Skip to main content

A decisão da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) , tomada na última quinta-feira (11/11), de liberar o uso no Brasil da farinha de trigo fabricada com grão geneticamente modificado produzido na Argentina preocupa produtores, moageiros, exportadores e armazenadores do país vizinho. O presidente da comissão de grãos da Sociedade Rural da Argentina (SRA), Santiago Del Solar, disse em entrevista à Globo Rural, que o setor teme a perda de mercado para o trigo argentino.

“Estamos muito preocupados porque a rejeição ao trigo HB4 (a variedade geneticamente modificada pela companhia Bioceres) é retumbante nos mercados onde vendemos nosso trigo, como Egito, Argélia, países asiáticos e outros”, afirmou Del Solar.

Segundo ele, “está bem que os organismos reguladores da Argentina e do Brasil aprovem o trigo transgênico, mas os produtores argentinos vendem o produto para a indústria da moagem e se consumidores não aceitarem o trigo transgênico, teremos um grande problema”, afirmou, lembrando que a produção de seu país da safra 2021/2022 é de 20 milhões de toneladas do cereal, que ao preço de hoje valeriam US$ 6 bilhões.

(Foto: REUTERS/Enrique Marcarian)

 

O governo de Alberto Fernández autorizou o cultivo de 55 mil hectares de trigo HB4 em 225 lugares diferentes. “Essa autorização foi irresponsável, porque é muito difícil controlar o cultivo de maneira a não contaminar as demais lavouras. É possível ter um ensaio controlado em poucos lugares bem contidos em poucas hectares, mas da maneira como aprovaram temos mais de 200 mil toneladas de trigo dando voltas por aí, sem sabermos por onde andam”, reclamou.

saiba mais

Indústria critica aprovação de farinha feita com trigo transgênico e avalia ir à Justiça

 

O dirigente, que também é produtor do cereal, afirmou que é impossível segregar o trigo sem um programa rigoroso de controle, que ainda não foi apresentado pelo governo e pela Bioceres. “Nosso temor é não poder exportar nosso produto, já que o mercado no mundo inteiro exige tolerância zero à OGM (pela sigla de organismos geneticamente modificados) no caso do trigo e a mescla pode ocorrer em qualquer lugar: na semeadura, colheita, transporte, armazenagem, moagem”, reconheceu Del Solar.

Segregação

Fonte oficial consultada pela Globo Rural disse que, na próxima semana, o Ministério de Agricultura vai apresentar ao setor um programa de controle para garantir a segregação total do trigo HB4 variedade OGM e evitar a contaminação de lavouras semeadas com o grão convencional. A fonte disse que o governo está trabalhando junto com a Bioceres uma série de variáveis para evitar esse cenário.

Apesar da aprovação brasileira à farinha de trigo produzida a partir do cereal modificado, a Argentina não conta ainda com nenhuma lei que permita a exportação deste produto, já que falta regulamentar detalhes da produção da farinha. “Acredito que a notícia como foi dada foi mais uma operação de marketing da Bioceres porque o Brasil não autorizou a importação do grão e a Argentina não tem ainda nada escrito que autoriza a exportação nem do grão, nem da farinha de trigo”, disse Del Solar.

saiba mais

Entre o pãozinho e a ração. Concorrência pelo trigo fica mais acirrada no mercado brasileiro

 

O dirigente ruralista destacou ainda que a atual resolução argentina somente permite comercializar o produto local uma vez que o Brasil aprovar a importação deste grão. “A aprovação brasileira de certa forma protege o produtor argentino e o brasileiro, porque o grão pode germinar em destino, já a farinha não. E, isso evita contaminação”, analisou.

Del Solar comentou que, no governo passado, de Mauricio Macri (2015-2019), a companhia de sementes tentou aprovar a comercialização desta variedade e obteve o aval das duas primeiras instâncias junto ao Serviço Nacional de Sanidade e Qualidade Agroalimentar (SENASA) e à Comissão Nacional Assessora de Biotecnologia Agropecuária (CONABIA), ambos equivalentes à Agência nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e à Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), mas foi freada quando chegou à presidência da Comissão de Mercados do Ministério de Agricultura, cargo  que ele ocupava naquela ocasião. “Rejeitamos o pedido naquele momento porque pensamos, como agora, que é arriscado. Conhecemos nosso mercado e nosso produto e sabemos o que vendemos”, disse Del Solar.

Ele ressaltou que as perdas estimadas em caso de uma contaminação do trigo serão absorvidas pelo produtor, assim como o controle/teste para mostrar que nosso trigo não está contaminado [o teste é oneroso]. “Também seria prejudicial para o Brasil em caso de aprovar o grão porque pode contaminar a produção brasileira”, disse ele. “Eu não acredito que o Brasil chegará a aprovar a importação do grão OGM e acho que o anúncio que fizeram, de que essa variedade foi aprovada no Brasil, foi só uma forma da Bioceres chamar a atenção do público”, alfinetou.

saiba mais

Micotoxinas no trigo: boas práticas podem evitar contaminação e riscos à saúde humana e animal

 

Del Solar reiterou que a indústria local não está autorizada a fazer a moagem deste grão e a cadeia inteira está unida nesta posição de não avançar enquanto o governo não mostrar como vai fazer junto com a Bioceres a contenção e isolamento do HB4 do resto das lavouras.

“Os silos, moageiros, as quatro entidades representativas dos produtores e exportadores estamos todos juntos dizendo não ao trigo OGM porque vamos ter problemas. Toda a cadeia diz não. A Sociedade Rural Argentina está preocupada, porque não sabemos como vai desagregar e vamos ter problemas. O risco de contaminar é enorme”, concluiu.

A Argentina é o principal fornecedor externo do trigo para o Brasil. O governo argentino autorizou a produção da variedade desenvolvida pela Bioceres no ano passado. A empresa só poderia comercializá-la depois da aprovação pelo Brasil. Das cerca de 20 milhões de toneladas produzidas, 14 milhões são destinadas às exportações a outros países, que só compram trigo convencional.
Source: Rural

Leave a Reply