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*publicada originalmente na edição 433 da revista Globo Rural (dezembro 2021/janeiro 2022)

Potência mundial na produção de alimentos, o Brasil acaba de assumir novos compromissos com o planeta. Durante a COP 26, realizada em Glasgow, na Escócia, em meados de novembro, o país e outras mais de 100 nações firmaram um pacto para reduzir em 30%
suas emissões de metano até 2030. A agropecuária tem um papel importante no atingimento dessa meta, considerada crucial no combate ao aumento da temperatura terrestre.

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Para chegar lá, porém, há um longo trecho a ser percorrido pelos produtores rurais, e isso inclui, sobretudo, facilitar o acesso de pequenos e médios ao crédito e a novas tecnologias de baixa emissão de gases do efeito estufa. Na visão da ministra da agricultura, Tereza Cristina, esse é um dos maiores desafios do agro brasileiro. Na entrevista a seguir, ela fala sobre o futuro do crédito oficial no Brasil e do papel que o governo e a iniciativa privada, além da pesquisa, devem ter para conduzir a agropecuária a uma produção 100% sustentável.

Ministra da Agricultura Tereza Cristina, durante entrevista à Globo Rural (Foto: Adriano Machado)

 

GLOBO RURAL: O crédito rural de hoje é suficiente para financiar a agricultura moderna brasileira?
TEREZA CRISTINA: Desde que cheguei ao ministério, a gente vem trabalhando, porque os recursos oficiais não são suficientes para suprir as necessidades. Isso porque o agro cresceu muito. E esse crescimento fez com que, mesmo aumentando todos os anos o crédito oficial, que é o Plano Safra, a gente sabe que é insuficiente. Então, nós tomamos a decisão de atender aos pequenos produtores, aumentando o Pronaf muito mais do que era antes. Criamos a Lei do Agro, porque aí o grande vai ao mercado buscar recursos. Antes, só com CPR e CRA, tínhamos seis produtos que podiam ter CRA. Quando nós fizemos a Lei do Agro, aumentamos para 60 produtos que cobrem e que podem tomar dinheiro através desses títulos. Enfim, você tem aí uma série de melhorias, e agora a CPR Verde.

GR: Sobre isso, os especialistas dizem que ainda faltam critérios para calcular quanto cada área gera de serviçosambientais.
TC: Essas regulamentações agora vão começar a acontecer com agilidade, e aí esses mercados vão se formar. Eu ainda não sei como isso vai ser na prática, mas vai acontecer muito rapidamente, até porque o brasileiro gosta de tecnologia. Você viu o pix, né? Foi um sucesso, em pouquíssimo tempo.

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GR: O crédito oficial a senhora acredita que vai ficar concentrado e direcionado para os pequenos produtores?
TC: Sim, acho que com as dificuldades de orçamento, enquanto a gente não tiver reformas mais profundas e que deixem o governo menos engessado nessas despesas obrigatórias de orçamento, cada vez mais vamos ter ferramentas financeiras para os grandes e os pequenos vão ter mais crédito oficial.

GR: Em relação às metas que o Brasil assumiu na COP 26, como vamos fazer as boas práticas ganharem escala para diminuir as emissões?
TC: O problema do Brasil é que nós temos um universo muito grande de produtores em um país continental. Temos várias boas práticas de manejo eficientes e temos tecnologia para mitigação de gases de efeito estufa, seja metano ou carbono, mas precisamos democratizar isso, ter mais gente utilizando. A Embrapa já tem muitas tecnologias que podem ser usadas pelos pequenos. Nós precisamos capacitar nossa assistência técnica para que faça essas tecnologias, essa inovação que já temos, chegar até o pequeno produtor. Não quer dizer que nós temos a solução para tudo, mas acho possível cumprir a meta com o que nós já temos e com o que estamos fazendo na pesquisa por meio das nossas universidades e da Embrapa. No próximo Plano Safra, nós temos de colocar mais recursos para que mais gente tenha acesso e fazer com que essas tecnologias cheguem até os produtores médios e pequenos.

Nós temos área suficiente fora da Amazônia para fazer uma agricultura pujante. Quanto mais se aumenta a eficiência, menos terra se gasta"

Tereza Cristina, ministra da Agricultura

GR: A senhora acredita que a assistência técnica deve sair das mãos do poder público para isso acontecer?
TC: Sim. Só que a gente precisa de mais gente. Nós até fizemos uma iniciativa aqui no Ministério da Agricultura e não tivemos êxito, porque queríamos que o produtor tivesse uma linha de crédito no Plano Safra, para que pudesse pegar recurso e pagar a assistência técnica. Neste ano, vamos tentar novamente. Com isso, o produtor pode ir lá e falar ‘Eu quero assistência técnica da empresa x’. Ele contrata. Assim, vai poder ter essa assistência técnica garantida, que ele está pagando, mas vai sentir a necessidade, porque vai saber que precisa daquilo para poder produzir mais.

GR: Qual seria o valor disponibilizado para essa finalidade?
TC: No ano passado, acho que eram R$ 5 milhões. Neste ano, vamos tentar novamente e testar. 

GR: E como será o "Plano Safra totalmente verde", que o ministério pretende anunciar, além do programa ABC+? 
TC: Na verdade, o ABC+ é um programa com muitas ações em diversos segmentos da agropecuária. O Plano Safra, não. Ele é financiamento, mas vai financiar prioritariamente essas ações do ABC. Então, no ABC fazendo recuperação de pastagens, lavoura e pecuária integradas, fazendo qualquer tipo de integração, seja com floresta ou sem floresta. Ou fazer alguma coisa nova de tecnologias sustentáveis, como biogás e produção de biomassa. Nós já temos tudo esse ano, tudo nesse Plano Safra está contemplado, mas queremos colocar mais recursos e ter mais gente usando essas tecnologias do ABC. À medida que a gente tem mais gente entrando, essas metas vão sendo cumpridas muito mais rapidamente.

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GR: O ABC+ vai dobrar ou triplicar osrecursos? Existe essa intenção?
TC: Isso não dá para dizer, mesmo porque isso não depende só do governo. Ele dá o caminho, mas a iniciativa privada é que faz isso acontecer. Nós temos de dar os meios. O que vamos trabalhar agora é na metodologia de aferição. É muito importante a gente saber o que emite. Nós já temos muitas coisas, mas temos de fazer isso agora de maneira mais intensificada, para conhecer esses vários manejos aí que nós temos diferenciados, como é que eles vão funcionar. O Brasil já tinha uma meta, que já foi colocada lá em 2015, no Acordo de Paris. Mas lá tinha carbono e metano equivalente, então, não especificava. Agora, o que nós vamos fazer é essa medição de cada gás.

GR: Falando agora de desmatamento, como a senhora olha para isso, considerando a imagem que o Brasil infelizmente exportou, sobretudo com o aumento do desmatamento na Amazônia?
TC: Nós vamos ter de apertar isso. A agropecuária brasileira pode produzir e aumentar a produção – e vai aumentar. A prova viva é que estamos aumentando, neste ano, a área plantada e, se Deus quiser, vai chover – sem derrubar mais do que a gente tem na nossa legislação. Agora, o desmatamento ilegal tem de ser coibido. Ele acontece, e eu tenho certeza de que não é o produtor rural, até porque custa muito caro derrubar uma floresta e tirar as árvores para depois jogar pasto e pôr boi. O interesse maior é em tirar a madeira, e nem sempre é o mesmo que faz as duas atividades. O Brasil tem muita área preservada: 66% da Amazônia. A gente preserva mais do que todo o mundo, mas temos área suficiente fora do bioma para poder fazer uma agricultura pujante, como é a nossa. Quanto mais você aumenta a eficiência da agropecuária, menos terra se gasta.

GR: Quando a gente vê o presidente da República falando que Amazônia não pega fogo ou dando outras declarações polêmicas, você não acredita que esse tipo de discurso favorece quem está lá a derrubar ou a botar fogo para produzir ou construir? 
TC: Eu acho que não. Quer dizer, acho o seguinte. Hoje, já existe uma consciência do produtor, aquele que é profissional, ele tem um apego a sua propriedade. O produtor, ele é delegado, não é uma vida fácil você viver da sua propriedade. Uma coisa é você viver de outras rendas e ter uma propriedade, mas, quando você é um produtor rural, você mora na sua propriedade e produz pra viver daquilo ali.Ele tem um amor àquilo e ele sabe preservar. Hoje,todo mundo sabe e foi-se o tempo em que as pessoas achavam que não era assim, sabe-se da influência das chuvas, sabe-se que, se você desmatar a beira do seu córrego ou do seu rio, você vai ter problema no futuro, então, existe já uma consciência ambiental, e o produtor rural tem essa consciência. O produtor preserva, e eu acho que, cada vez mais, ele vai ter mecanismos aí para usar essa preservação a seu favor, até como renda.

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GR: O que a senhora acredita que fez as queimadas crescerem tanto no Brasil?
TC: Primeiro, é preciso dizer que nem sempre as queimadas são criminosas e para devastação. Elas acontecem na beira da estrada, nos lixões, perto das cidades, e tem também as criminosas. Fez-se aí um alarde enorme, tivemos dois anos muito secos, nós estamos vivendo uma seca. O produtor do Pantanal, o que ele ganhou com o fogo? Pelo contrário, ele só ficou com prejuízo e ainda levou a pecha de estar colocando fogo – e nem sempre foi ele quem colocou o fogo. Esse fogo foi colocado de várias maneiras. Alguns foram por produtores, mas a gente não pode generalizar. Foi um ano seco também, mas já tinha todo um preparo para que não deixassem aqueles incêndios aconteceram da mesma maneira. As prefeituras se prepararam. Aqui no ministério, deve ter centenas de emendas para compra de caminhão-pipa para prefeituras no interior de todo o Brasil. Por quê? Porque eles viram a necessidade. Foi uma coisa inédita.

GR: E com relação ao desmatamento, o que a senhora acredita que fez crescer?
TC: Eu acho que madeira, principalmente, porque ela tem um valor alto. E, então, nessa imensidão que a gente tem aí, acho que tem de tudo. Não dá para a gente dizer que é só uma coisa, existe especulação imobiliária, existe gente que tá derrubando e que ficou anos esperando a sua licença e ela não saiu, houve também um Estado brasileiro que demorou muito para dar essa licença para alguns que tinham direito. Eu acho que tem uma série de fatores, não é uma coisa só.

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Source: Rural

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