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Raimunda Rodrigues, de 31 anos, nasceu e cresceu dentro da floresta amazônica, em Altamira (PA), onde aprendeu com os pais a trabalhar com o agroextrativismo. Sete dos seus nove irmãos também tiram o sustento da floresta, fazendo parte das 311 famílias que trabalham com produtos como a castanha-do-pará e o babaçu.

Mesmo com um faturamento anual de cerca de R$ 2 milhões da venda de castanha e outros produtos agroflorestais que mantêm a preservação do bioma, há dificuldades. A Associação Reserva Extrativista do Rio Iriri (Amoreri), localizada na terra no meio, na bacia do Xingu, assim como outras tantas similares, não tem acesso a crédito nos modelos de financiamento existentes.

“O pessoal que mexe com gado, com soja, consegue financiar, mas quando vem para o extrativismo, a gente não consegue ter nenhum tipo de crédito. Banco já é mais complicado”, afirma Raimunda.

Castanha-do-pará é um dos principais meios de sustento de famílias que vivem do agroextrativismo na Amazônia (Foto: Conexsus/Divulgação)

 

A inexistência de linhas específicas para as necessidades e sazonalidades de uma produção que, além de gerar renda através do extrativismo florestal,presta serviços ambientais ao manter a floresta salva, é um dos maiores gargalos para a manutenção da cadeia produtiva da castanha-do-pará. 

Essa foi uma das principais conclusões de um estudo que mapeou oportunidades e revelou gargalos a serem superados para melhoria da cadeira produtiva da castanha-do-brasil, realizado pelo Instituto Conexões Sustentáveis (Conexsus).

A organização trabalha para ativar o ecossistema de negócios comunitários rurais e florestais com o intuito de aumentar a renda dos pequenos produtores e agroextrativistas e fortalecer a conservação dos ecossistemas naturais.

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Embora a produção e colheita da castanha-do-pará movimente cerca de R$ 450 milhões por ano no mundo, segundo dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), e o Brasil figure no terceiro lugar entre os principais produtores – atrás apenas de Bolívia e Peru – o estudo revelou que a cadeia produtiva não é plenamente potencializada por três grandes motivos: baixo escoamento da produção, escasso acesso a financiamento e falta de capacitação e assessorias técnicas especializadas.

Para tornar os empreendimentos comunitários sustentáveis e autônomos, do ponto de vista econômico, a entidade avalia que é preciso combinar estratégias que vão desde o acesso a fontes de recurso como o crédito rural – acompanhado de educação financeira – até a introdução de inovações no campo de oportunidades para a oferta continuada de assistência técnica e das finanças híbridas.

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A pesquisa identificou que, das 400 organizações mapeadas na Amazônia, mais de 30% (127) estão inseridas na cadeia de valor da castanha-do-brasil. Essas organizações agregam cerca de 15 mil extrativistas, apenas 25% dos mais de 55 mil extrativistas de castanha em toda a Amazônia que exercem essa atividade como fonte de renda essencial para suas famílias e comunidades. No entanto, as 127 organizações comercializam cerca de 30% da produção, que gira em torno de 36 mil toneladas anuais.

As estimativas do estudo indicam que a superação dos gargalos de financiamento na cadeia demanda R$ 56 milhões em recursos adicionais e, para tanto, os modelos de financiamento existentes não são suficientes e efetivos para gerar as transformações necessárias.

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Na última safra (2019/2020), houve 417 financiamentos de crédito para cooperativas, das quais apenas seis eram da Amazônia. Houve caso da mesma cooperativa conseguir dois financiamentos. Ainda assim, segundo Mauri Andrade, do Núcleo de Soluções em Crédito Rural da Conexsus, e um dos coautores do estudo, são recursos bastante importantes, porém com pouca sustentabilidade.

“Fica difícil (as cooperativas agroextrativistas) se estruturarem com recursos que não são perenes. A gente identificou que o recurso do crédito rural é o mais sustentável que tem, porque está disponível todos os anos”, explica Mauri.

Ele avalia que o ideal é todo o crédito necessário ser acessado através do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) com subvenção econômica. Porém, das 127 organizações identificadas da cadeia produtiva da castanha-do-brasil, 98 são associações, que não são beneficiárias do Pronaf.

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Um dos gargalos é levar a educação financeira para que os agroextrativistas consigam atender às suas demandas. “Para isso, é necessário, antes de tudo, fazer um processo educativo para esses produtores e as organizações. Mas ainda tem a dificuldade de assistência técnica que possam trabalhar junto com essas organizações para que eles tenham esse conhecimento mínimo e possam ter acesso ao crédito e permanecer acessando isso ao longo das safras”, ressalta.

A dificuldade de assistência técnica não é apenas por ser muito onerosa e escassa, especialmente na Amazônia, mas também porque apenas 2% do financiamento do Pronaf pode ser direcionado para essa finalidade. “O que é muito incipiente”, diz Andrade.

Terceiro setor

Segundo o assessor técnico da Amoreri e Coordenação da Rede de Cantinas da Terra do Meio, Francinaldo Lima, as atividades agroextrativistas, como a da cadeia produtiva da castanha, baseado no conceito de preservação da floresta, podem ser uma economia modelo para o desenvolvimento do país. Mas, hoje, esse apoio vem quase exclusivamente do terceiro setor, com o financiamento de organizações como a Conexsus.

“Nesse sentido, a gente encontrou um certo apoio na Conexsus, de tentar a política de créditos nos bancos públicos para adaptar as atividades extrativistas. Mesmo a gente tendo um faturamento que é registrado contabilmente, hoje a política de crédito não está adequada aos extrativistas. A gente precisa que o governo também olhe com mais cuidado e que comece a adaptar essas políticas que a gente possa acessar. Hoje, temos apoio de projetos que, na maioria, são de organizações do terceiro setor”, explica Lima. 

O pessoal que mexe com gado, com soja, consegue financiar. Mas quando vem para o extrativismo, a gente nao consegue ter nenhum tipo de crédito"

Raimunda Rodrigues, agroextrativista

A situação da Raimunda e de muitos outros extrativistas da região mudou depois que o seu projeto de miniusina na floresta, usado para o beneficiamento da castanha, ganhou um concurso promovido pelo Google com premiação financeira para as melhores ideias que promovessem o desenvolvimento sustentável. O prêmio de R$ 500 mil foi usado para ampliar a miniusina e replicar a tecnologia para outras oito famílias no território.

Na miniusina da Raimunda, são beneficiadas cerca de 4 toneladas por ano de castanha-do-brasil para consumo in natura. Os resíduos dessa produção (cascas) são usados no forno da desidratadora para produção de energia. Ainda são processados o óleo de castanha e o seu subproduto: a farinha.

A sistematização do escoamento é fundamental para garantir um retorno economicamente viável e socialmente justo pelo produto. Segundo Raimunda, a caixa de 20 kg de castanha era vendida por R$ 15 a R$ 20 reais. Hoje, com a castanha beneficiada, o valor é 10 vezes maior. Os produtos são comercializados na região e outra parte para parceiros em São Paulo e, mais recentemente, fecharam contrato com o Grupo Pão de Açúcar, no Rio de Janeiro.

Sustentabilidade

Para além da sobrevivência desses povos através de condições que lhes garantam uma rentabilidade justa e para que a atividade extrativista seja economicamente viável, tanto os estudiosos quanto os produtores alertam para uma questão essencial desta cadeia: a sustentabilidade ambiental.

“A solução é termos a possibilidade de renda de forma que esses povos possam manter a floresta de pé, especialmente com a castanha, que é uma cultura extrativista. Esse pessoal jamais vai desmatar e derrubar a floresta tendo a possibilidade de explorar a cadeira de forma melhor. Esse é um caminho bastante interessante para essas culturas extrativistas”, salienta Andrade, do Instituto Conexsus.

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A própria Raimunda ressalta a importância de a população conhecer não apenas o produto e saber de onde ele vem, como principalmente de valorizar aqueles que prestam um serviço imensurável para sociedade. “A gente não só veio da floresta, mas como a gente faz parte dela”.

“É preciso sensibilizar a sociedade como um todo para mostrar o quanto essa floresta presta de serviço ambiental para a sociedade, que ainda não tem essa consciência de quem produz está contribuindo para a conservação de mais de 8 mil hectares de floresta”, destaca Francinaldo Lima.
Source: Rural

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