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Vista aérea da fábrica e do plantio de florestas da Veracel na zona rural de Eunápolis, no sul da Bahia (Foto: Divulgação)

 

*Publicada originalmente na edição 420 de Globo Rural (Outubro/2020)

Uma árvore importada da Austrália no início do século passado para virar dormente de trilhos em ferrovias ou carvão para movimentar as locomotivas foi a chave para o Brasil desenvolver um setor que hoje arrecada R$ 87 bilhões por ano, representa 1,3% do PIB nacional, gera 3,8 milhões de empregos, acrescenta R$ 11,4 bilhões à balança comercial e está no topo da produção sustentável do agronegócio no país.

Os primeiros eucaliptos chegaram por aqui em 1868, ao Rio Grande do Sul, mas a árvore só passou a ser plantada em escala em 1903, por iniciativa do engenheiro agrônomo Edmundo Navarro de Andrade, que trabalhava para a Companhia Paulista de Estradas de Ferro. A expansão da cultura ocorreu a partir da década de 1970, quando as empresas receberam incentivos fiscais para o reflorestamento.

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Atualmente, o eucalipto ocupa 72% dos 7,83 milhões de hectares de florestas plantadas, segundo estatísticas da Ibá (Indústria Brasileira de Árvores), seguido pelo pínus, outra árvore exótica, com 1,57 milhão de hectares. Já para o IBGE, o eucalipto e o pínus representam 96% dos estimados 10 milhões de hectares de florestas plantadas – que são culturas como qualquer outra, com ciclo definido de plantio, manejo, produção e colheita. 

"Dentre todos os setores do agronegócio, seguramente o de florestas plantadas é o que tem o melhor desempenho ambiental", afirma o engenheiro florestal Tasso Azevedo, consultor e empreendedor social em sustentabilidade, floresta e clima, além de coordenador do MapBiomas (Mapeamento Anual da Cobertura e Uso do Solo no Brasil).

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Segundo Azevedo, a alta sustentabilidade se explica porque o setor há décadas se regula por processos de licenciamento ambiental, tem extremo cuidado com fogo, para não perder seu capital, e esteve submetido a pressões internacionais que levaram as empresas a investir em rastreabilidade e certificação.

A Ibá, que reúne 48 empresas do setor e dez entidades estaduais de produtos originários do cultivo de árvores, calcula que o setor conserva 5,6 milhões de hectares de áreas naturais, bem mais do que a lei exige.

O embaixador José Carlos da Fonseca Jr., diretor executivo da associação, diz que as áreas plantadas estocam 1,7 bilhão de toneladas de CO2eq (equivalente em dióxido de carbono). Somando-se também o estoque das áreas de conservação, o setor “armazena” 4,2 bilhões de toneladas de CO2eq.

 

A certificação internacional do setor teve início há 25 anos. Entre áreas cultivadas e de conservação, são 6,3 milhões de hectares certificados. Os selos principais são o FSC (Forest Stewardship Council) e o PEFC (Programme for the Endorsement of Forest Certification Schemes), representado no Brasil pelo Programa Nacional de Certificação Florestal (Cerflor).

Em maio, a Veracel Celulose, uma joint venture da brasileira Suzano com a sueco-finlandesa Stora Enso, que tem 223,7 mil hectares, sendo 87,9 mil hectares de área plantada, se tornou a primeira do setor a receber a Certificação de Serviços Ecossistêmicos da Conservação e Biodiversidade da Flora, criada pela FSC e avaliada no Brasil pelo instituto Imaflora. Isso se deve à conservação de 23 espécies de mamíferos de médio e grande porte, 229 espécies de aves e 242 espécies de flora.

Ricardo Ribeiro Rodrigues, professor titular de ciências biológicas da Esalq/USP, ressalta que a certificação do setor não atinge áreas de eucalipto voltadas para o carvão, por exemplo. “Há florestas em Minas Gerais para siderurgia que são bem irregulares.”

Dentre todos os setores do agronegócio, o de florestas plantadas é o que tem o melhor desempenho ambiental

Tasso Azevedo, coordenador do MapBiomas .

Erich Schaitza, chefe-geral da Embrapa Florestas, diz que todo plantio florestal feito com qualidade é altamente sustentável ambientalmente. “Floresta plantada só não pode substituir floresta nativa. Em outras áreas de solo descoberto, ela é a melhor alternativa.” Ele cita como vantagens da cultura o controle da erosão, a preservação da biodiversidade, o aumento do carbono sobre o solo e a geração de renda e emprego local.

No primeiro semestre deste ano, em meio à pandemia do coronavírus, a produção de celulose do Brasil cresceu 5,1% em relação ao mesmo período de 2019 e as exportações subiram 0,7%.

Desde junho, segundo a Ibá, a indústria sentiu um reaquecimento do mercado e alguns segmentos passaram a produzir mais do que antes da pandemia, a fim de atender a novas demandas, como a de papéis para higiene. E foi lançada nas redes sociais a campanha “Sou mais papel”, que reúne 15 segmentos, para reforçar o atributo sustentável dos produtos da floresta plantada.

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Há quem diga que a celulose vai substituir o petróleo, por ser uma alternativa para o uso de plásticos e tecidos, entre outros. “A celulose tem uma versatilidade enorme. Podemos dizer que hoje você veste, usa e se alimenta com madeira”, diz o embaixador Fonseca Jr. Segundo ele, a celulose solúvel já está presente em bolos, salsichas, armações de óculos de acetato, pneus de alta performance, como os de avião e da F1, e na indústria têxtil, com a viscose.

Da celulose microfibrilada virão novas fibras têxteis, e a nanocelulose vai estar nas telas de LCD do celular, em bioplásticos e na fibra de carbono de partes do avião. Além disso, a lignina, que compõe 25% da madeira da árvore, já é usada para gerar energia limpa nas fábricas e está em fase de estudos para se tornar resinas, bio-óleos, combustíveis verdes, etc.

 

Em fevereiro, a Suzano, maior indústria de celulose do mundo, que nasceu da fusão com a Fibria em 2019, em um negócio de US$ 14,5 bilhões, anunciou em sua estratégia de longo prazo que vai oferecer 10 milhões de toneladas de produtos de origem renovável, desenvolvidos a partir da biomassa, para substituir plásticos e outros derivados do petróleo.

Após uma expansão de quase 38% em 13 anos, a área plantada permaneceu praticamente estável nos últimos cinco anos. “Essa é uma tendência do setor, que já vinha investindo em aumentar a produtividade dentro de suas áreas, fazendo mais com menos, em linha com a bioeconomia”, afirma o diretor executivo da Ibá.

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Segundo ele, há entraves burocráticos para novos plantios e os esforços do setor estão voltados para o melhoramento genético, aproveitamento o máximo das árvores – e também da terra. “Estamos medindo milimetricamente o espaçamento entre as árvores para garantir o manejo adequado, cultivando mais dentro de seus limites. Se houver crescimento, certamente será em terras degradadas.”

Ricardo Rodrigues, da Esalq, lamenta que o investimento nas florestas plantadas no Brasil se limite às espécies exóticas, como eucalipto e pínus, deixando de lado as nativas, como araucária, paricá, jatobá, cabreúva e outras que têm um grande potencial para uso em construção civil e geração de energia.

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Erich Schaitza, chefe- geral da Embrapa Florestas, concorda. De acordo com ele, seria possível recuperar áreas degradadas com o plantio de araucária, por exemplo, consorciado com erva-mate e outros sistemas produtivos. É o que os europeus fazem.

“Mas, para o investimento em árvores nativas, é preciso organização social, sistemas inovadores e um processo de convencimento para vencer barreiras de preconceito, como as existentes contra casas de madeira, barreiras legais e a burocracia. É um processo que demanda uns 30 anos.”
Source: Rural

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