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(Foto: Christian Braga/Greenpeace)

 

O Instituto Brasileiro de Pesquisas Espaciais (Inpe) monitora desmatamentos com o uso de imagens de satélite desde 1988. O acumulado de dados nestes 32 anos faz o Brasil ser referência em observação da Terra. Quem afirma é Gilberto Câmara, diretor do Secretariado do Grupo de Observações da Terra (GEO, na sigla em inglês), órgão vinculado a Organização das Nações Unidas (ONU).

O cientista brasileiro, que trabalhou como pesquisador de 1980 a 2016, afirma que o País é o único a ter um sistema de monitoramento de uso da terra operacional público e diário, como Deter, Prodes e Programa Queimadas. “O que diferencia o Brasil é um sistema operacional que existe há muitos anos, totalmente público, com dados transparentes e já muito testado e certificado”, defende Câmara.

De Genebra, na Suíça, ele concedeu entrevista exclusiva a Globo Rural. Em sua visão, o Brasil vem perdendo notoriedade na política ambiental, apesar dessa expertise, algo que pode trazer consequência, inclusive, para o setor agrícola.

Gilberto Câmara, diretor do Grupo de Observações da Terra (Foto: Dilvulção/Inpe)

Globo Rural – Como comprovar a veracidade dos dados de desmatamento e queimadas no Brasil? Os satélites usados no Brasil são confiáveis?
Gilberto Câmara – A confiabilidade do uso desses dados tem várias maneiras de ser mensuradas. Podem ter campanhas de levantamento em campo, verificando que o que o satélite aponta está no campo, as quais mostram que a confiabilidade é de 95%. E para a agricultura, a Moratória da Soja é um exemplo. O Inpe sai com os dados de desmatamento, o Greenpeace verifica as áreas dos produtores com as áreas que o Inpe indicou, e verifica se tem algum produtor que tenha desmatado. Se sim, ele é colocado numa espécie de lista negra. Se os dados do Inpe não fossem confiáveis, um acordo como esse não seria possível, e estamos falando de uma entidade super importante [Abiove] e a cadeia da soja. Outra evidência é de que, usando os dados do Inpe, foi possível reduzir o desmatamento de 27 mil km² em 2004 para 5 mil km² em 2013.

GR – Mas o governo federal tem sinalizado interesse em comprar satélite para mais dados, como anunciado pela Polícia Federal e Ministério da Defesa.
GC – Eu acho totalmente desnecessário. Na realidade, o que estamos vendo é que não há interesse real do governo de tomar ações necessárias de combater o desmatamento. O que está acontecendo com esse negócio de comprar satélites é muito simples. Eu digo que preciso de mais dados, não porque precisa, mas porque eu preciso de uma desculpa, justificar o porquê eu não fiz nada. Se faltam dados agora, por que os dados lá em 2008 foram tão eficientes? A história recente desmente a Defesa e a Polícia Federal. O documento da Polícia Federal não traz nenhuma evidência que [a compra] seja necessária. E, no caso das imagens que diz que vai comprar, o governo da Noruega fez um acordo com a mesma empresa, a Planet Labs, para colocar imagens de toda a região tropical do planeta de graça disponiveis para quem quiser, sem nenhuma restrição. Portanto, as imagens que a gente ia pagar, o governo da Noruega vai dispor de graça.

Quem se beneficia desse desmatamento ilegal não é o setor agrícola responsável e exportador, é um conjunto de atores que trabalha na ilegalidade

Gilberto Câmara, diretor do Grupo de Observações da Terra

GR – O senhor enxerga algum prejuízo para o agronegócio a partir deste governo?
GC – É importante lembrar que à época [do combate ao desmatamento, entre 2004 e 2013] não houve redução qualquer na produção agrícola no Brasil, então do ponto de vista da economia, não houve prejuízo econômico. Quem se beneficia desse desmatamento ilegal não é o setor agrícola responsável e exportador, é um conjunto de atores que trabalha na ilegalidade. Se [Joe] Biden ganhar nos Estados Unidos, e com a nova política dele com a União Europeia, o acordo do Mercosul e União Europeia afunda.

GR – O Brasil é objeto de estudo do GEO?
GC – A preocupação do GEO é global e nosso negócio é promover acesso amplo ao mundo inteiro a dados de observação da Terra. Há um enorme respeito pela capacidade brasileira nessa área. É respeitadíssimo. Hoje o Brasil, e o Inpe, senta na mesa para discutir dados de observação da Terra com muito respeito. Agora, existe uma preocupação que é nossa, mas que transcende o GEO, sobre política ambiental, que é o descontrole e falta de ação do atual governo. Não só a nós, mas a ONU como um todo. É uma preocupação global, porque sabe-se que o Brasil conseguiu um avanço enorme no monitoramento e combate ao desmatamento e agora as pessoas me questionam como o Brasil pode jogar fora um valor do desenvolvimento sustentável.

Do ponto de vista internacional, a política brasileira não faz sentido

Gilberto Câmara, diretor do Grupo de Observações da Terra

GR – Qual é esse valor?
GC – Diminuir o desmatamento sem baixar a produção é um valor. Você ganhou respeito, acordos com parceiros, portas abertas para investimentos. E a política atual está comprometendo esse valor brasileiro seriamente e pode-se colocar empecilhos ao agronegócio brasileiro. Do ponto de vista internacional, a política brasileira não faz sentido.

GR – E qual é a situação atualmente? Estamos caminhando para a savanização da Amazônia?
GC – Estamos num cenário desregrado, em que a gente tem a temperatura média da Terra subindo para 5º C, o que vai fazer bater os 45º C, 50º C no Rio de Janeiro. Se isso acontecer, a precipitação de chuva vai diminuir bastante e Amazônia pode entrar num cenário de colapso. A capacidade da floresta resistir a isso depende muito da quantidade de floresta que tem. Se combinado ao aquecimento global a continuidade da redução da floresta, o processo [de savanização] pode acontecer mais rápido. Não é amanhã que a Amazônia vai virar uma savana, mas aumentos de desmatamento como estamos vendo e a continuidade dessa tendência sem controle vão contribuir significativamente para reduzir a floresta, e com consequências graves para o agronegócio.
Source: Rural

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