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(Foto: Max Pixel/Creative Commons)

 

O Senado Federal aprovou em dezembro o projeto de lei 2.963/2019, que regula a aquisição de imóveis rurais por estrangeiros e empresas nacionais controladas por estrangeiros. Resta agora a votação na Câmara dos Deputados e a sanção presidencial.

“Ficam convalidadas as aquisições e os arrendamentos de imóveis rurais celebrados por pessoas físicas ou jurídicas brasileiras, ainda que constituídas ou controladas direta ou indiretamente por pessoas privadas, físicas ou jurídicas estrangeiras durante a vigência da Lei nº 5.709, de 7 de outubro de 1971”, diz o texto.

A partir de 1971, a aquisição de imóveis rurais por estrangeiros (como tal ou via empresas constituídas no Brasil por eles) foi sujeita à autorização federal, até que, com a Emenda Constitucional nº 6, de 1995, acabou a distinção entre empresa brasileira de brasileiros e a empresa brasileira de estrangeiros. A regra seria do jus soli: nasceu no Brasil, é brasileiro.

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Mas não foi bem assim. De 1995 para cá, instalou-se o caos através de pareceres da Procuradoria Geral da União. De 1971 a 1995, estrangeiro ou empresa brasileira controlada por estrangeiro tinha restrições para comprar imóvel rural no Brasil. De 1995 a 2008, não havia restrições. De 2008 a 2012, havia restrições.

Em 2012, o Tribunal de Justiça de São Paulo determinou que não havia restrição (pelo menos no Estado de São Paulo). E, em 2014, foi editada a Portaria Interministerial 4/2014 dizendo que tudo que fora feito ou estivesse em curso a respeito da aquisição de imóvel rural por estrangeiro ou empresa brasileira era válido, mas que a partir de 2014 teria que cumprir a restrição.

Isso sem contar que, quando D. João VI abriu os portos para as nações estrangeiras decretou: “Que não só os meus vassalos, mas também os sobreditos estrangeiros possam exportar para os portos que bem lhes parecer a benefício do comércio, e agricultura, que tanto desejo promover, todos e quaisquer gêneros, e produções coloniais … Bahia aos vinte e oito de janeiro de 1808”.

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Realmente o Brasil é uma jaboticaba que vai demorar muito para virar um vinho de qualidade, se é que vai.

O fato é que o PL 2.963 é uma anistia a tudo que vem sendo praticado desde 1971, que realinha as restrições à aquisição de imóvel rural por estrangeiro, reorganiza o cadastro do imóvel rural, fecha a porta para fraudes, pune a fraude de maneira objetiva e regulariza o tema do meu trabalho de conclusão de curso entregue em 1993: “Como os bancos estrangeiros ficam no caso de executarem garantias que tenho como objeto imóveis rurais?”

Continuando de trás para frente, no caso de um estrangeiro que herda um imóvel rural de um brasileiro, tal afortunado não está sujeito às restrições do PL 2.963. A mesma regra aplica-se a um banco que empresta dinheiro a uma empresa com muitas terras rurais e recebe tais terras em garantia.

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Se o empréstimo não é pago, então o banco arrecada as terras, convoca um leilão. Se não aparecer comprador no primeiro leilão, o banco promove um segundo leilão. Se não aparecer comprador de novo, o banco fica com as terras rurais pelo valor da dívida. Se o banco fosse estrangeiro, não poderia ficar com as terras.

Tanto no caso do estrangeiro que herda quando do credor que adjudica, a manifestação da vontade original não era no sentido de adquirirem os imóveis. Teoricamente, ninguém deseja a morte de um parente para ficar com a herança.

Quando o credor empresta dinheiro, ele quer receber o principal e o juros de volta, não o objeto da garantia. Em relação aos credores, eles terão dois anos, prorrogáveis por mais dois, para vender o imóvel (é assim que funciona normalmente com os imóveis em carteira de liquidação dos bancos).

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Outro ponto bastante interessante do PL 2.963 diz respeito ao critério norteador do Conselho de Defesa Nacional na aprovação da aquisição do imóvel rural por estrangeiro ou sociedade brasileira controlada por estrangeiros: o exercício da função social da propriedade, ou seja, dedicar a propriedade para a sua vocação.

Se é para agricultura, que se plante e que se crie. Se é para preservação ambiental e/ou extrativismo, que assim o faça. O que não pode é ficar sentado na propriedade especulando preço ou valor de commodities. Outro ponto bastante importante é que a soma das áreas adquiridas, arrendadas ou legitimamente possuídas por estrangeiros e/ou equiparados não poderá ultrapassar ¼ do município.

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Quem está na mira do Conselho de Defesa Nacional na aprovação ou desaprovação da aquisição de imóvel rural por estrangeira ou empresa controlada por estrangeiros são ONGs com atuação no território nacional, ainda que com sede no Brasil, mas cujo orçamento seja financiado com recursos externos (inclui imóveis na faixa da fronteira); fundações cujos membros estejam previstos no item anterior e mais empresas estrangeiras ou empresas estrangeiras autorizadas a funcionar no país; fundos soberanos controlados por Estados estrangeiros que detenham mais do que 10% do capital de empresas no país; pessoa jurídica brasileira controlada direta ou indiretamente por estrangeiros.

Se o imóvel alvo for no bioma amazônico, 80% dele deve ser dedicado à preservação ambiental. Atenção: os recursos estrangeiros novos ou reinvestimento daqueles gerados no Brasil para aquisição ou arrendamento de terras rurais deverão obedecer às restrições da PL 2963.

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Os imóveis rurais dedicados utilizados por concessionárias de serviços públicos controladas por estrangeiros não estão sujeitas às restrições do PL 2.963. Para aqueles que não estiverem vinculados às restrições, vale a autodeclaração no ato de aquisição do imóvel, e aqueles que estiverem vinculados deverão apresentar a autorização do Controle de Defesa Nacional. 

Emitida a autodeclaração ou a autorização do Conselho de Defesa Nacional, conforme o caso, não é necessária nenhuma autorização ou licença. O não cumprimento da lei resultante do PL 2.963 resultará na desapropriação da propriedade adquirida ou cancelamento do contrato de aquisição sem indenização e cancelamento do contrato de arrendamento ou posse sem indenização.

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Por fim, os imóveis pertencentes ao Patrimônio da União (os famosos pés na areia) não estão sujeitos às regras da lei em que será convertido o PL 2.963.

O projeto é necessário por imposição da Constituição. Os parlamentares conheceram os problemas institucionais que se instalaram a partir de 1995 e, após anos e anos de legislação de georreferenciamento, o cadastro rural realmente faz sentido. Diante do contexto, acho que o Brasil está dando um passo importante no sentido de trocar a referência da restrição por segurança na aquisição de imóvel rural por estrangeiro.

*Marcelo Valença é advogado, especialista em direito imobiliário e sócio-fundador da Valisa Business Intelligence.

**As ideias e opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade dos seus autores e não representam, necessariamente, a posição editorial da revista Globo Rural.
Source: Rural

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