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A derrota sofrida no domingo (14/11) pelo governo de Alberto Fernández nas eleições legislativas da Argentina não deve alterar a tensão da administração federal com o setor agropecuário do país. O resultado tirou do peronismo o controle do Senado e a capacidade de definir a agenda do país sem depender de negociações com a oposição. 

Com uma economia ainda desequilibrada e uma diferença elevada entre a cotação oficial e a paralela do dólar, a configuração do Congresso que sai das urnas pouco muda o cenário para o agro argentino. Mesmo com o avanço da oposição, avalia o consultor Salvador Di Stefano. 

“A única notícia boa da vitória da oposição é que seus líderes já declararam que não têm a intenção de aumentar nenhum imposto. Então, temos a expectativa de que não aumentem mais as retenções do trigo e milho”, afirma à Globo Rural, em referência aos tribunos cobrado nas exportações de commodities agrícolas. No entanto, ele descarta a possibilidade do avanço da oposição causar uma redução do controle governista sobre vendas externas de carne bovina, trigo e milho. “Estas eleições não mudam nada para o campo”, observa.

Lavoura de trigo na Argentina. Mercado passa por intervenção nas exportações e vive polêmica relacionada a variedade transgênica do cereal (Foto: Reuters)

 

As medidas heterodoxas que mais assustam os produtores são os controles das exportações que já afetam a carne bovina, o trigo e o milho. O Brasil compete com a Argentina em mercados como milho e soja, mas depende da importação de trigo.

As vendas de trigo da Argentina sofrem restrições desde 15 de outubro, quando o governo decidiu fechar o cadastro de exportação do cereal do ciclo 2021/2022, com o objetivo de "acertar" os preços internos. A intervenção é informal, pois não existe lei ou regulamento que ordene o encerramento temporário do cadastro. E o fato de a medida ter sido implementada antes do início da safra não é um sinal promissor. O país projeta uma produção de 20 milhões de toneladas, das quais 14 milhões têm como destino o mercado externo.  

O mercado do cereal também vive uma polêmica, depois que a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) do Brasil decidiu aprovar, no último dia 11, a importação de farinha de trigo transgênico desenvolvido na Argentina. A decisão trouxe um temor de perda de mercado para o trigo argentino, de acordo com o presidente da comissão de grãos da Sociedade Rural da Argentina (SRA), Santiago Del Solar, em entrevista à Globo Rural.

Urnas refletiram tensão

O resultado das eleições refletiu o momento tenso do campo com o governo Fernández. Em quase todas as províncias produtoras, a oposição teve maior preferência dos eleitores. Em Santa Fe, por exemplo, que abriga o maior complexo agroexportador do país, a coalizão de centro-direita Juntos por el Cambio (JC) ganhou com 40,23% ante 31,30% da aliança oficial Frente de Todos (FdT). Em Entre Ríos, a vitória opositora foi por 54,52% ante 31,64%.

Alberto Fernández, presidente da Argentina. Coalizão governista sofreu derrota nas eleições legislativas e viu oposição avançar no Congresso. Para o agronegócio do país, pouco deve mudar, de acordo com consultores (Foto: Gabriel Bouys/Pool via REUTERS)

Em Corrientes, reduto de pecuária, a oposição ficou com 58,91% e o governo com 36,5%. Em San Luis, a oposição ganhou com 46% e em Mendoza (o terceiro colégio eleitoral do país) obteve 49%.Em Córdoba, o segundo maior colégio eleitoral da Argentina, depois da Província de Buenos Aires, a oposição obteve 54,04% contra 25% da aliança governista. Em Santa Cruz, terra do ex-presidente Néstor Kirchner, a oposição ganhou 35,02% contra 27,55%.

No último domingo (14/11), os eleitores argentinos votaram para renovar metade da Câmara de Deputados (127 de 257 cadeiras) e um terço do Senado (24 de 72 cadeiras).  No geral, a coalizão pró-governo Frente de Todos perdeu o controle do Senado, de uma maioria de 41 para 35. A bancada da Câmara dos Deputados vai encolher ligeiramente de 120 para 118  assentos.

Em todo o país, para a Câmara dos Deputados, a oposição obteve 41,97% do total de votos (contra 41,5% nas primárias) e a coalizão governamental 33,57% (contra 32,4% nas primárias). Em comparação com as primárias, a taxa de participação aumentou aproximadamente 5 pontos para 66,2%, o que beneficiou o governo em 1,14%, enquanto que a oposição melhorou sua posição em 0,44%.

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Na Capital Federal (Ciudad de Buenos Aires), reduto antiperonista, Juntos por el Cambio ganhou por mais de 20 pontos, com 47,01% dos votos para a ex-governadora María Eugenia Vidal e 25,10% para Leandro Santoro. Enquanto que na trincheira kirchnerista da província de Buenos Aires, a disputa foi um pouco mais apertada com a vitória de Diego Santilli (Juntos por el Cambio) por 39,81% dos votos ante 38,53% de Victoria Tolosa Paz (Frente de Todos).

“De modo geral, o governo ficou distante  de seus três objetivos principais para o semestre: vencer na Província de Buenos Aires (PBA), obter maioria simples na Câmara dos Deputados e manter a maioria no Senado”, resume o analista Alberto Ramos, do Goldman Sachs. Ele acredita que o governo de Alberto Fernández e Cristina Kirchner poderia enfraquecer ainda mais e a dissidência interna entre ambos poderiam crescer.

Nos dois meses que antecederam às eleições, o governo aumentou o gasto fiscal com subsídios familiares, impôs acordos aos empresários para congelar preços e inibiu as exportações. As populistas provocaram desgaste junto à opinião pública, porque não Fernández não conseguiu frear a inflação, na casa de 50% anual, nem equilibrar a economia.

"O fraco desempenho eleitoral também pode enfraquecer ainda mais o presidente Alberto Fernández e o ministro de Economia, Martín Guzmán, em relação à vice-presidente, que é mais heterodoxa em termos de políticas”, observa Ramos.

Alta volatilidade

Para o analista, esse cenário aumenta o risco de uma política mais intervencionista que poderia complicar ainda mais a já difícil negociação de um programa do Fundo Monetário Internacional (FMI) para reformular pesadas amortizações nos próximos anos. “Perder o controle do Congresso implica que o governo teria de negociar com uma oposição mais forte e reenergizada, o que poderia levar a um processo de formulação de políticas ruidoso e volátil”, afirma.

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No mercado, as expectativas são de alta volatilidade macro e financeira e de uma grande desvalorização da moeda no curto prazo. Analistas comentam que há riscos de uma agenda travada no Congresso, já que o governo no contará com maiorias nem no Senado nem na Câmara dos Deputados, e terá que negociar. “Negociar não é o forte deste governo”, comenta um operador que prefere não se identificar.

Agentes do mercado acreditam que o governo continuará a focar no consumo e não no investimento, mantendo o problema com a falta de geração de empregos e de crescimento da economia. Operadores e analistas pedem a saída de Guzmán, por considerá-lo enfraquecido demais; e uma mudança no comando do Banco Central para controlar a emissão e preservar reservas internacionais, hoje em US$ 42,6 bilhões.
Source: Rural

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