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A primeira lição ensinada pelos jovens estudantes da zona rural, em Quixadá, no Ceará, é que a seca não é um problema, mas uma condição. Eles não se referem ao pouco acesso à água como um limitante, mas dizem entender que faz parte da natureza no local onde habitam. Exatamente por isso, a relação com o recurso precisa ser amigável.

Dos 13 aos 21 anos, os netos e bisnetos de cearenses não querem sair do sertão, como era o sonho das gerações passadas. Mas para poderem fincar raízes, o aproveitamento da água precisa ser repensado por todos. A fim de incentivar esta permanência no campo, a organização não-governamental Esplar – Centro de Pesquisa e Assessoria desenvolveu, em parceria com a ONG italiana ActionAid, o bioágua.

Da esq.p/dir.: Aurenir, mãe da Suyanni; Edilson Candido Batista; Suzana Paulino da Silva; Suyanni Nunes e Rair Castelo Branco de Melo (Foto: Tamara Lopes/Ed. Globo)

 

Uso consciente, do momento em que se abre a torneira até chegar na horta. O caminho para a água cinza – já usada para limpeza e higiene pessoal – voltar mais limpa ao ciclo inclui um sistema de tubulação e filtragem construído com os materiais fornecidos pelas ONGs.

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Areia, pedra, pó de serraria, esterco e minhocas compõem a engenharia construída no quintal da casa de Suyanni Nunes, de 17 anos, que também ajuda na gestão do bioágua. A mãe dela, que cedeu parte do terreno para a iniciativa, explica que é uma forma dos jovens aprenderem, produzirem o próprio alimento e ainda conseguirem uma renda extra com o excedente da produção destinada ao consumo próprio.

O jovem Edilson Cândido Batista, que deseja ser enfermeiro para ajudar a comunidade onde nasceu, participa do projeto desde o início, há cinco anos. “A gente inicia o processo já no ralo da pia. Toda a água segue para um tanque de gordura, onde é separada a água dos resíduos mais sólidos e gorduras”, explica.

Após a filtragem, a água segue para outro tanque, destinado a regar a produção. Acerola, mamão, maracujá e ervas medicinais, como capim santo, boldo e mastruz, são alguns dos frutos já visíveis na horta. A gordura que sobra também é reaproveitada, abastecendo um minhocário onde é feita a decomposição, até virar esterco e ir para a horta.

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“Para que tudo seja aproveitado, a gente tem que estar de olho diariamente, fazendo manutenção. Mas, como agora está com menos água ainda, a horta está devagar”, observa Rair Castelo Branco de Melo, outro jovem participante da iniciativa e futuro técnico em agropecuária.

Tanque de resíduos, após água cinza já ter sido filtrada; gordura é destinada ao minhocário para produção de esterco (Foto: Tamara Lopes/Ed. Globo)

 

Mudanças climáticas

A geração contemporânea da ativista sueca Greta Thumberg é firme quando questionada se acredita nas mudanças climáticas. “Não só acreditamos, como vivemos na pele”, comenta o jovem. Rair repete que a estiagem não é um problema, mas a chuva, que já era pouca, está cada vez mais escassa.

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Ele relata que rios e açudes demoram para encher e as cisternas precisam durar por mais tempo, o que dificulta atividades como cozinhar, lavar roupas e se hidratar debaixo de um sol de 34°C na sombra. “Por que a chuva tem sido mais rara?”, pergunto a Railton: “O desmatamento está aumentando demais, a gente vê as queimadas na Amazônia, e sem a floresta as chuvas não se formam”, ele resume.

Além disso, Nacélio de Almeida Chaves, engenheiro agrônomo e membro do Esplar, conta que grandes empresas do agronegócio, em regiões como Mossoró, no Rio Grande do Norte, captam água de longas distâncias, o que influencia nas bacias hidrográficas do entorno e impacta na disponibilidade hídrica para a agricultura familiar.

Ouça a série de podcasts da Globo Rural sobre a relação entre água e agro

Água e escola

 

Tem dias que não tem aula, porque falta água. Isso é um problema seríssimo nas escolas das comunidades rurais

Maria Neuma Alves Moraes, coordenadora do projeto do bioágua no Esplar

Maria Neuma Alves Moraes, coordenadora do projeto do bioágua no Esplar, ainda observa outra consequência decorrente do difícil acesso à água: a interrupção das aulas escolares. Na Escola de Ensino Fundamental Zilcar de Almeida, em Quixadá, há duas grandes cisternas, conforme ela mostra, mas mesmo assim ainda não é suficiente para atender a todos os alunos.

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“Tem dias que não tem aula, porque falta água. Isso é um problema seríssimo nas escolas das comunidades rurais, sem água a escola fica fechada e crianças e jovens ficam dias sem aula”, ela comenta, ao ressaltar que em período de pandemia a ausência do recurso é mais crítico.

Neuma conta que um sistema de bioágua também foi implantado na escola em 2019, visando tanto o reaproveitamento da água, quanto o acesso a uma alimentação mais completa. Mas logo quando as sementes para a horta iriam chegar, a pandemia de Covid-19 foi decretada. “Com essa horta, a gente consegue melhorar a alimentação escolar. Se sobrar, eles ainda podem levar para casa”, ela ressalta.

A coordenadora do Esplar também se refere ao espaço do bioágua como uma sala de aula. “Aqui nessa área é possível estudar solos, plantas, biologia, e o próprio sistema do bioágua é uma aula de sustentabilidade, aula de ecologia”, diz contente, ao apostar que os jovens são os próximos professores para um futuro sustentável.

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Pé de mamão regado com água limpa através do sistema de bioágua, viabilizado pelas ONGs ActionAid e Esplar, em Quixadá (CE) (Foto: Tamara Lopes/Ed. Globo)

 

Assista ao documentário da Globo Rural sobre o acesso à educação escolar em Quixadá, em meio à pandemia:

 

  
Source: Rural

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