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Quando começou a plantar a soja da atual safra, no mês de setembro de 2021, em 1.258 hectares de cinco municípios do Norte Central e do Centro-Ocidental do Paraná, o agricultor Evaldo Bortolasci, de 39 anos, compartilhava com o irmão Renato, de 37, e o pai deles, João Aparecido, de 65, a esperança de uma colheita boa, visto que a média de produtividade da família, que trabalha unida, vinha crescendo ano a ano.

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ESTIAGEM: a falta de chuva castigou as lavouras de soja no Paraná (Foto: Sergio Ranalli)

 

No horizonte, atentos que são, sabiam que o resfriamento das águas do Oceano Pacífico, na região equatorial, escasseariam as chuvas no sul do país, por causa do fenômeno que os meteorologistas chamam de La Niña. Mas o substantivo "esperança" bem que poderia ser sinônimo de agricultor no dicionário. E seguiram, a exemplo de praticamente todos os outros que cultivam grãos no Brasil.

Em terra própria, os Bortolasci cultivam 532 hectares. O restante, 726 hectares, são terras em que pagam arrendamento, pois são agricultores desde sempre e, conforme as palavras de Evaldo, orgulham-se de produzir alimento para o Brasil e o mundo. “É o que sabemos fazer”, resume.

Naquele mês em que iniciaram o plantio, o pluviômetro que mantêm na sede, em Itambé, marcou 52 milímetros. Em outubro de 2021, choveu muito, acima do esperado: 405 milímetros. Em novembro, quando terminaram de plantar, a água foi pouca, 75 milímetros, mas ainda suficiente, considerando o mês anterior. Daí em diante é que viria a estiagem severa.

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“A última chuva foi em 26 de novembro, depois, em grande parte das áreas em que plantamos, não caiu uma gota”, conta Evaldo, ressaltando que esta é a pior estiagem que já enfrentou, superando a de 2009. Foi castigo demais para a soja. Um dezembro inteiro sem chuva, bem na fase de enchimento de grãos de parte da lavoura e sob um sol constante, de temperaturas próximas a 40°C durante o dia.

A média geral da família, nos últimos anos, foi de 62 sacas de soja por hectare, chegando a 82 sacas por hectare em alguns talhões. Depois de uma inspeção em toda a área em que plantam, Evaldo constatou que, em 290 hectares, simplesmente não há o que colher. Enquanto isso, em outras áreas em que as sementes foram mais tarde para o solo, com a sorte de uma chuva boa no fim de janeiro, daria um aproveitamento até razoável, diante das circunstâncias. “No final, estimo que a média nossa nesta safra será de 20 sacas por hectare. As contas não vão fechar.”

O caso da família Bortolasci é semelhante ao de milhares de produtores de grãos na Região Sul. Levantamentos feitos pelas secretarias estaduais de agricultura do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná apontam que, considerando somente a soja, o milho e o feijão, as perdas para os agricultores somarão R$ 47 bilhões. No Rio Grande do Sul, o prejuízo ficará em R$ 19,9 bilhões; em Santa Catarina, R$ 1,5 bilhão. No Paraná, o Departamento de Economia Rural (Deral) apresentou estimativas de R$ 25,6 bilhões em meados de janeiro.

FRUSTRAÇÃO: Evaldo Bortolasci vai colher, em média, 20 sacas de soja por hectare (Foto: Sergio Ranalli)

 

A chuva tão esperada pelos produtores sulistas caiu em excesso nas demais regiões. Em Sorriso (MT), por exemplo, em dezembro de 2021 choveu quase o dobro da média para o mês nos últimos dez anos. Em Barreiras (BA), choveu três vezes mais. O clima nublado e as chuvas, que podem afetar o peso e a qualidade dos grãos, também preocupam em Goiás, Minas Gerais e Tocantins.

A Agroconsult, que reduziu suas estimativas de safra para o Sul, por enquanto mantém as expectativas iniciais para as demais regiões. A consultoria estima que os produtores no Paraná vão colher 45 sacas de soja por hectare, em comparação às 63 sacas por hectare projetadas em setembro do ano passado. No Rio Grande do Sul, a estimativa caiu de 56 sacas para 48 sacas de soja por hectare.

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Pelos cálculos da Agroconsult, a produção brasileira de soja deve ficar em 134,2 milhões de toneladas, volume 7% abaixo da estimativa de 144,3 milhões de sacas de setembro e 2% menor que os 137, 1 milhões de toneladas da safra passada. O impacto maior da estiagem no Sul foi nas lavouras de milho de verão, a chamada primeira safra. A consultoria prevê colheita de 24,5 milhões de toneladas, volume 16% menor que os 29,3 milhões de toneladas estimadas em setembro e próximo dos 25 milhões de toneladas colhidas na safra passada. No Rio Grande do Sul, as perdas estimadas para o milho de verão são de 53% e, no Paraná, de 15%.

André Pessôa, sócio-diretor da Agroconsult, observa que, no caso do Paraná, a safra de soja foi mais curta, devido às altas temperaturas, o que deve favorecer o plantio do milho safrinha na janela ideal e antecipar a colheita em pelo menos um mês, o que contribuirá para regularizar a oferta do cereal para atender ao setor de proteínas animais. Ele descarta problemas no abastecimento de soja, mas diz que as exportações não devem atingir as projeções iniciais, que indicavam 92 milhões de toneladas, e devem ficar na faixa de 86 milhões de toneladas.

PRODUTIVIDADE: Os produtores vão colher 45 sacas de soja por hectare no Paraná, volume 28,5% menor que o esperado (Foto: Sergio Ranalli)

 

La Niña seguirá até meados de 2022

Tomando como base o oeste do Paraná, são em torno de 6 mil quilômetros até as praias do Pacífico, no litoral do Equador. Mas o que acontece por lá, oceano adentro, tão distante geograficamente do sul do Brasil, causa impacto direto nas lavouras da família Bortolasci, dos Bernardes e de todos os agricultores dos três Estados da região e de parte de Mato Grosso do Sul, além de explicar o excesso de chuvas na Bahia e em outros Estados do Norte e do Nordeste. 

É o fenômeno LaNiña, causado pelo resfriamento entre 2°C e 4°C das águas do Pacífico da região da Linha do Equador. As temperaturas mais baixas alteram a circulação da atmosfera e o clima em diversos lugares do mundo. No Brasil, o fenômeno provoca seca no Sul e excesso de chuvas no Norte e no Nordeste.

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La Niña significa “A Menina”, em espanhol, e é justamente o contrário do fenômeno El Niño, quando as águas do Pacífico Equatorial ficam mais quentes, chovendo mais no Sul e causando maior seca no Norte e no Nordeste. Os dois fenômenos se alternam, com períodos de neutralidade entre eles.

O La Niña, queimpactou tanto na safra de verão, deve atuar também na safra de inverno, ou segunda safra. De acordo com o meteorologista Paulo Barbieri, do Sistema de Tecnologia e Monitoramento Ambiental do Paraná (Simepar), o fenômeno deve permanecer até meados de 2022. “No momento, o que prevemos para os próximos meses são chuvas irregulares e abaixo da média”, sintetizou.

*publicada originalmente na edição 434 de Globo Rural (fevereiro/2022)

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Source: Rural

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