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O risco da incorporadora chinesa Evergrade dar um calote de mais de US$ 300 bilhões chacoalhou o mercado financeiro internacional e acendeu um alerta no radar do agronegócio brasileiro. Pelo tamanho do problema, dizem os especialistas, será preciso acompanhar de perto os desdobramentos da turbulência econômica na China, nosso maior parceiro comercial, de olho nos efeitos sobre a renda dos chineses e sobre a demanda por grãos, algodão e carnes. 

Construção civil representa 30% do PIB chinês (Foto: REUTERS/Aly Song)

 

O receio é proporcional à escala que o problema pode tomar, posto que a dívida da Evergrande põe em xeque a saúde do setor de construção na China, que responde por 30% do PIB do país. O calote teria potencial para afetar os balanços de 128 bancos chineses e de outras 121 empresas. Com uma carteira de mais de 1,2 mil projetos, em 280 cidades, o grupo atua ainda nos setores de alimentos, bebidas e automotivo, com a produção de carros elétricos. No auge, em 2017, seu fundador, Xu Jiayin, era o homem mais rico da Ásia, com uma fortuna de US$ 45 bilhões, segundo cálculo da Forbes, bolada que teria caído para US$ 10 bilhões.

Diante da crise de confiança, as ações das empresas chinesas ligadas à construção civil também caíram nas bolsas de valores, assim como as dos principais bancos estatais, por causa da exposição aos riscos decorrentes de um eventual calote bilionário. E toda essa conjuntura negativa poderá causar dificuldades ao agro brasileiro, para quem a China representa 35% das exportações, comum volume anual de compras de mais de US$ 100 bilhões.

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O maior receio dos analistas é que o caso da incorporadora, dona do maior time de futebol da China, o Guangzhou Evergrande FC, seja o sintoma de problemas mais graves. “O problema não é a Evergrande, o problema é o setor inteiro. Porque isso causa uma desconfiança do mercado em relação aos ativos imobiliários, fazendo com que os preços caiam”, observa Roberto Dumas, professor de economia do Insper.

Dumas discorda, contudo, daqueles que aproximam o caso da Evergrande como do norte-americano Lehman Brothers. E isso devido a algumas características do sistema financeiro chinês, que reduziriam o risco de contágio internacional, ao contrário do que aconteceu em 2008 nos EUA. “A conta de capitais da China é praticamente fechada. Os chineses não podem tirar o dinheiro do país”, diz o economista.

Para Gustavo Arruda, economista-chefe do BNP Paribas: "O agronegócio brasileiro pode seguir contando com a China como um fator positivo para a dinâmica do setor. A demanda vai continuar muito forte" (Foto: O Globo)

 

Já o tamanho do tranco para o agronegócio brasileiro, na avaliação de Dumas, ainda está em aberto. Dependerá de como o governo chinês vai lidar com o momento econômico adverso, que tem sido acompanhado da revisão para baixo da expectativa de crescimento do PIB chinês. 

"A primeira coisa que as empresas do agronegócio têm de verificar é de que forma o que está acontecendo com a Evergrande vai impactar a população chinesa. O governo chinês tem feito de tudo para que continue o ‘business as usual’, minimizando a perda de dinheiro da população, até porque isso é uma maneira de evitar tensões sociais”, considera Dumas.

No curto prazo, ressalta Gilherme Bellotti, do Banco Itaú, a crise da Evergrande tende a trazer maior volatilidade às cotações das commodities agrícolas, devido à movimentação de grandes investidores internacionais. “Já no longo prazo, se isso de fato tirar crescimento da economia chinesa de maneira mais significativa, poderia acabar impactando a demanda por produtos alimentícios”, avalia o economista.

"A primeira coisa que as empresas do agronegócio têm de verificar é de que forma o que está acontecendo vai impactar a população chinesa.

ROBERTO DUMAS, professor de economia do Insper

 

 

Caso a desaceleração mais forte se confirme, com uma retração acentuada da demanda chinesa, os itens do agro brasileiro mais sensíveis às flutuações da renda real dos chineses são o algodão e as proteínas animais, destaca Bellotti, para quem as variáveis econômicas mais importantes para o comércio bilateral seguem, em geral, positivas para o Brasil.

Além do tamanho da dívida, o mercado também se assustou devido aos pontos em comum com a quebra do Lehman, que foi o estopim de uma crise que rapidamente se espalhou pelo mundo. Nas duas situações, o setor imobiliário aparece como pano de fundo problemático, como chama a atenção a economista e assessora financeira Claudine Saldanha, para quem o caso chinês poderá ser “muito mais grave”. “Se considerarmos a diferença do poder aquisitivo das pessoas, o tamanho da bolha (na China) é maior. E, no momento que houver uma restrição financeira para um monte de gente, eles vão ter de reduzir o consumo”, estima Saldanha.

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Parece consenso entre os analistas, de todo modo, que a crise do setor de construção, que representa quase um terço do PIB chinês, deve ter reflexos no crescimento do gigante asiático como um todo. De modo geral, a expectativa dos analistas é que o crescimento caia cerca de 1 ponto percentual, para algo próximo de 5,5% anuais, nos próximos anos.

Na dúvida, convém prestar atenção aos desdobramentos do caso Evergrande. “É bom acompanhar, trata-se de um grande ponto de tensão, mais um ponto de risco no radar. Em que pese o fato de o setor ter se mostrado mais resiliente a crises, já que grande parte dos produtos atrelados ao agro é menos elástica à renda”, diz Bellotti.

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Na avaliação do analista José Carlos Hausknecht, sócio da MB Agro Consultoria, a crise da Evergrande estoura em um momento particularmente delicado para o comércio do Brasil com a China. Do lado da oferta de insumos parao agro, a China tem tido dificuldades em fornecer defensivos. Na ponta do consumo, ao restabelecer a produção de suínos, sua maior fonte de proteína animal, tende a reduzir a demanda por carnes bovinas, ainda que aumente a procura por grãos para alimentar seus rebanhos.

“Precisamos acompanhar o que acontece com a China. Ela já passa pelo rebalanceamento da indústria de carnes, com a recuperação dos suínos. Mas estamos vendo problemas econômicos sérios, como esse caso da Evergrande, além das dificuldades que o Brasil enfrenta para retomar as exportações de carne bovina”, diz Hausknecht, para quem o cenário de crise econômica na China torna ainda mais urgente a necessidade de uma diplomacia positiva com o maior parceiro comercial do Brasil.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Segundo Sérgio Quadros, professor da Unisinos, que viveu de 2008 a 2016 em Xangai, onde foi responsável por abrir uma representação do Banco do Brasil, o caso isolado da Evergrande não chega a preocupar. “A dívida total da incorporadora representa apenas 0,15% do total de ativos bancários chineses. A crise da Evergrande resultou de uma política oficial de regulação, criada pelo governo para reduzir o grau de alavancagem do setor da construção. E, pelo visto, está dando certo, tanto que o preço dos imóveis já começou a cair, como desejava o governo. E aparentemente sem repercussão grave para os países emergentes”, avalia Quadros.

Economista-chefe do BNP Paribas, Gustavo Arruda considera que a China tem deixado clara sua disposição de desinflar as bolhas financeiras, de modo a evitar o superaquecimento de alguns setores importantes da economia. Foi o que aconteceu no caso das regras criadas para reduzir o endividamento do setor da construção civil, medida que expôs o caso da Evergrande.

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Agora seria o momento de o governo da China mudar o rumo e recalibrar suas intervenções, de modo a evitar que o ritmo caia além do desejado. “A expectativa é que o governo chinês anuncie medidas para evitar que a desaceleração seja muito grande”, diz Arruda. “No momento, o governo chinês já está anunciando que o ritmo de 5% de crescimento parece ser sustentável. Foi o que decidiu fazer com a construção, que estava muito acelerada. Mas agora, ao desacelerar, vão no ritmo chinês, ou seja, aos poucos, para não deixar a economia esfriar demais.”

Segundo Arruda, por ora, o agronegócio brasileiro pode seguir contando com a China como um fator positivo para a dinâmica do setor. “A demanda chinesa pelos grãos vai continuar muito forte. Uma das coisas que se viu na recomposição dos suínos foi que aumentou o grau de industrialização, agora a produção é menos familiar. Se isso é verdade, a demanda por grãos tende a aumentar”, avalia. “Apesar dos altos e baixos, sou otimista em relação a esse processo, que para o Brasil é muito positivo."

Analistas explicam que a crise da Evergrande resulta da disposição do governo chinês de desinflar as bolhas financeiras (Foto: Reprodução/Fotoarena)

 

 

A nova velocidade de cruzeiro da China também deverá afetar o ritmo de crescimento das exportações agrícolas brasileiras, avalia o economista do BNP Paribas. No entanto, isso não significa dizer que a demanda cairá, apenas que crescerá em um ritmo inferior.

“O governo chinês deve anunciar mais liquidez e tende a pressionar o sistema bancário para ampliar o crédito na economia. Isso gera um limite, um piso para o ritmo de crescimento da economia chinesa, que não vai para zero nunca”, diz Arruda. “E, no caso do agro, a demanda vai continuar existindo, mesmo pelas carnes bovinas. O Brasil criou vários canais para exportar, e essas vendas vão continuar acontecendo nos próximos anos.”

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Source: Rural

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