Skip to main content

Bovinos nelore, raça com maior presença no rebanho bovino de corte do Brasil (Foto: Divulgação)

 

Na última semana, a arroba bovina atingiu um novo recorde, sendo cotada acima de R$ 300, segundo o indicador Esalq/B3. A forte alta, que pressiona as margens da indústria em meio a um mercado interno em crise, é atribuída a uma expressiva diminuição na oferta de animais prontos para abate no país. A princípio, a justificativa pode parecer estranha. Afinal, como um país que possui o segundo maior rebanho de bovinos do mundo pode estar sofrendo com a falta desses mesmos animais? Especialistas no assunto enumeram algumas dessas razões.

Ciclo Pecuário

É preciso, primeiro, ter em mente o comportamento sazonal do mercado pecuário, com ciclos de alta e de baixa oferta. O volume disponível de animais prontos para abate não possui relação direta com o tamanho do rebanho, mas sim com a disposição dos produtores em colocarem seus animais à venda. “O ciclo nada mais é do que o jogo entre oferta e demanda de bezerros e a decisão do produtor, conforme o mercado, de incluir ou não as fêmeas nas linhas de abate”, resume o assessor técnico da Comissão Nacional de Bovinocultura de Corte da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Ricardo Nissen.

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil abateu cerca de 22,4 milhões de bovinos nos nove primeiros meses de 2020, uma queda de 8% ante o observado em igual período do ano anterior. Quando considerado apenas o abate de fêmeas adultas, contudo, essa queda foi de 18%.

saiba mais

China reduz ritmo e exportação de carne bovina do Brasil cai em janeiro

Brasil avalia importar gado em pé do Paraguai para conter escassez de animais

 

 

Os números do último trimestre do ano passado ainda estão para ser divulgados. As projeções dos analistas são de que 2020 tenha apresentado a maior retenção de fêmeas da última década. Com o bezerro também em preços recordes, cotado acima de R$ 2,5 mil, os produtores resistem a entregar suas matrizes para abate e reduzem significativamente a oferta de animais. Mas por que o bezerro ficou tão caro?

A explicação está justamente no último ciclo de baixa da pecuária, quando a arroba era negociada abaixo de R$ 150. Naquele momento, os preços pouco atrativos estimularam o abate de fêmeas, reduzindo gradativamente a produção e, consequentemente, a oferta de bezerros.

Só em 2018, foram mais de 10 milhões de vacas abatidas, segundo dados do IBGE. Em 2019, esse número já começa a dar sinais de queda, passando para 9,6 milhões e chegando a pouco mais de 6,1 milhões nos nove primeiros meses de 2020 (queda de 18,7% ante igual período do ano anterior). “Essa dinâmica ocorre em vários setores, não é só da pecuária. A diferença é que a pecuária é um ciclo mais longo e se prolonga por mais tempo”, destaca Nissen.

Exportação recorde

Enquanto a retenção de fêmeas reduziu a oferta de animais prontos para abate, o Brasil viu a demanda pela sua carne disparar no mercado externo, acentuando uma tendência que vinha se desenhando desde 2018, quando o surgimento da peste suína africana reduziu a oferta de carne suína na China. No último ano, as exportações para o país cresceram 75%, passando a representar mais de 43% das vendas do Brasil no mercado externo.

O apetite chinês por carne bovina, explica o consultor de agronegócio do Itaú BBA, César de Castro Alves, criou um canal de escoamento importante num momento de queda na demanda interna. “A oferta está tão baixa que o preço se impõe e, como tem o canal da exportação fomentando a procura dos frigoríficos, quem está disputando o mercado interno está muito apertado nessa história”, afirma Alves.

saiba mais

Preço recorde do boi deixa Brasil menos competitivo no mercado internacional

Alta no preço do boi chega ao limite do que o consumidor pode pagar, dizem analistas

 

 

Com isso, nem mesmo o consumo interno mais fraco tem pressionado os preços para baixo, apesar de representar cerca de 70% das vendas totais do setor. “O vetor tem sido a exportação e o consumo está derivando da produção. E ela é mais determinada pelo volume de gado do que pelo crescimento da exportação”, completa o analista.

Na opinião do assessor técnico da Comissão Nacional de Bovinocultura de Corte da CNA Ricardo Nissen, o maior acesso dos produtores a informação também contribui para o cenário de retenção de animais em momentos de maior demanda externa.

“Hoje o produtor consegue perceber muito melhor o que está acontecendo e aproveitar melhor a dinâmica do mercado. Então ele tem buscado realmente segurar as matrizes, diferente de cinco anos atrás, quando não tinha tanta facilidade na comunicação”, observa Nissen, ao lembrar do último ciclo de alta da pecuária, em 2015. Naquele ano, a arroba registrou alta de 31,2% – índice que chegou a 80% em 2020.

Custos mais altos

Engana-se, contudo, quem pensa que o pecuarista tem embolsado de forma integral a alta da arroba. Se, por um lado, os preços do boi vivo estão em patamares recordes, os custos de produção também aumentaram no último ano.

Principal insumo usado na engorda animal, o milho e o farelo de soja encerraram 2020 com altas de 81,6% e 48,3% respectivamente, segundo o Cepea. Em ambos os casos, a valorização acompanhou a paridade de exportação dos grãos que, assim como as carnes, beneficiaram-se de um mercado externo aquecido com real desvalorizado e queda na produção americana de milho.

Com custos mais altos e mercado interno fraco, muitos pecuaristas ficaram reticentes em aumentar a produção no último ano – principalmente entre os confinadores (ou invernistas), responsáveis por cerca de 16% da oferta nacional. “Não estava compensado o produtor correr o risco de acelerar sua produção e isso, obviamente, tem um impacto”, destaca Nissen. Nesses casos, os animais são alimentados principalmente com rações e suplementos, fazendo com que os custos com grãos sejam ainda maiores.

Clima

Entre aqueles que mantiveram seus animais no pasto, outro problema ajudou a agravar a baixa oferta de animais prontos para abate: a falta de chuvas. Além de catalisar a valorização da soja e do milho devido ao alto risco de perdas em algumas regiões, retardou o crescimento das pastagens. Com isso, a entrada de animais terminados a pasto, que costuma ocorrer entre dezembro e janeiro, ficou para fevereiro e março deste ano – o que explica a retomada da valorização da arroba logo após as festas de final de ano.

“Agora, normalmente, é um momento de pressão de preços, quando as exportações estão num patamar menor devido ao feriado de ano novo chinês, que dura um mês inteiro”, lembra o analista de proteína animal do Rabobank, Wagner Yanaguizawa. Segundo ele, cerca de 60% da produção nacional de bovinos depende exclusivamente de pastagens, o que agravou a escassez de animais no início de 2021.

“Em setembro e outubro as chuvas atrasaram e, em novembro, os volumes foram bem abaixo da média, se recuperando apenas em dezembro. E isso atrasou o início da oferta desses animais de pastagem”, completa o analista ao destacar que, a partir de março, o mercado deve apresentar algum aumento na oferta de animais. “Até março, abril devemos ter um cenário de preços ainda em patamares elevados e, após esse processo, com a maior oferta, podemos ter um cenário de maior pressão de preços por conta desse incremento de oferta”, avalia Yanaguizawa.
Source: Rural

Leave a Reply