no mundo.

farinha-trigo-saco (Foto: Thinkstock)

 

Embora, o Brasil importe pouco trigo do leste europeu, se faltarem no mercado mundial as 51,3 milhões de toneladas dos dois países, o preço em outros países exportadores, como a Argentina, principal fornecedor do Brasil, deve subir, pressionando ainda mais as margens dos moinhos brasileiros, que já estão reduzidas desde o ano passado devido ao aumento do dólar e à alta de 40% da matéria-prima, que representa 60% dos custos. As importações respondem por cerca de 7 milhões das 12 milhões de toneladas processadas no Brasil.

“Estamos sofrendo muito com a oscilação louca dos preços do trigo na Bolsa de Chicago. A tonelada que era vendida a US$ 300 dólares chegou a US$ 515 e nesta quarta (9/2) baixou para US$ 435”, diz Roberto Schneider, diretor presidente do Grande Moinho Cearense, o quinto maior do país, com processamento anual de 500 mil toneladas e R$ 1,5 bilhão de faturamento. Ele afirma que o setor tem trigo para março e abril comprado da Argentina, mas ninguém está fechando negócios novos para maio porque não tem ideia de como vão ficar os preços.

Schneider, que trabalha o dia todo de olho no monitor da Bolsa de Chicago, explica que o preço caiu na quarta porque parece haver um movimento de vendas dos contratos futuros das commodities pelos investidores, que usam esses ativos como seu porto seguro e também não têm ideia se há mais margem para aumento de preços.

“Os analistas de mercado estão aconselhando a comprar se aparecerem negócios de US$ 430 a US$ 470 a tonelada, mas estamos conservadores e observando o ritmo do mercado. O fato é que dependemos do fator guerra. Putin e Biden podem mudar tudo de uma hora para outra”, diz, se referindo aos presidentes da Rússia, Vladimir Putin, e dos Estados Unidos, Joe Biden. Ele acrescenta que a China, maior produtor e consumidor de trigo, com 120 milhões de toneladas, não exporta e ainda está interessada em comprar todo o cereal que surgir no mercado.

Cenário incerto

Sales, do Moinho Santa Lúcia, diz que sua empresa tem estoque para 30 dias e também não está fazendo negócios por conta das “oscilações malucas” do preço. “Tivemos variação de U$ 70 apenas em um dia. Se os países fizerem um acordo amanhã, tudo voltará ao normal e terá sido apenas um momento especulativo. Mas, se o produtor não voltar para o campo e não houver colheita na Ucrânia, o mercado se desestabiliza.” Ele afirma que o cenário é incerto demais e assustador. “Não soubemos de nenhum silo bombardeado, mas cinco navios foram atingidos e ninguém sabe que tipo de grãos eles transportavam.”

O trigo plantado em novembro na Ucrânia tem previsão de colheita a partir de abril. Na quarta, um comunicado do governo ucraniano em sua página no Facebook informou a suspensão das exportações de trigo, centeio, cevada e milheto até o final do ano para evitar uma crise humanitária no país.

Schneider diz que a produção russa, que não está sob ameaça, poderia ser uma opção para o Brasil e o mundo, mas esbarra nas sanções impostas pelos norte-americanos e europeus e nas restrições fitossanitárias. “O Brasil tem uma exigência fitossanitária muito grande. Como a Rússia, após as duas guerras mundiais, importou trigo de todos os cantos, demora para melhorar a qualidade.”

Mesmo com todas as incertezas e aumentos, não há decisão de aumento de preços da farinha. Sales diz que pode subir os preços ainda neste mês, mas pondera que a população já está apertada pelos aumentos de combustível, energia, inflação e queda no poder aquisitivo. Schneider diz que pão é uma compra emocional e não de primeira necessidade e, mesmo se o trigo subir 40%, o impacto no pãozinho não passa de 7%. Além disso, aumentar o preço pode reduzir ainda mais o consumo. No ano passado e no início deste mês, ele estima que houve uma queda de 20% nas vendas de farinha.

Analistas do mercado de trigo como Élcio Bento, da consultoria Safras & Mercado, preveem alta de preços da farinha, pães e massas até junho. A Associação Brasileira das Indústrias de Trigo (Abitrigo) estima que os aumentos só devem ocorrer a partir do segundo semestre e que não haverá desabastecimento.
Source: Rural

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