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A 142 quilômetros ao norte de Edmonton, capital da província de Alberta, no oeste do Canadá, fica a sede da Fazenda Ole. Fundada em 1911, em Athabasca, a operação, que continua na família Olson, agora na quinta geração, é o maior rancho de criação de gado black e red angus (registrado) do país.

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A fazenda dos Olson tem um rebanho (registrado e comercial) de 4 mil cabeças de animais black e red angus (Foto: Arquivo Pessoal)

 

“Hoje, temos um rebanho de 4 mil cabeças de gado (registrado e comercial) e plantamos canola, milho, trigo, cevada e aveia em 2.500 alqueires de terra”, diz o patriarca da família, Kelly Olson, em seu escritório. Papéis e pastas jogados em cima de sua mesa, em pleno sábado, mostram que o trabalho de administrar um rancho dessa dimensão não para, e o chifre de alce gigantesco, pendurado na parede, como um troféu, expõe seu amor pela caça.

O seu filho mais velho, Graham, que hoje é seu braço direito, explica que, por causa do inverno rigoroso e longo do norte do Canadá, as fazendas necessitam ser o mais autossustentável possível. “Aqui, são de cinco a seis meses de inverno. Se tivermos de comprar alimento para o gado durante esse período, quando não podem pastar, não conseguimos sobreviver financeiramente”, diz Graham, que já leva os seus dois filhos adolescentes para trabalhar na propriedade fora do horário escolar. Sua esposa também ajuda com as tarefas do escritório.

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Com a temperatura chegando a 50 graus negativos e muita neve durante os meses de novembro a abril, o gado é levado para piquetes perto da sede, onde dorme em cima de uma cama de palha e tem seus cochos sempre cheios, comendo à vontade.
Kelly e Graham explicam que a ingestão de ração de um bovino precisa aumentar em pelo menos 20% durante o inverno. O aumento da ingestão aumenta a quantidade de fermentação no rúmen, e um dos maiores produtos residuais da fermentação é o calor. Fornecendo mais energia aos bovinos e obtendo mais forragem no rúmen, mais fermentação acontece e, portanto, mais calor é produzido.

“O processo ajuda a manter as vacas aquecidas de dentro para fora… É uma questão de vida ou morte na nossa região”, afirma Kelly, antes de mostrar a silagem de milho que produzem na fazenda.

Kelly Olson e Graham, seu filho mais velho (Foto: Arquivo Pessoal)

 

Graham alerta que, com esse aumento na alimentação do rebanho, é preciso estar sempre atento aos bebedouros da propriedade, que tem aquecedores para evitar que a água congele – mas, mesmo assim, com o frio extremo, às vezes o fenômeno indesejado acaba acontecendo.
“A primeira coisa que os empregados fazem todos os dias é checar a água nos piquetes. O gado acaba comendo neve, mas os bebedouros precisam estar funcionando”, explica Graham, que emprega oito pessoas durante o inverno.

Encontrar alguém para trabalhar ao ar livre em um dos invernos mais rigorosos do mundo nunca foi fácil, mas, com os problemas advindos da pandemia de Covid-19, a situação piorou. Hoje, faltam muitos profissionais qualificados para preencher as vagas de trabalho disponíveis no Canadá. Por isso, a Fazenda Ole decidiu trazer um funcionário do exterior.

"Oportunidades não aparecem, você quem as cria”, diz o brasileiro Bruno Mackey Picelli, que toma conta da sanidade e da reprodução da fazenda. Natural de Rio Claro, no interior de São Paulo, o médico-veterinário conseguiu seu emprego por meio de uma página no Facebook chamada "Canadian Cowboys and Ranch Jobs" ("Caubóis Canadenses e Trabalhos em Ranchos").

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"Eu postei que tinha interesse em trabalhar no Canadá, a minha formação e experiência no Brasil, e eles entraram em contato comigo”, conta Bruno, dentro de um piquete com 100 touros black angus.

Com o número alto de veterinários no Brasil e a dificuldade de conseguir novos clientes no Estado de São Paulo, ele vendeu suas coisas, aplicou para o visto de trabalho com a ajuda da família Olson e, ao lado de sua esposa, Gabriela, chegou à fazenda em 14 de agosto de 2021, depois de dois anos de processo de imigração.

Faz tanto frio aqui que você só consegue ficar de 20 a 30 minutos para fora antes de entrar correndo no escritório para se aquece"

Bruno Picelli,
médico-veterinário paulista

Ainda no verão canadense, o brasileiro ficou impressionado com a beleza do rancho e da província de Alberta, conhecida como um dos lugares mais belos do mundo, graças à natureza exuberante. Mas não demorou muito para o inverno chegar – e, com ele, o sofrimento.

"Rapaz do céu, tem dia que faz tanto frio aqui que você só consegue ficar de 20 a 30 minutos para fora antes de entrar correndo no escritório para se aquecer”, diz Bruno, mostrando uma foto sua com os cílios e o bigode congelados no dia em que ele sentiu o que era um frio de 49 graus negativos.

No Canadá, se não estiver com roupas e acessórios apropriados, você pode congelar ou ter maiores problemas. De acordo com o Serviço Nacional de Meteorologia Canadense, em temperaturas de 32 graus negativos, são necessários apenas dez minutos para a pele exposta congelar. Com ventos fortes, esse tempo cai para cinco minutos, e o vento também reduz o valor de isolamento do vestuário, aumentando, por sua vez, o risco de congelamento. A exposição prolongada a esse frio extremo pode ainda gerar uma hipotermia, que, se não for tratada a tempo, pode levar a óbito. Mais de 8 mil pessoas morrem de hipotermia no país por ano.

“Aqui, o filho chora e a mãe não vê”, diz Bruno, com um macacão e botas especiais para não congelar.

Aumento de 20% na alimentação no inverno faz rúmen fermentar mais e produzir calor interno nos animais (Foto: Arquivo Pessoal)

 

O que mais surpreendeu o veterinário até agora é ver como a natureza se adaptou a um ambiente tão inóspito. "É impressionante como os bezerros de dois a três meses de vida conseguem suportar esse inverno”, afirma, montado em um cavalo tordilho, peludo como um urso, que usa para checar o rebanho bovino.

Algo que Bruno acredita ser um efeito da seleção natural junto com o melhoramento genético feito pela família Olson nos últimos anos. Kelly, que trabalha com inseminação artificial em seu rebanho, algo que não é comum no Canadá, contratou o brasileiro exatamente pela sua experiência na área. 

"Selecionamos por alta fertilidade, facilidade de parto e capacidade de aguentar nosso inverno sem perder peso e voltar a se reproduzir”, explica Kelly, mostrando os touros que estarão em seu leilão anual, no dia 21 de fevereiro.

Apesar do Canadá ser um país de primeiro mundo, com altas taxas de educação e tecnologia de ponta, quando se fala em pecuária, o país está bem atrasado. Com um rebanho de 6,8 milhões (gado de corte) e poucos veterinários especializados, o país oferece muitas oportunidades para pessoas qualificadas como Bruno.

“O que mais me assustou aqui foi a diferença na intensificação de tecnologia no melhoramento genético do animal. Eles estão bem atrás de nós. A pecuária do Brasil não tem para ninguém”, diz o veterinário, que, a partir deste ano, tomará conta da estação de monta da fazenda.

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Source: Rural

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