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Com 60 anos de idade, Alípio Candido Filho é um apaixonado pela pecuária – atividade à qual se dedicou boa parte da sua vida. Nascido no Paraná, mas criado no norte de Mato Grosso desde os 12 anos, onde seu pai ajudou a fundar a cidade de Carlinda, em que vive atualmente, ele mostra orgulhoso a foto dos animais senepol que mantém em cerca de 48 hectares integrados com lavoura. “Hoje, se você tem uma pequena propriedade, você tem de fazer dela uma empresa. Foi-se o tempo de você só sugar, hoje tem de devolver para o solo o que você tirou”, conta o pecuarista.

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PAISAGEM: Castanheiras e áreas de preservação contornam as lavouras de soja da Fazenda Morada Nova, em Carlinda (MT) (Foto: Rogerio Albuquerque)

 

Mas a renda principal de Alípio não vem dos animais. Há quatro anos, ele e sua família tomaram uma decisão difícil, mas não rara na região. Ele trocou a criação de gado nelore mantida nos 300 hectares da fazenda onde vive com sua esposa pelo arrendamento da área, que hoje é ocupada por soja. Seu filho faz as contas do quanto ganhava com a pecuária e o quanto fatura com o "aluguel" da área. “Com essa migração, a gente está tendo uma renda fora de base, não dá nem para comparar. Se antes a gente ganhava R$ 25 mil, com 70% a 80% de custos fixos, fora os variáveis, hoje a gente recebe o mesmo ou até mais sem custos”, diz Luan Candido da Silva.

Agrônomo formado pela Universidade Estadual de Mato Grosso, Luan é o único dos quatro filhos que ajuda o pai a administrar a fazenda e afirma que o aumento dos custos de produção praticamente forçou a família a arrendar a área principal da propriedade. “A gente viu que estava sem mão de obra, com os pastos degradando e o dinheiro que estava sobrando. Se fosse colocar na ponta da caneta, ficaríamos sem lucro”, conta Luan, ao citar, entre outros, os custos com reforma de pastageme manutenção da fazenda. Soma-se às questões financeiras a condição da família. Com o pai já idosoe sem mão de obra, o trabalho de lida com os animais vinha se tornando cada vez mais duro. “A gente não saiu do boi porque não gostava do boi. A gente foi forçado mesmo.”

Assim como a família Candido, outros pecuaristas deverão deixar a pecuária nos próximos anos, segundo aponta um estudo conduzido pelo Centro de Inteligência da Carne da Embrapa. Estima-se que metade dos pecuaristas fará a migração para a agricultura, seja via arrendamento de suas terras ou pela migração para sistemas integrados.

PRODUTIVIDADE: Luan Candido Silva mostra plantas de soja da lavoura, que deve produzir 80 sacas por hectare nesta safra (Foto: Rogerio Albuquerque)

 

 

“A pecuária de corte vai sofrer uma transformação total nas próximas décadas e vai deixar de operar dentro de um vazio econômico de olhar somente a cadeia da carne”

Guilherme Malafaia, pesquisador e um dos autores do estudo 

 

“Acho que isso está muito relacionado à questão do nível tecnológico em que esse produtor se encontra. Para aquele que está com um nível tecnológico baixo, a melhor alternativa é arrendar a terra. Já quem está num nível mais intermediário para avançado encontra no sistema integrado (boi e grãos) uma possibilidade de melhorar o seu desempenho econômico-financeiro”, explica Malafaia. Com a forte alta nos custos de produção observados nos últimos anos, ele ressalta que esse processo tem ganhado força no país. “Em 2005, você matava um boi no frigorífico e o repositor colocava três no pasto. Hoje, você mata o boi e compra um e meio. O que está bom nessas contas que eu não estou entendendo?”, ilustra Luan.

O engenheiro agrônomo e superintendente do Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária (Imea), Cleiton Gauer, afirma que a redução das áreas de pastagem no Estado ocorre, pelo menos, desde 2007/2008. “Desde então, a gente passou a perder áreas de pastagens, e isso também coincidiu com a entrada do Código Florestal. De modo geral, ele foi um marco, os processos melhoraram muito em relação à tecnologia e ao aprendizado do próprio produtor de fazer a conversão dessa área, que são áreas que já estavam abertas com pasto degradado”, explica o pesquisador.

Ele também destaca um avanço mais contundente desse processo nos últimos anos. “A partir de 2021, com a ascensão dos preços do milho e da soja e a melhora das margens, a gente observa uma retomada desse crescimento das áreas cultivadas, porque passa a ter um estímulo a mais para a conversão dessas novas áreas, como produtor buscando maiores oportunidades para expandir o negócio dele”, diz o superintendente do Imea.

PARCERIA: Luan Candido Silva, Alípio Candido Filho e o agricultor Mauri Joton (da esquerda para a direita) (Foto: Rogerio Albuquerque)

 

De acordo com levantamento do Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento da Universidade Federalde Goiás (Lapig/UFG), a área com pastagens no país atingiu a máxima de 173,4 milhões de hectares em 2007, passando a sofrer uma redução sistemática até 2013, quando atingiu 168 milhões de hectares. Em 2020, foram mapeados 160,9 milhões de hectares, queda de 0,45% ante o ano anterior. Já a área destinada ao cultivo de grãos passou de 47,4 milhões de hectares, em 2007/2008, para 69,4 milhões de hectares, em 2020/2021, quando registrou crescimento de 5,3% em comparação à temporada anterior, segundo números da Conab.

O agricultor Mauro Joton é uma testemunha desse processo. Há mais de três décadas plantando soja em Mato Grosso, ele iniciou a carreira ainda como funcionário de uma fazenda na região de Campo Verde, no final da década de 1980. Desde então, tem plantado soja em áreas arrendadas, inicialmente no eixo Sinop-Sorrisoe, mais recentemente, em Carlinda, onde arrenda outras áreas além da fazenda da família Candido. 

“Quando cheguei aqui, o povo falava que eu era louco.  Era o único com uma área proporcionalmente grande. Hoje, depoisde mim,já deve ter 15 a 30 produtores, não sei exatamente, mas bastante”, conta o produtor. O motivo da migração, segundo ele, foi justamente o alto custo de arrendamento nas regiões já consolidadas – fenômeno que ele já percebe acontecerem Carlinda.

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“Antes, eu pagava 20 sacos por alqueire e hoje a gente já paga 30 sacos por alqueire. Então, pode ser que daqui a um tempo fique inviável para plantar. Por isso que, falando de futuro, eu posso garantir para você que 500 quilômetros para cima, daqui a dez ou 12 anos, será a próxima Carlinda”, avalia o agricultor, ao assegurar que seu plantio ocorre em áreas legais e já abertas.

“Quem chegou primeiro foi o garimpeiro, e aí o madeireiro, depois o boi, e aí a gente veio atrás. Nunca derrubei um mato para plantar uma lavoura. Para eu derrubar uma mata e fazer uma lavoura, vai levar dez anos para isso se pagar”, destaca Joton, ao descrever o processo de avanço da fronteira agrícola.

O economista e pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Fabio Servo, destaca que essa dinâmica é natural e ocorre paralelamente à intensificação da produção pecuária no país. O mesmo levantamento da UFG que aponta queda na área de pastagens nos últimos anos constata crescimento de 8,7% no rebanho bovino desde 2007. “A pecuária ainda é uma atividade promissora. Está enfrentando talvez uma dificuldade conjuntural, mas isso não quer dizer que a produção pecuária vai desaparecerou vai crescer menos que a produção de grãos. São duas atividades que têm suas dinâmicas, desafios e vigor”, conclui o economista.

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Source: Rural

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