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O tempo firme, com chuvas regulares permitindo o desenvolvimento da safra dentro do calendário ideal não tem sido o bastante para garantir tranquilidade aos produtores de milho este ano. Após uma quebra de quase 20% na safra 2020/2021, quando o tempo quente e seco atrasou o plantio da soja e, consequentemente, do milho safrinha, o ciclo 2021/2022 pode sofrer com uma ameaça antiga, mas que ganhou força este ano diante da debilidade das lavouras: a cigarrinha do milho.

Milho espontâneo em lavoura de soja no norte de Mato Grosso facilita a disseminação de doenças provocadas pela cigarrinha (Foto: Rogério Albuquerque/Ed. Globo)

 

O inseto, com menos de meio centímetro de tamanho, é vetor de vírus e bactérias capazes de gerar uma série de doenças nas plantas, com perdas de produtividade que podem chegar a até 80%. “Não gosto de ser alarmante nesse sentido, mas se não for adotada uma prática de manejo em condições ambientais muito favoráveis, com materiais menos suscetíveis, as perdas são enormes. Realmente pode acabar com uma lavoura”, explica o pesquisador da Embrapa Milho e Sorgo, Luciano Viana Cota. 

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Embora o inseto seja um velho conhecido dos produtores, ele ressalta que os problemas com doenças causadas por ele se alastraram pelo país este ano. “Se for pegar a região Sul do Brasil, historicamente não se falava de enfezamento com cigarrinha do milho. Nosso problema era concentrado em Minas Gerais, parte de São Paulo, Goiás e o Oeste da Bahia”, relata o fitopatologista, ao destacar o tempo quente e seco como principal fator para a disseminação. “´É um inseto que é muito influenciado pelo ambiente e que gosta de temperaturas entre 25 e 30 graus e, no Sul, como tem um inverno mais rigoroso, normalmente se quebra esse ciclo”, explica Cota.

Safra cheia, pero no mucho

Em Mato Grosso, a praga é razão pela qual o agricultor Cinar Costa Beber, de Nova Mutum, duvida das previsões de safra cheia para esta temporada, de mais de 116,7 milhões de toneladas, baseadas nas boas condições climáticas. “Temos muito problema no Paraná e já no ano passado tivemos problema aqui. Não foi muito grave, mas teve. E o pessoal está muito preocupado com essa parte”, relata o agricultor.

Após receber apenas metade dos inseticidas que encomendou para esta temporada, ele avalia que a falta de produtos para controle da cigarrinha poderá agravar os efeitos de possíveis infestações.

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Não sei se a gente vai conseguir [inseticida] em quantidades suficientes pela quantidade de aplicações que vão ser exigidas”

Antonio Isaac Fraga Lira, presidente do Sindicato Rural de Lucas do Rio Verde

“O medo nosso é que essa próxima safrinha de milho, que se inicia em janeiro, seja muito atacada, porque aí o produtor vai ter bastante problema e bastante prejuízo em cima disso”, completa o presidente do Sindicato Rural de Lucas do Rio Verde, Antonio Isaac Fraga Lira, ao também alertar para a escassez de inseticidas no mercado. “Tem mais esse detalhe, porque não sei se a gente vai conseguir em quantidades suficientes para as aplicações que vão ser exigidas”, afirma o agricultor.

De acordo com o diretor executivo da Associação Brasileira dos Produtores de Milho (Abramilho), Glauber Silveira, os produtos disponíveis no mercado são pouco eficientes e exigem repetidas aplicações. “Precisamos de um produto que seja sistêmico e que tenha um residual. Com isso, ele tem um período maior de controle. Senão, você tem que a cada três dias fazer pulverização de inseticida na lavoura. É uma loucura Igual como era com o algodão na época da helicoverpa, que o produtor tinha que fazer um cronograma de aplicação independente de qualquer coisa. E isso fica inviável. É muito ruim para o meio ambiente, para o produtor e para todo mundo”, pontua Silveira.

Manejo integrado

Para explicar o tamanho do problema gerado pela cigarrinha, o gerente de educação e boas práticas agronômicas da CropLife Brasil, Roberto Araújo, compara a praga ao Aedes aegypti, mosquito transmissor da dengue e Chikungunya. “A cigarrinha acaba sendo o vetor da doença e é ela que provoca o problema fitossanitário. O que tem acontecido no Brasil é que tem ocorrido um crescimento de cigarrinhas infectadas provocando esse problema”, observa.

Em outras palavras: combater a cigarrinha só com agrotóxicos é tão pouco eficaz quanto combater a dengue usando apenas inseticidas domésticos. “Tem muita praga que dá para resolver só com inseticida, mas no caso da cigarrinha o produtor não vai conseguir. Apesar de ser uma ferramenta importante para se manejar a praga, somente com o inseticida ele não vai resolver e vai onerar muito o custo de produção dele porque vai começar a aplicar inseticida duas a três vezes por semana”, alerta Cota, da Embrapa.

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Junto com a CropLife, a empresa foi responsável por desenvolver um manual com dez medidas de manejo integrado para controlar as doenças provocadas pela cigarrinha (veja ao final da reportagem), com ações a serem tomadas antes, durante e após o plantio do milho. “Não adianta fazer oito dessas práticas e deixar duas de fora porque você vai estar deixando espaço para a cigarrinha se proliferar”, ressalta Araújo.

Tiguera

Ainda comparando a cigarrinha do milho ao mosquito da dengue, explica o executivo da CropLife, a presença de milho voluntário nas lavouras de soja, cena comum em todo o Estado de Mato Grosso neste ano, é uma ameaça tão grave quanto a água parada nas grandes metrópoles durante o verão. É nessas plantas que os vírus e bactérias que causam o enfezamento do milho vão se abrigar até o início da próxima temporada, cabendo à cigarrinha fazer a ponte entre a planta espontânea e a lavoura plantada em janeiro.

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Presidente do Sindicato Rural de Sorriso, Silvano Filipetto. Perdas com a cigarrinha do milho na região chegaram a 40% mesmo com a aplicação de inseticidas (Foto: Rogério Albuquerque/Ed. Globo)

Em Sorriso, o sindicato rural local afirma que as perdas na última temporada foram de 30% a 40% entre as lavouras que aplicaram inseticidas, chegando a perda total nos talhões em que o inseto não foi controlado. “Toda vez que aumenta o preço do milho e o pessoal entra plantando milho safra, o problema aumenta com a cigarrinha. Então a preocupação é grande”, afirma o presidente do Sindicato, Silvano Filipetto. Ele também cita o milho tiguera, como é popularmente conhecida a planta involuntária que nasce entre a soja, mas alerta que o principal risco está no plantio do milho durante o verão.

“O maior problema é o milho safra em Mato Grosso. Em Goiás, a doença começou a explodir por causa do milho safra. Então o produtor que fique atento, procure outra cultura, porque às vezes a rentabilidade é alta, mas lá na frente acaba colhendo menos e dá menos rentabilidade que plantar soja”, alerta o dirigente.

O fitopatologista da Embrapa, Luciano Viana Cota, também avalia que a expansão do plantio do milho de primeira safra (verão) é, de fato, um dos fatores que tem contribuído para o avanço da praga em Mato Grosso e outros Estados.

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“Tradicionalmente, o milho produzido em Mato Grosso é o safrinha, ou de segunda safra, praticamente não se via muito milho verão no Estado. Mas às vezes tem algumas áreas que começam a plantar em pivô, ou milho irrigado, e aí começa em algumas regiões a aparecer o problema também”, observa o pesquisador.

Nesse sentido, a valorização do grão no mercado interno tem sido um catalisador do problema. “Esse é um outro aspecto que tem feito com que se crie um ambiente na natureza, o que chamamos de paisagem agrícola, favorável para a proliferação desse tipo de problema. Antes não era tão problemático porque não tinha tanto milho e nem era plantado o tempo todo. Então tem toda uma escala que foi contribuindo para chegássemos a essa situação”, acrescenta Roberto Araújo, da CropLife Brasil.

Vazio sanitário do milho?

Sem soluções a curto prazo, o controle depende do engajamento dos produtores em adotar as práticas de prevenção à cigarrinha e as doenças provocadas por ela – o que inclui buscar variedades mais resistentes, ainda que menos produtivas, e evitar manter próximas umas das outras lavouras em diferentes fases de desenvolvimento, prática comum entre agricultores que dependem do grão para a subsistência.

“O produtor tem que fazer escolhas. Se ele não tem o problema na região dele, ele pode plantar uma variedade que não precisa ser tão tolerante e mais produtiva. É uma análise que tem que ser feita caso a caso e não é uma decisão fácil”, reconhece Araújo.

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“O produtor é inteligente, está vendo o problema. É só uma questão de não ter muita ganância e fazer as coisas certas para todo mundo continuar dançando o baile”, avalia o presidente do Sindicato Rural de Sorriso, Silvano Filipetto, ao alertar que, se não controlada, a cigarrinha poderia levar à necessidade de um vazio sanitário para o milho tal como ocorre com a soja – o que prejudicaria pequenos produtores.

“Ninguém quer isso, mas se não quiser o vazio sanitário o produtor tem que controlar o milho tiguera, porque senão depois vai ter que ter uma lei, alguém fiscalizando e controlando isso”, completa o diretor executivo da Abramilho, Glauber Silveira.

Cartilha de boas práticas contra a cigarrinha do milho elaborada pela Embrapa em parceria com a CropLife (Foto: Reprodução)

 
Source: Rural

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