Skip to main content

Engenheiro elétrico pela PUC de Minas Gerais, Fernando Catta Preta tem mais de duas décadas de experiência na busca por matérias-primas a bom preço. Até anos atrás na indústria de metalurgia, tendo atuado na Usiminas. E desde 2016, no ramo da nutrição animal.

Desde que a pandemia estourou, como gerente de Procurement da Trouw Nutrition do Brasil, fábrica de rações instalada em Campinas (SP), ele tem encarado o dia a dia difícil do setor, ocupado em encontrar saídas para a alta generalizada dos custos de produção.

LEIA TAMBÉM: Com margens negativas, alta no preço do milho deixa criadores em alerta

“Alguns insumos, como a ureia, triplicaram de preço nesses dois anos, além dos custos do transporte rodoviário e no embarque e desembarque nos portos, que passaram a reduzir os prazos e cobrar mais pelos dias além do chamado free time, que era de 15 dias e foi para 10 durante a pandemia”,  diz ele

Em entrevista à Globo Rural, o executivo fala sobre os impactos da atual crise logística para a indústria de ração, um cenário que, junto com a valorização do dólar em relação ao real, elevou de forma significativa os custos com as matérias-primas do setor. Situação acentuada pela manutenção em patamares elevados de preços de commodities agrícolas, como soja e milho. 

Escassez de contêineres e aumento dos preços do frete estão entre os fatores de elevação de custos para a indústria de ração, na avaliação do gerente da Trouw Nutrition (Foto: Pexels)

 

                                         

Globo Rural: Como a pandemia impactou os custos de produção da indústria de ração instalada no Brasil?
Fernando Catta Preta: Vou falar primeiro do panorama geral para entendermos todo esse cenário. O que aconteceu com o mundo na pandemia? Quando surgiu o problema na China, vimos alguns portos serem fechados, navios em quarentena e a parte do transporte rodoviário deles, até chegar aos portos, também com algumas dificuldades. E aí no início de 2020 começou a surgir a percepção da demanda pelos navios, com o comércio mundial aquecido e ao mesmo tempo os portos fechados na China, aí começaram a surgir os problemas dos atrasos dos navios, navios em quarentena, e veio a elevação dos custos dos contêineres. Aqui na Trouw somos importadores, ou seja, trazemos insumos, matérias-primas, vitaminas, aminoácidos, para a produção das nossas rações. E aí começamos a ter essa explosão dos preços, com uma dificuldade grande de conseguir contêneires, de conseguir navios, em função dessas restrições. E se pegarmos o Brasil, pensando no ciclo de navegação, o Brasil é meio fim de linha.

GR: Como assim?
FCP: Porque o navio sai da China, vai para a Europa, e da Europa, quando vem para o lado da América, tende a privilegiar os EUA, pelo comércio, e aí desce para a América do Sul. Essa, vamos dizer, é a rota principal. E começamos a ver contêineres a US$ 10 mil, com fretes caríssimos.

GR: E qual era o preço do contêiner antes da pandemia?
FCP: Para se ter uma ideia, chegamos a pagar pelo contêiner de 20 pés 1,5 mil, 2 mil dólares para trazer da China para cá, ou seja, vimos o frete subir seis, sete vezes. Ainda nesse cenário, começamos a ver também um maior número de atrasos dos navios. A gente programava o navio, mas ele não chegava na hora combinada. Quem dependia dos insumos para começar a produzir, passou a ter atrasos. E aí veio a percepção de menor confiabilidade no tempo de transporte dos navios, passaram a cobrar pela demurrage [valor cobrado a mais pelo tempo de embarque ou desembarque que excede o período combinado no contrato de uso dos portos], reduzindo o free time. Em geral a gente tinha 15 dias em média de free time, em que não pagávamos a demurrage, mas reduziram esse prazo para 10 dias e passaram a cobrar. Então o frete estava caro, o contêiner estava chegando caro, além disso atrasado e, para piorar, uma cobrança de demurrage porque precisava liberar o quanto antes, já que o mundo está precisando daquele contêiner de volta. Isso veio encarecendo a cadeia como um todo. E se a gente for o preço do barril do petróleo, em 12 meses ele subiu quase 60%, foi de US$ 59 o brent, em fevereiro do ano passado, e na sexta-feira, 4 de fevereiro, fechou em US$ 92, ou seja, uma alta de 56%. Com isso vem o aumento dos combustíveis no Brasil, que hoje precifica o diesel pelo mercado intenacional, os fretes rodoviários caros, tudo isso veio somando o custo da cadeia, para a gente poder entender porque as coisas subiram, e subiram tanto, nesses dois anos de pandemia.

Leia mais entrevistas no site da Globo Rural

GR: E ainda teve o efeito da alta do dólar, não?
FCP: O câmbio também foi um fator forte. Em janeiro de 2020, um dólar valia 4,15 reais. No meio do ano de 2020, em maio, o dólar bateu R$ 5,64, e fechou o ano a R$ 5,14. Aí começou 2021 a R$ 5,36, na média, veio subindo, e fechou o ano em R$ 5,65, começando com o dólar ainda bem valorizado, na faixa de R$ 5,30. Então de janeiro de 2020 a janeiro de 2022, estamos falando em um salto do dólar de R$ 4,15 para R$ 5,53. E todas as nossas matérias-primas são hoje dolarizadas, e evidentemente que surgiu aí um custo cambial aí, que acaba, digamos, sobretaxando nossas matérias-primas e importações.

GR: Levando em conta esses dois anos da pandemia, tudo somado, qual foi o aumento do custo de produção na média?
FCP: Seria preciso olhar por matéria-prima, mas tivemos insumos que mais que dobraram de preço, alguns triplicaram de preço nesse período. Daí que é difícil falar em aumento médio porque cada indústria terá o seu portfólio de matérias-primas. Se olharmos para o mercado de ruminantes, a ureia, que é usada como fonte de nitrogênio na nutrição, ela saiu de US$ 200 e foi bater, em novembro passado, em US$ 900 dólares a tonelada, olha que loucura, preço FOB, ou seja, sem o custo do transporte.

Fernando Catta Preta, gerente de Procurement da Trouw Nutrition do Brasil (Foto: Divulgação )

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

GR: Nesse caso da ureia, a alta também teve a ver com a China, que chegou a interromper as exportações?
FCP: Houve essa instabilidade do mercado. Se olharmos para o lado da Europa, o custo da energia lá subiu demais, na Alemanha, existem vários países da Europa que estão sofrendo muito com o custo da energia. A própria China pegou uma parada dura lá, se falava num black out energético da indústria, com algumas delas sendo obrigadas a reduzir a produção. Por isso tivemos menos matéria-prima vindo da China, com a demanda aqui continuando.

GR: E como está a expectativa em termos de oferta de soja e milho no mercado interno?
FCP: Estamos em um momento de La Niña, com mais escassez de chuva aqui no Sul e muita chuva do lado do Nordeste, mas a nossa safrinha está concentrada do Centro-Oeste e Sudeste para baixo, não existe safrinha na região Norte. Lá é uma safra só. E a safrinha é a grande safra do Brasil. Viemos de um 2020/2021 com a produção de milho na casa de 87 milhões de toneladas, e a soja na casa de 137 milhões. Agora, para 2021/2022, a safra do milho tem uma expectativa até boa de produção, com 113 milhões de toneladas, com 25 milhões na safra de Verão e o milho de segunda safra perto de 86 milhões de toneladas. Mas vamos olhar como fica o balanço, olhando o estoque inicial, produção, importações e exportações de grãos, e quanto teremos no final. O Brasil tinha um estoque inicial, em janeiro, perto de 8,8 milhões de toneladas de milho, ou seja, 17% a menos que em janeiro de 21. Vamos produzir 30% a mais, só que a perspectiva é importar 59% menos milho. Resumindo, vamos ter 123 milhões neste ano, contra 113 milhões no ano passado. Vamos consumir, interno e exportação, já que passamos a ser exportadores de milho para a China, de 72 milhões para 76 milhões no mercado interno, mais 7%. Vamos exportador bem mais, de 20 milhões para 36 milhões de toneladas, com 82% de crescimento. E vamos sair com um estoque de 9,5 milhões de toneladas, ante 8,8 milhões no ano passado, que foi um estoque ruim. Já tivemos estoques maiores nas safras anteriores, então pioramos o nosso estoque.

GR: E qual a expectativa das cotações para os próximos meses?
FCP: Nas próximos semanas devemos uma certa calmaria no mercado de milho, com a entrada da produção do Sul e Sudeste, o que vai aumentar a oferta de milho, acalmando no curto prazo. Mas não vejo espaço para o milho despencar. Até abril o milho não cai de preço, ele vai manter o mercado firme, aí começa a safrinha, com o clima parece normalizando, deve vir uma safrinha boa, ou seja, vai ser um bom ano.

GR: E no caso da soja?
FCP: Alguns analistas começaram a reduzir a safra de 22. Em 21, foram 138 milhões de toneladas de soja, começando 21 com 2,9 milhões de toneladas, mas em 22 começamos com mais de 6 milhões. A expectativa eram 144 milhões neste ano, mas já caiu. No caso do farelo, vamos ter uma produção boa, de 1,9 milhão de tonelada, quase 30% acima do ano anterior, com perspectiva de aumentar em 25% o estoque de passagem. O preço médio bateu R$ 2,5 mil a tonelada FOB. E na média o preço caiu no último ano, de janeiro de 21 para cá. No Paraná, chegou a cair 16%. Como a soja veio já veio meio valorizada, tivemos essa queda do preço do farelo no ano passado. Mas de janeiro de 2020 a janeiro de 2022, na média, temos o farelo passando de R$ 1.870 para um farelo agora de R$ 2,5 mil, com uma alta de quase 30% no período.
Source: Rural

Leave a Reply