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O apito forte do trem quebra o silêncio do início da manhã de chuva fina e vento forte, que dominam a planura a perder de vista de Chapadão do Céu, no sudoeste de Goiás. É a locomotiva da Ferronorte, que passa na frente da Nova Geração, uma fazenda de 4.333 hectares, propriedade do agrônomo Ricardo Borges, de 39 anos. Por cerca de 15 segundos, o barulho da composição interrompe a conversa que se dá numa encruzilhada do descampado.

Ali, meia dúzia de homens planeja uma atividade de preparo do solo para o plantio da safra de soja. Mas não é uma prosa qualquer. O pequeno grupo ouve o detalhamento da atividade feito por Marcos Ferraz, um agrônomo de 34 anos, sócio de uma startup com sede em Piracicaba (SP). Sua empresa, a Smart Sensing, trouxe da Holanda para o Brasil uma novidade capaz de rever por completo o modelo atual de pulverização das lavouras adotado até agora por aqui.

SENSOR: O agricultor Ricardo Borges e a luz que detecta as plantas vivas indesejadas (Foto: Wenderson Araujo)

 

Trata-se de uma tecnologia que vai além da precisão de que tanto se orgulham muitos dos produtores brasileiros. Os números não mentem. Em áreas que usaram esse sistema, a redução no uso de herbicidas, em geral, tem chegado à casa dos 70% – e até os 80%.

É um ganho fenomenal, tanto do ponto de vista do custo de lavoura quanto ambiental – "óbvio ululante". Ferraz explica que o aparato é capaz de identificar as plantas daninhas e realizar a aplicação do produto apenas onde é necessário. Em linhas gerais, pode-se definir como uma forma exclusiva de detecção de clorofila, com válvulas rapidíssimas, que conseguem detectar de maneira precisa até mesmo as plantas minúsculas e realizar a aplicação do herbicida exatamente sobre o alvo, na dose e pressão corretas.Todo esse processo independe da velocidade da máquina.

O resultado é uma aplicação de altíssimo rendimento e eficácia. Isso se dá por meio de um conjunto de sensores (um por metro) que fazem a leitura da área. Eles emitem uma forte luz azulada, de enorme intensidade, para detectar plantas vivas indesejadas. Aliado a esse processo, há um conjunto de válvulas que realizam a aplicação e a dosagem com precisão a uma resolução de 25 centímetros, o que garante maior economia.

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O tronar do trem se vai trilho afora. Mas o vento e a garoa ficam. Não é uma condição ideal para aplicar qualquer defensivo agrícola. Mas, a pedido da equipe da Globo Rural, é feita uma demonstração. O operador da máquina, Roberto Ziller, de 32 anos, de pronto toma seu assento e brinca de apostar: “Vai dar mais de 50”. Ele se referia a uma economia de mais da metade do produto. Dito e feito. Menos de meia hora depois de percorrer uma área retangular de 9,4 hectares, os aparelhos celulares viram calculadoras e cravam 56% de redução do uso do preparo de inseticida à base de água, se comparado com o sistema convencional.

A diferença de volume é gritante. Ao invés de despejar 940 litros, o equipamento soltou 440 litros no local. E, afinal, quanto custa uma maravilha dessas? “Depende do câmbio”, responde Ferraz. “Mas se paga rápido”, alega Borges. Cotado em euro, quem pagar o sistema nesses dias tirará do bolso cerca de R$ 1,3 milhão. Pode parecer muito. Mas Borges sabe do que está falando. Na safra passada, o volumede produto aplicado em sua fazenda caiu 78%.

TECNOLOGIA: Mateus Ferraz, sócio da startup Smart Sensing,ao lado do equipamento com sensor que detecta as plantas daninhas (Foto: Wenderson Araujo)

 

E pensar que essa tecnologia, chamada WEED-IT, surgiu na Holanda para livrar as calçadas de ervas indesejadas, com aplicação de água quente, pois os produtos químicos não combinam com a  legislação local. Desenvolvido na Universidade de Wageningen, tida como a melhor do planeta em ciências agrárias, o método ganhou a estrada. E espaço em imensas áreas onde se plantam muito milho e soja, em especial na Austrália e na Argentina. O método ganha força também na Europa, nos Estados Unidos e no Uruguai.

“A gente precisa sair do comum”, sentencia Borges. Não é só uma frase feita – e solta. Na prática, os 3.080 hectares de área plantada na Fazenda Nova Geração funcionam também como um gigante laboratório a céu aberto, numa busca incessante por inovação no cultivo de soja, milho, sorgo e cana-de-açúcar. O novo sistema começou a ser usado na propriedade no ano de 2017, em especial no combate a ervas invasoras em lavouras de milho e soja.

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Depois, foi testado também na dessecação da soja, uma prática de pré-colheita muito importante para que os produtores consigam antecipar a safrinha de milho. Neste caso, a economia média é de 20%. A versatilidade do método ganha mais força no Brasil em função do modelo praticado.

Em princípio, o interesse dos produtores estava concentrado na eliminação de pragas em plantações de milho e soja. Mas há também possibilidade enorme de se estender ao cultivo de algodão. Devido ao espaçamento das linhas plantadas e à quantidade de aplicações, esse método tem tudo para ser predominante, por todos os aspectos já testados nas áreas produtoras de grãos.

Um antigo adágio popular brasileiro preconiza que notícia ruim chega rápido. Mas, em Chapadão do Céu, notícia boa corre ainda mais ligeira. O desempenho da tecnologia usada por Borges chama a atenção de seus vizinhos, e vários deles querem conhecer de perto. E, sobretudo, testar o método em suas fazendas. “Temos de trabalhar para difundir o que é bom”, crava o produtor.

 

A técnica holandesa empregada na Nova Geração é dos 14 projetos incentivados pelo programa Agro 4.0, da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), que investiu R$ 4,8 milhões para fomentar, estimular e colaborar no processo de adoção e difusão de tecnologias no agronegócio.

Outro projeto selecionado é o da Fazenda ÁguaTirada, que fica em Maracaju, em Mato Grosso do Sul. A família de Gabrielle Terra Souza, de 27 anos, dona da propriedade, dedica-se à criação de gado há mais de um século. Era o tempo das comitivas, quando o olho do dono engordava o boi, como diz o ditado.

Pode até ser verdade, mas Gabrielle faz parte da quinta geração da estância e, em seu tempo, há outros olhos sobre a pecuária. Quem imaginaria uma tal de visão computacional nos anos de 1900? Pois é. Agora isso não é coisa de ficção, futurismo ou filme. Por vezes, parece. Mas não é.

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Cena mais ou menos assim virou realidade em ÁguaTirada e em outras fazendas: um boi tem um par de brincos e chega ao bebedouro, onde há uma balança digital instalada – e, em questão de segundos, peso, altura, depósito de gordura e músculo do animal já estão escaneados.

Essas informações permitem à Gabrielle definir o momento exato de mandar o bicho para o frigorífico. Ela faz parte de um seleto grupo de pecuaristas que adotou uma tecnologia da empresa @Tech, também de Piracicaba (SP). Batizada de Ponto Ótimo de Negociação, a ferramenta indica o melhor momento de vender o gado, mostrando que a pecuária, assim como a agricultura, também pode ter precisão. Porque a cadeia do agronegócio não pode prescindir mais de eficiência, produtividade e redução de custos.

GERAÇÕES: Grabrielle Terra Souza com a mãe na Fazenda Água Tirada, em Maracaju(MS) (Foto: Wenderson Araujo)

 

A Fazenda Água Tirada usa essa tecnologia desde 2018. De início, o monitoramento dos animais era feito no confinamento. Neste momento, a propriedade controla pelo sistema 1,2 mil animais a pasto. Há, claro, o componente de os preços dos grãos terem encarecido demais os custos da prática intensiva. Mas o olhar individual sobre o animal muda o cenário, explica Gabrielle, que atua como gerente de novos projetos da empresa.

Quando o projeto migrou para a pastagem, trouxe consigo um aspecto ainda mais relevante: a possibilidade de escolher com muito mais acuidade os animais com propensão para engorda numa etapa posterior de confinamento. Ou seja, os que podem trazer lucro maior. Segundo Gabrielle, isso mudou bastante a estratégia de operação e há otimismo com o avanço do uso da tecnologia, um caminho considerado sem volta no mundo do agronegócio. “Isso faz toda a diferença”, prega. Assim, quanto mais informações sobre o que se está fazendo, mais convicção se tem na hora de tomar a decisão.

"Quanto mais informações sobre o que se está fazendo, mais convicção se tem na hora de tomar a decisão"

GABRIELLE TERRA SOUZA, gerente de novos projetos da Fazenda Água Tirada

Tiago Albertini,CEO da @Tech, afirma que uma decisão que poderia levar 100 dias para ser tomada agora pode acontecer numa escala diária. Afinal, o produtor pode ver, em tempo real, qual animal da fazenda está dando lucro ou prejuízo. “Você só consegue saber isso, de maneira a otimizar a lucratividade do sistema todo, quando passa a ter esse olhar sobre o animal, que fica conectado 24 horas por dia, sete dias por semana.”

De acordo com ele, o sistema funciona graças ao cruzamento de três fontes de dados: inteligência de algoritmo (desempenho animal, econômico e ambiental do confinamento); inteligência de mercado (informações captadas junto à cadeia produtiva); e inteligência artificial (visão computacional a partir de câmeras, balanças e sensores que monitoram o escore de condição corporal).

Tem hora que parece história de pescador, mas é verdade. Roberto Ziller, de 32 anos, na Fazenda Nova Geração. Incomodado com a sujeira das botinas de seus pares, ele assegura que a cada dia os algoritmos aprendem sobre o crescimento fisiológico dos animais por meio da avaliação de peso e imagem. A isso são juntados os dados de mercado, custo e manejo. A inteligência artificial atua graças a essas informações coletadas ao longo do tempo, indicando, por exemplo, o momento certo de mandar o animal para o abate. É uma ferramenta de pecuária de precisão lucrativa, explica.

OPERADOR: O paranaense Roberto Ziller, que trabalha na Fazenda Nova Geração, está em Chapadão do Céu desde setembro de 2010 (Foto: Wenderson Araujo)

 

Essa tecnologia se juntou a um aplicativo para negociação entre a fazenda e os frigoríficos, que atende pelo nome de Beef Trader. O software calcula a curva de lucratividade de cada animal com base nas informações coletadas de forma individual e cruza as do mercado. Também sugere ao pecuarista quais frigoríficos pagam melhor naquele momento exato. Segundo Albertini, CEO da @Tech, há resultados financeiros diretos e um ótimo custo-benefício para a propriedade. Ele calcula que, em média, o aumento no lucro do produtor, por animal, é de R$ 90. Na ponta do lápis, ou melhor, do dedo no aplicativo, isso representa acréscimo de até 30% na margem de lucro.

O investimento compensa. A tecnologia tem se pagado em cinco meses de monitoramento, acrescenta Albertini. Ainda nesse cenário, para cada R$ 1 investido na tecnologia, o Beef Trader devolve R$ 2,20 para o pecuarista quando os animais são comercializados no ponto marcado pela plataforma.

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Albertini reforça os motivos da maior lucratividade. O aplicativo eleva o lucro pelos métodos de otimização da plataforma. Ao fazer isso, há uma melhoria de 12% no padrão da carcaça, o que é ótimo para produtor e indústria. Melhora-se a conversão alimentar em 22% e reduz-se a emissão de poluentes, dejetos e ingestão de água por arroba produzida em até 25%.

Para ele, o desafio da tecnologia é grande porque é preciso trazer ganhos para toda a cadeia. De um lado, está o consumidor cada vez mais exigente, querendo saber mais sobre o que consome. De outro, o produtor, que precisa ter mais informações de mercado para fazer o trading do animal em um melhor momento. E, no meio, a indústria, que precisa conhecer melhor o que compra.

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Source: Rural

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