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Os cavalos possuem características que inibem manifestação de sintomas de dor. Se, na natureza, pode ser uma vantagem para evitar predadores, em ambientes com animais domesticados, pode ser uma dificuldade para veterinários e cuidadores, por impedir um pleno conhecimento sobre o bem-estar do animal. 

Pensando nisso, pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) desenvolveram um sistema computadorizado para detectar, por meio de imagens, sinais de dor em cavalos através das expressões dos animais. Dados dos testes iniciais foram publicados no periódico internacional Plos One. O artigo descreve o desenvolvimento do sistema, procedimentos médicos, processo de captura das imagens e resultado.

A partir da observação da posição de orelhas, olhos, músculos faciais, boca e narinas dos equinos, especialistas conseguem identificar a presença e a intensidade da dor nesses animais (Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal)

 

A iniciativa é multidisciplinar e mobiliza três departamentos da USP: Medicina Veterinária Preventiva e Saúde Animal – VPS; Cirurgia – VCI; e Engenharia de Biossistemas – ZEB. Coordenador do estudo, Adroaldo José Zanella explica que o trabalho tem duas frentes: o estado mental e físico do animal e o processamento de dados.

Ele explica que, há anos, existem estudos para investigar a manifestação dos sentimentos animais. Não apenas a dor, mas também prazer ou tristeza. Mas a "expressão de dor é parte importante do processo evolutivo. Indivíduos com problemas nos seus receptores acabam morrendo cedo. Uma experiência de dor é transformadora, ela toca em partes do cérebro que modulam e mudam comportamentos”. 

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Identificar essas características, portanto, é importante para o bem-estar dos animais. O trabalho desenvolvido pelos pesquisadores da USP usou como referência uma escala de observação de expressões faciais de cavalos. Desenvolvida em 2014 pelo projeto Animal Welfare Indicators – com a colaboração de Zanella e financiamento da União Europeia – a escala indicou como posição de orelhas, olhos, músculos faciais, boca e narinas denunciam a intensidade da dor nos animais.

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Rodrigo Romero Corrêa, professor de Cirurgia Veterinária e que também integra a equipe de pesquisa, explica que os veterinários são capazes de deduzir quando os animais sentem dor e, assim, realizar os tratamentos e procedimentos necessários. “Eu, por exemplo, passo todos os dias na internação às 7h da manhã. Por que às 7h? Porque, nesse horário, os cavalos ainda não foram medicados. Eu examino cada um, olho fichas de acompanhamento e, de forma empírica, consigo determinar o que está acontecendo”. 

Mas o benefício de um sistema com o esse é viabilizar o reconhecimento dessas expressões de forma automática e ininterrupta, mesmo sem a presença do médico veterinário, diz o especialista.

Isso acontece porque o sistema adota o chamado deep-learning. Rafael Vieira de Souza, professor de Engenharia de Biossistemas, que também integra a pesquisa, explica que o deep-learning é um avanço recente da inteligência artificial. Além de programar uma máquina para uma função específica, é estabelecida uma rede de conexões com aplrimoramento constante e automático. “A ideia é instruir o algoritmo como se fosse uma criança”, diz.

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De acordo com o pesquisador, ao ser alimentado com mais imagens e vídeos, o computador consegue expandir a sua capacidade de reconhecimento de algumas características e, a partir disso, identificar esses elementos em variadas formas e contextos. “Se eu mostrar uma imagem de uma banana, a criança vai entender o que é aquilo, mas talvez não consiga a reconhecer sempre, pois essas frutas existem em diferentes formas, tamanhos, cores e, até, contextos (como, por exemplo, uma pessoa segurando uma banana). O algoritmo também funciona assim, quanto mais eu nutrí-lo de informações, mais ele aprende”, exemplifica.

No caso dos cavalos, o deep-learning foi utilizado de forma que as diferenças nas pelagens, tamanhos e raças testadas não impossibilitassem o reconhecimento dos animais, e, consequentemente, fosse possível identificar a dor pelas mudanças nas expressões. O experimento da USP foi feito com sete animais, observados em campo aberto através de câmeras, dois dias antes e quatro dias depois de serem castrados.

Na imagem, é possível verificar a presença das câmeras instaladas para a observação das expressões nos cavalos (Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal)

 

 

Foram capturadas 180 mil imagens. Dessas, 3 mil fotos permitiam a avaliação das expressões faciais dos animais e fram selecionadas. Esse material foi apresentado ao sistema e analisado manualmente. Assim, ao mesmo tempo, o sistema informatizado foi alimentado (tendo como base a tecnologia de deep-learning) e os especialistas fizeram a avaliação do comportamento dos animais a partir das escalas de dor já existentes.

Comparando as duas análises, foi possível atestar o grau de acerto dos algoritmos. Segundo os pesquisadores, a precisão dos testes foi de 75,8% quando avaliados em três níveis de dor (ausente, moderada e presente) e de 88,3% quando são considerados apenas dois níveis (ausente ou presente).

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Os responsáveis pela pesquisa avaliam os resultados como promissores. “Aplicar essa avalição de maneira objetiva e, com um sistema automatizado, conseguir implementar isso na rotina – uma vez que é há uma dificuldade, em hospitais ou centros hípicos, de uma pessoa, veterinária ou cuidadora, ter a disponibilidade de avaliar esse animal muitas vezes ao dia”, afirma Gabriel Carreira Lencioni estudante de Veterinária que integra a equipe.

Para Lencioni, o sistema pode possibilitar a prevenção de doenças, verificar a eficiência de tratamentos e atuar como ferramenta de ensino, trazendo mudanças na prática da Medicina Veterinária. Segundo ele, será possível “tornar mais objetiva a avaliação, minimizar os erros nas observações, servir como ferramenta de ensino para os estudantes e, até, atuar como um alarme ou sinalização para os proprietários, que têm maior dificuldade para perceber os sinais de dor, mas cuja identificação pode servir tanto para prevenir doenças quanto avaliar desempenho nos esportes”.

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Também otimista em relação à aplicação prática do sistema, Rodrigo Corrêa afirma que já foi procurado por clínicos e cuidadores de equinos interessados no sistema. Ele pontua que “deixar alguém não qualificado na área médica conseguir identificar a dor é o maior benefício que se pode deixar. Mesmo que a pessoa não consiga verificar a origem da dor ou não a trate – que não é o objetivo dos leigos -, notificar que existe uma repetição de sintomas já faz valer o nosso trabalho”.

O objetivo agora é aprimorar o algoritmo. De acordo com os pesquisadores, os próximos passos da pesquisa envolvem a busca de recursos financeiros, parcerias com grupos internacionais e a intensificação de coleta de imagens. “A gente gostaria que a USP tivesse o primeiro banco de dados global. Já temos bolsistas do Programa Unificado de Bolsas (PUB) coletando e classificando novas imagens para consolidarmos as informações", diz Zanella.

*edição, Raphael Salomão

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Source: Rural

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