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(Foto: Marcos Brindicci/Reuters)

O governo da Argentina decretou a intervenção do grupo Vicentin, a única trading agrícola com capital exclusivamente argentino e um dos seis maiores do país. O anúncio foi feito pelo presidente, Alberto Fernández, que também informou o envio de um projeto de lei ao Congresso para expropriar a companhia, que se encontra em processo de reestruturação de sua dívida desde a primeira semana de dezembro de 2019.

O interventor da Vicentin será o economista Gabriel Delgado, que dirige a unidade YPF Agro, da petrolífera estatal. Delgado havia sido cotado para ser ministro de Agricultura, quando Fernández foi eleito em outubro passado. Com uma dívida superior a US$ 1,5 bilhão, a companhia foi considerada pelo governo argentino como de “utilidade pública”. Seu maior credor é o banco estatal Nación, com 80% do passivo. Segundo o presidente, “o objetivo é resgatá-la para que cumpra o rol de empresa de referência na comercialização de grãos e na produção de alimentos”.

“Queremos que a empresa continue funcionando, que os trabalhadores mantenham seus postos de trabalho e que os pequenos produtores possam continuar vendendo à empresa o que produzem”, afirmou Fernández.

“O resgate é em favor da economia argentina e de uma parte de um setor que tem particular importância, como é o mercado de grãos e cereais”, argumentou o presidente. Também considerou a companhia “estratégica”, que “favorece à Argentina atingir a soberania alimentar”.

Crítica

 

O ex-ministro de Agricultura do governo de Maurício Macri, Miguel Etchevehere, criticou a medida e a considerou “um absurdo porque o governo deveria deixar que as empresas privadas quando perdem dinheiro possam pagar suas dívidas e este processo estava sendo negociado pela Vicentin”. Na opinião do ex-ministro, “tudo indica que a intenção é incidir na formação de preços dos produtos no mercado local”.

Para Etchevhere, que também foi presidente da Sociedade Rural Argentina (SRA), a intervenção estatal no mercado não é uma boa notícia. “Já sabemos como funciona quando o governo interfere nos preços, alegando preservar a soberania alimentar”, disse ele em referência à intervenção dos mercados de carne, trigo, milho e outros durante os dois mandatos da ex-presidente Cristina Kirchner (2007-2014).

“A SRA está sumamente preocupada com a medida. A história demonstra que as intervenções do Estado no comércio de grãos sempre criaram distorções severas que terminaram provocando problemas mais graves que os que se pretendia solucionar”, disse a instituição em nota.

Elogio

Em sentido oposto, o ex-presidente da Federação Agrária, Eduardo Buzzi, “a medida é oportuna porque salva os interesses de muitos produtores que venderam para a Vicentin e nunca receberam por suas produções”. Cerca de 2.600 produtores são fornecedores regulares da companhia e foram prejudicados pelo default decretado em dezembro. 

A Vicentin exportou no ano passado 7,4 milhões de toneladas de óleo e farelo de soja e óleo de girassol e foi responsável por 20% das divisas que entraram no país pelas exportações. A entrada de dólares é vital para a economia Argentina em meio à queda dos preços internacionais das matérias primas e das incertezas sobre a desvalorização do peso.

Calote

O governo informou que a empresa será parte de um fundo administrado pela YPF Agro, cujo modelo de gestão seria misto. Vale recordar que a petrolífera foi estatizada em 2012, durante o segundo mandato de Cristina Kirchner, atual vice-presidente.

O processo de concordata da Vicentin foi instaurado há seis meses e a justiça investiga o sucateamento da companhia que está entre as seis maiores na produção de alimentos com unidades de cereais, oleaginosas em três municípios da província de Santa Fe, uma divisão de produção de Biodiesel – a Renova, a maior do país em sociedade com Glencore, outra de têxtil, uma fábrica de suco concentrado de uva, uma vinícola, o frigorífico Friar – um dos principais exportadores de carne, uma exportadora de mel, produção de gado em Montevidéu, São Paulo e Assunção.

O calote da Vicentin foi anunciando uma semana antes do fim do mandato de Maurício Macri. “Foi iniciado um processo de reestruturação de pagamentos a partir de uma situação de stress financeiro que afeta atualmente a empresa, em um contexto de crises recorrentes, aumento de taxas de financiamento, fechamento de mercados e incremento permanente do custo argentino”, disse o comunicado naquela ocasião.  

Para o diretor do Banco Nación, Claudio Lozano, os sócios da Vicentin fizeram uma “manobra fraudulenta de esvaziamento da empresa, dando calote nos produtores e nos credores”. Segundo ele, esta é a única explicação que uma companhia que chegou a posicionar-se como a quarta maior exportadora do setor, junto às multinacionais Cofco, Cargill, ADM e Bunge, a não honrar suas dívidas.

Comunicado

Cinco horas após o anúncio do governo, o Grupo Vicentin emitiu um comunicado no qual manifesta “incerteza e preocupação”, reivindica a “proteção dos direitos dos acionistas” e ressalta que “os ativos da empresa estão intactos”.

“Soubemos da decisão através da imprensa e estamos realizando as consultas necessárias para entender as características e a profundidade das medidas anunciadas”, diz a nota, completando: “reivindicamos a legitimidade de proteger os direitos de uma empresa argentina e de seus acionistas”.

Vicentin destaca sua história de 90 anos e que “se encontra ajustada no marco legal em vigência, dentro de um processo de concordata com os credores” e “tem se manifestado reiteradamente a vontade de honrar os compromissos assumidos”.

Na nota, o grupo repassa a crise iniciada desde dezembro de 2019, quando a diretoria começou a “explorar distintas alternativas para refinanciar sua dívida e recuperar o nível de operação que soube ter no passado”, e que “não demitiu nenhum trabalhador durante este processo”.

Para concluir, Vicentin diz que “entre as alternativas em análise sempre estiveram à venda de ativos e a possibilidade de associação com companhias nacionais. Dentro destas opções esteve sempre contemplada a YPF Agro”.
Source: Rural

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