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“Chegou ao Pará, parou. Comeu açaí, ficou!” O ditado paraense valoriza o fruto de palmeira tropical que teria sido descoberto como fonte de alimentação há muitos anos por uma tribo índigena (leia abaixo) e que, hoje, acrescenta à economia paraense cerca de R$ 3 bilhões por ano.

Produto tradicional do extrativismo na várzea, o açaí (Euterpe oleracea) começa a ganhar um novo status graças ao avanço do plantio em terra firme da variedade BRS Pai d’Égua, lançada em 2019 pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), com potencial de produtividade duas vezes maior do que o da variedade extraída nas áreas de várzea.  

“Deixamos de ser extrativistas e passamos a ser agricultores de açaí”, diz Adriano Venturieri, chefe da Embrapa Amazônia Oriental. A unidade lançou há 15 anos a primeira variedade de terra firme, a BRS Pará.

Impulsionado por variedade desenvolvida pela Embrapa, açaí ganha espaço além das várzeas (Foto: Arquivo Pessoal)

Um dos agricultores de açaí no Pará trabalha como pesquisador na unidade da Embrapa em Belém, comandada por Venturieri. O agrônomo João Tomé de Farias Neto pesquisa o fruto que tem alto valor energético há 20 anos e se tornou produtor em terra firme com irrigação, atraído pelo potencial de rentabilidade do açaí, que chega a ter aumento de até 400% no preço no período da entressafra, entre janeiro e junho.

Nessa época, um litro chega a custar R$ 24 em Belém. Tomé iniciou o plantio em 2009 e diz que nenhuma outra cultura dá mais retorno que o açaí no Pará. “Deixa soja e gado bem atrás.” Ele começou com 16 hectares em Igarapé Açu, a 120 quilômetros de Belém. Hoje, cultiva 62 hectares.

O pesquisador conta que, de 70% a 80% da produção anual do Estado, que soma 1,6 milhão de toneladas e responde por 95% do açaí do país, é concentrada na safra, no segundo semestre. “Na entressafra, há perda de renda e de empregos e muita insegurança alimentar, já que o açaí é complementação alimentar dos paraenses.”

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As indústrias compram o açaí na safra, processam e congelam para venda no país e no exterior durante todo o ano, mas o paraense, que consome 60% da produção do Estado, exige o açaí fresco, batido na hora nos milhares de pontos de venda espalhados pelas cidades.

Tomé conta que a BRS Pai d’Égua (expressão que, “em paraense” significa uma coisa muito boa) foi desenvolvida a partir de material genético que colheu na Ilha do Marajó, região de mais umidade, visando permitir o cultivo da palmeira no período da entressafra das plantas da várzea.

A cultivar produz 46% no primeiro semestre e 54% na safra, aumentando a oferta de açaí na entressafra. Além disso, rende frutos menores com mais polpa e tem produção precoce a partir dos três anos e meio, ante os cinco anos do material tradicional. A produção das sementes da Embrapa, no entanto, foi licenciada para uma empresa do Pará, que ainda não consegue atender à demanda.

A Embrapa estima uma área de 200 mil hectares de açaí plantado e manejado no Pará. O cultivo em terra firme está em ascensão, mas não há números oficiais sobre o total da área. Tomé estima, no entanto, que o Pará precisa plantar de 40 mil a 50 mil hectares com o fruto para normalizar o abastecimento e brecar a alta variação dos preços. “Há muito amadorismo no plantio do açaí, mas com informação, suplementação hídrica nos meses em que não chove e tecnologia, dá para recuperar o investimento em três safras.”

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O investimento chega a R$ 25 mil por hectare. Tomé admite que o valor de implantação é alto, especialmente por causa dos custos de irrigação. Segundo ele, a planta demanda de R$ 12 mil a 14 mil por hectare apenas com irrigação, e exige muita mão-de-obra, de dois a três empregos por hectare. O espaçamento mínimo é de 5 m x 5 m e a Embrapa recomenda o cultivo em sistemas agroflorestais (SAF) com cacau e banana, por exemplo.

Pelas projeções da empresa de pesquisa, a planta da terra firme irrigada tem potencial para produzir 12 toneladas por hectare ante as 5 ou 6 toneladas das árvores nativas. Venturieri, o chefe da unidade de Belém, acrescenta que está fechando acordo com a Prefeitura da capital paraense para levar tecnologia de manejo sustentável do açaí e sementes melhoradas para as áreas de várzea e os ribeirinhos.

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Na questão do açaí, a Embrapa Amazônia Oriental trabalha em parceria com a Embrapa Amapá, que mantém uma Unidade de Referência Tecnológica (URT) de Açaí em Macapá para pesquisas e capacitação de técnicos. Nagib Jorge Melem Júnior, engenheiro agrônomo e pesquisador da URT, diz que o projeto iniciado em 2015 com recursos do extinto Fundo da Amazônia termina neste ano. “Infelizmente, não sabemos se o projeto terá continuidade.” A URT também implantou projetos experimentais de recuperação de açaizeiros nas áreas de dois produtores e no Instituto Federal do Amapá.

Competitivo

O comerciante Nazareno Alves, 52 anos, tornou-se agricultor de açaí há seis. “Nasci em uma reserva indígena, me mudei para Belém e, desde meus 12 anos, trabalho batendo açaí. Em 2015, percebi que mais gente do Brasil e do mundo estava valorizando o nosso produto e que, se eu não me tornasse produtor, não seria mais competitivo.”

Nazareno Alves, produtor de açaí há seis anos. Expectativa é se tornar autossuficiente em 2022 (Foto: Arquivo Pessoal)

Ele plantou, então, 50 hectares, em Igarapé Açu, para abastecer seus seis pontos de venda de açaí na capital paraense, que empregam 75 pessoas. Conta que, devido à falta de informação sobre a nova cultura, perdeu quase todas as mudas e teve um prejuízo de R$ 500 mil. Mas, não desistiu. Viajou com o filho Pedro para conhecer outras plantações no Estado, buscou apoio e cultivares da Embrapa, fez novo plantio e investiu em irrigação.

As novas palmeiras, plantadas há três anos, ainda produzem pouco, mas ele projeta que se tornará autossuficiente em 2022. E tem planos de dobrar ou triplicar a área de plantio em dois anos. Quer também formar uma associação de produtores de açaí de terra firme e diz já ter contabilizado o interesse de mais de uma centena de pessoas.

“O mercado está muito aquecido. Se eu não tivesse plantado, já estaria fora”, diz Alves, que chega a vender 25 mil litros por mês. Ele ressalta que, pelo fato de o paraense consumir o fruto todos os dias, muitas vezes substituindo o arroz e feijão pelo açaí com farinha de mandioca, o preço sobe demais na entressafra.

Foi pensando na entressafra que o engenheiro mecânico José de Ribamar Moreira Nóbrega transformou a fazenda de gado do pai em São Francisco do Pará em terra firme de açaí irrigado. Ele optou pelo plantio consorciado com cacau, no sistema agroflorestal. Começou com 20 hectares de BRS Pará, vai plantar mais 20 em janeiro e tem plano de chegar a 100 hectares, já mesclando com a Pai d’Égua.

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“Está faltando sementes para atender à demanda. Eu só consegui encomendar para plantar em janeiro.” Nóbrega também reclama do preço da cultura. Diz que gastou R$ 11 mil na implantação por hectare há três anos, mas agora o preço subiu para algo em torno de R$ 20 mil a R$ 24 mil. Pretende, então, iniciar o novo plantio sem irrigação e ir investindo aos poucos. Consumidor diário de açaí, ele diz que é preciso explorar mais as características benéficas da fruta. “Além de ser saboroso, o açaí faz um bem danado para o organismo”.

Alto custo de implantação

O catarinense Eloy Luiz Vaccaro, 83 anos, é o maior produtor de açaí de terra firme no Pará, com 1.430 hectares, sendo 1.000 no município de Alenquer e o restante em Curuá. Ex-dono da Agroeste Sementes de Milho, que foi vendida para a Monsanto e hoje pertence a Bayer, ele diz que já investiu R$ 100 milhões no plantio e industrialização de açaí no Pará, com financiamento do Banco da Amazônia.

“Vendo açaí para o mundo inteiro. Há muita procura da Europa, Ásia e até China”, diz Vaccaro, que fracassou no primeiro plantio de 600 hectares em terra firme em 2002. Oito anos depois, investiu em irrigação, com tecnologia israelense, e em recuperação de solo e começou a colher os primeiros frutos.

Polpa de açaí. Produto da Amazônia apreciado no Brasil e em diversas partes do mundo (Foto: Arquivo Pessoal)

 

O produtor, que divide seu tempo entre os inúmeros negócios no sul e norte do país e a família, que mora nos Estados Unidos, planejava elevar a área plantada no Pará para 5 mil hectares, mas não demonstra atualmente muito entusiasmo com a cultura. Diz que a implantação é muito cara, especialmente pela necessidade de irrigação.

Reclama também que o cultivo demanda muita manutenção, estimada entre R$ 12 mil a R$ 14 mil por hectare/ano, exige muita mão-de-obra e a produtividade média de 7 toneladas por hectare fica longe do potencial de 12 toneladas projetado pela Embrapa.

Mesmo assim, em dois anos, ele pretende lançar no mercado uma variedade de sementes de açaí desenvolvida em programa de melhoramento genético em suas fazendas. “Plantar açaí será o grande negócio do futuro quando tivermos mais tecnologia.”

Longe do Pará

O engenheiro metalúrgico Nelcindo Gonsalez, de 63 anos, decidiu inovar após a aposentadoria e passou a cultivar açaí em sua terra natal, São José do Rio Preto (SP). Fã do fruto que consumiu diariamente durante os 20 anos em que trabalhou no Pará, em uma associada da Vale, ele plantou há quatro anos cinco hectares em seu sítio, usando as variedades da Embrapa e agora está dobrando a área de cultivo.

“Quando trabalhava no Pará, minha empresa patrocinou em 2001 uma pesquisa da Embrapa para ‘domesticar’ o açaí. Eu assinei o convênio, então digo ao Tomé brincando que sou o responsável pelo sucesso do açaí de terra firme”, recorda-se, mencionando o amigo, o pesquisador João Tomé.

Nelcindo Gonsalez mostra sua produção de açaí, no interior paulista (Foto: Arquivo Pessoal)

 

Gonsalez conta que o açaí se deu bem na ensolarada e quente Rio Preto porque só precisa de quatro coisas: sol, água, fertilizante e tecnologia de sementes. “E aqui o solo é melhor do que o do Pará.” Um diferencial da produção é a polinização por abelhas visando aumento de produtividade. Ele fez parceria com o apicultor Júnior Baldassa, que coloca 5 milhões de abelhas de várias espécies na lavoura todos os anos.

O produtor paulista processa o açaí em sua fazenda para consumo próprio e dos amigos. “Comprei equipamentos no Pará e até importei um 'batedor' de açaí paraense para trabalhar no meu sítio.” Agora, está registrando a empresa para comercializar a polpa de açaí no mercado interno.

Ele conta que gasta R$ 180 mil por hectare por ano só de custeio, com energia, óleo, mão-de-obra e fertilizantes, sem contar o custo de implantação da irrigação. Somando tudo, calcula ter investido cerca de R$ 2 milhões nos três anos, mas considera ter feito um bom negócio, já que projeta obter uma produtividade de 15 toneladas por hectare, que vão se somar à renda futura de suas centenas de árvores de mogno, seringueira e cedro australiano, plantadas há 12 anos.

Há quem prefira o tradicional

O engenheiro agrônomo paraense e ribeirinho Francisco de Jesus Costa Ferreira também é consumidor diário e produtor de açaí, mas seu investimento se concentra em manejo nas áreas de várzea do Pará junto com cacau e banana. Cada hectare tem cerca de 400 pés de açaí e gera 5 toneladas de fruto.

“Prezo muito a sustentabilidade ambiental, mas também a econômica. Não dá para gastar R$ 18 mil por hectare em irrigação para plantar em terra firme. Invisto de R$ 2 mil a R$ 3 mil em recursos genéticos e adubação para ter uma boa produção nas áreas irrigadas naturalmente.”

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Diferentemente da maioria, o produtor acredita que o consumo e a demanda de açaí vão se ajustar num prazo de cinco anos. “Se eu estiver certo, quem investiu muito no plantio em terra firme pode se arrepender.” Além do manejo no Pará, Ferreira comprou terras no Amazonas há quatro anos. “Vou enriquecer a floresta com açaí e manejar de forma adequada, gastando o mínimo possível.”

Segundo ele, no Amazonas, o fruto rende bem na época da entressafra paraense, mesmo sem irrigação. O agrônomo conta que a espécie amazônica é diferente (Euterpe precatoria), produz cachos mais robustos e mais polpa. A planta, no entanto, demora mais para começar a produzir, o teor de gordura é menor e o sabor é bem diferente do açaí paraense.

O agricultor investe também na verticalização do açaí. Possui três fábricas, sendo duas no Pará e uma no Amazonas. Atualmente, está construindo uma unidade maior e mais moderna em Abaetetuba para substituir a planta de Belém.

 
Source: Rural

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