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O último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU foi taxativo. A temperatura do planeta já subiu 1,2 °C e a previsão é de um novo aumento de pelo menos 1,5 °C nos próximos 20 anos. Isso se não houver uma redução drástica nas emissões de gases de efeito estufa (GEE). Esse alerta acende a luz amarela para várias culturas agrícolas que podem enfrentar sérios problemas – e até se tornarem inviáveis – caso o prognóstico se confirme. Uma delas é o café.

Erva-baleeira: o arbusto, que tem rápido crescimento vegetativo, é chamariz de vespas e crisopídeos, insetos predadores das pragas do cafeeiro (Foto: André Berlinck)

 

Segundo uma modelagem para simular cenários futuros feita pela pesquisadora e engenheira agrônoma Juliana Jaramillo, a cada 1 °C de aumento de temperatura, o crescimento populacional da broca-do-café (praga encontrada em todas as regiões cafeeiras do mundo) teria um salto médio de 8,5%, o que causaria um estrago enorme. Se o incremento da temperatura for superior a 4 °C, muitas regiões de café, como o Sul de Minas e a Alta Mogiana Paulista, podem tornar-se inaptas, obrigando os cafezais a subir o morro, para áreas de clima mais ameno, o que poderia pressionar o desmatamento.

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Esse cenário tem levado cientistas a mergulhar em estudos sobre práticas que ajudam a mitigar o aquecimento global. Uma delas é o controle biológico conservativo (CBC), uma alternativa ao controle biológico convencional que consiste na soltura de macrobiológicos (insetos) ou a utilização de microbiológicos (fungos, bactérias e vírus, que funcionam como biopesticidas) para o controle de pragase doenças. O manejo biológico conservativo consiste na utilização de técnicas que visam aumentar a população de inimigos naturais já existentes na lavoura.

“Isso pode ser feito por meio de algumas práticas de diversificação de cultivo, tais como a agrofloresta, o policultivo e o manejo de plantas espontâneas”, explica Madelaine Venzon, entomologista e pesquisadora, referência em CBC no Brasil e coordenadora do Programa de Agroecologia da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig).

“Mas não basta simplesmente diversificar. Há todo um estudo por trás,de quais plantas podem ser usadas. Isso porque elas não podem hospedar as pragas que atacam a cultura principal. Devem fornecer alimento só para os inimigos naturais e ser de fácil trato agronômico”, diz a pesquisadora.

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A busca do equilíbrio do ecossistema é a chave do CBC. A prova disso é a história de Jésus Euzébio Lopes, de 44 anos, cafeicultor em Araponga, na Zona da Mata mineira. Há 20 anos, ele começou a plantar café no sistema agroflorestal orgânico, incentivado por um projeto da Universidade Federal de Viçosa (UFV), do Centro de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata e da Epamig.

“Meu cafezal é consorciado com árvores frutíferas, como banana, laranja, jatobá, abacate, ingá, mexerica, goiaba, acerola e cedro-australiano”, diz Lopes. São espécies de tamanhos diferentes, que sombream (proporcionando um microclima ideal para o desenvolvimento do cafeeiro) e geram alimento e renda extra na venda de frutos e da madeira.

"O controle biológico conservativo tem esse efeito positivo de amenizar a temperatura, o que ajuda outros mecanismos de controle de pragas e doenças"

MADELAINE VENZON, pesquisadora da Epamig

 

 

 

E os benefícios vão além. Pesquisas lideradas pela Epamig, em parceria com a UFV, comprovaram que o consórcio do café com o ingá ajuda a proteger a planta contra as duas principais pragas da cultura: a broca, inseto que ataca o fruto e causa que dana produção e na qualidade, e o bicho-mineiro, lagarta que provoca a desfolha do pé de café. Isso porque o ingá tem nectários extraflorais (estruturas secretoras de néctar encontradas fora das flores) que atraem os inimigos naturais dessas pragas. A espécie também ajuda a fixar nitrogênio no solo. Os estudos realizados até agora indicam que o ideal é plantar os ingás num raio de 20 metros do cafezal.

Recomenda-se que o produtor planeje o plantio de árvores antes da implantação da lavoura. Em regiões de cafeicultura não mecanizada, é possível plantar entre as ruas dos cafezais, mas, em locais como o Cerrado Mineiro, é aconselhado fazer bosques ou faixas, para não atrapalhar os maquinários. “Agora, se o cafezal já está implantado, o produtor vai ter de adaptar. Plantar árvores como cercas-vivas e em corredores”, diz Madelaine.

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A finalidade do CBC é aumentar os inimigos naturais que já existem no sistema, porém, numa população baixa. Isso é possível como plantio de árvores e arbustos, além do manejo do mato espontâneo e da semeadura de forrageiras. No cafezal, o trigo-mourisco e a crotalária são as mais recomendadas. O primeiro atrai o crisopídeo, inimigo natural da broca-do-cafée do bicho-mineiro; e o segundo é chamariz de vespas que predam o bicho-mineiro.

E há outros benefícios indiretos: as forrageiras mantêm a temperatura do solo mais baixa e atraem abelhas, que ajudam na polinização. “O controle biológico conservativo tem esse efeito positivo de amenizar a temperatura, o que ajuda outros mecanismos de controle [de pragas e doenças],  como a utilização de fungos Beauveria sp., que precisam de temperatura e umidade adequadas para atuar [como pesticida]”, explica Madelaine.

 

Madelaine Venzon, pesquisadora da Epamig (Foto: Reprodução/Rodrigo Carvalho)

 

No caso de Lopes, ele planta feijão-guandu, amendoim forrageiro e lab-lab nas entrelinhas do cafezal. Essas leguminosas ajudama fixar nitrogênio, são ótimas coberturas de solo e funcionam como adubo verde, ou seja, quando roçadas, os nutrientes da parte área da planta retornam para o solo. “Também faço o manejo de plantas espontâneas, roçoo mato, mas evito deixar o solo exposto”, diz Lopes.

“Eu me esforço ao máximo para controlar o sistema, porque, quando está equilibrado, não há infestação de pragas”, acrescenta o agricultor, que tem 6 hectares de cafezais e produtividade média entre 45 e 50 sacas por hectare – bem acima da média nacional, de 32 sacas por hectare.

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Pesquisas preliminares também apontam a erva-baleeira como um arbusto promissor para ser plantado nos cafés agroflorestais. “Embora ela não tenha nectário extrafloral, está sempre com flor ou fruto, sempre tem alimento para o inimigo natural e não atrai nenhuma praga que ataque o café”, explica a pesquisadora.

Na busca por uma matéria-prima cada dia mais sustentável, a Nespresso em breve deve assinar uma parceria técnica com a Epamig. A marca premium de café da Nestlé quer auxiliar seus fornecedores na transição para uma cafeicultura regenerativa, que cuida do solo, da água, da biodiversidade e sequestra carbono.

“Um dos pilares para isso são as soluções baseadas na natureza, e aí entra o controle biológico conservativo da pesquisadora Madelaine”, diz Guilherme Amado, líder do Programa Nespresso AAA de Qualidade Sustentável.

O objetivo da parceria é implantar projetos piloto em fazendas no Cerrado Mineiro para lapidar os modelos e extrair os indicadores de como o CBC ajuda na conservação do solo, da biodiversidade, na retenção de água, no sequestro de carbono e qual a lucratividade proporcionada. “Queremos consolidar esses cases para fazer a difusão”, diz Amado. Lembrando que a Nestlé comunicou que vai zerar as emissões de GEE até 2050.

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A Epamig também acaba de fechar um acordo de cooperação técnica com a Associação Mineira dos Produtores de Algodão (Amipa). A finalidade é utilizar o CBC para manter e aumentar a populaçãode predadores das pragas do algodão liberados na lavoura. “Como controle biológico conservativo, queremos criar hábitats para que esses inimigos naturais permaneçam nas plantações”, diz Lício Augusto Pena de Saire, diretor executivo da Amipa.

“Temos uma visão holística, olhamos a propriedade do associado como um todo, porque a praga de uma cultura migra para a outra. Trabalhamos e monitoramos todas as culturas, a fim de saber como está a população de pragas e fazer um manejo mais assertivo”, explica Saire.

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Vale lembrar que a lavoura do algodão é uma das mais intensivas no uso de defensivos agrícolas. Mas, desde que os produtores da Amipa começaram a soltar inimigos naturais nas lavouras, eles vêm reduzindo a quantidade de químicos em todas as culturas.

Na safra 2019/2020, deixaram de usar 127 millitros de pesticidas, o que provocou um efeito cascata: uma redução de 10.500 litros de diesel, por causa dos maquinários que deixaram de entrar na lavoura para fazer a aplicação dos produtos. E, se levarmos em consideração as últimas três safras, também houve uma redução de 73 toneladas de plásticos (provenientes de embalagens de agroquímicos).

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Source: Rural

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