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Carlos Nobre, cientista e ex-pesquisador do Inpe (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

 

Cientista referência brasileira em estudos sobre aquecimento global, Carlos Nobre é ex-pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e conversou com a Globo Rural sobre como ele avalia a condução da ciência e das pautas de meio ambiente atualmente no Brasil. 

Ele defende que o atual ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, está a favor dos ruralistas e que a mensagem do governo atual é "liberou geral", indicando que grileiros estariam impunes em decorrência de como a pasta vem sendo conduzida. 

Acompanhe, a seguir, a entrevista na íntegra:

Globo Rural – Como estão sendo conduzidas as pautas do meio ambiente no atual governo pela avaliação do senhor?

Carlos Nobre – O Ricardo Salles é uma figura que defende interesses empresariais que prejudicam o meio ambiente. Ele já era assim, mesmo quando era secretário de Meio Ambiente de São Paulo. O resultado é isso, ele representa o interesse de empresas privadas e os ruralistas conservadores. Não estou surpreso, ele está fazendo exatamente o que sempre fez.

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GR – Não se surpreendeu com a fala da reunião ministerial?

Nobre – Não é surpresa a fala na reunião. E a questão de querer passar a boiada é uma questão antiética, falta transparência, mas, como eu disse, ele está fazendo o que sempre fez. Demissão de chefes da área de fiscalização, diminuição da aplicação de multas pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis)… Tudo que ele vem tentando mudar é coerente com a carreira dele.

Até janeiro de 2019, todos os ministros do Meio Ambiente defendiam a pauta ambiental e é a primeira vez que o Ministério é totalmente ruralista.

Carlos Nobre, cientista

GR – O senhor disse que Ricardo Salles representa o interesse de ruralistas. Outros ministros do Meio Ambiente já fizeram isso antes?

Nobre – Desde o começo deste governo, ficou claro que, de fato, ele tentou incorporar o Ministério do Meio Ambiente ao Ministério da Agricultura, que o Meio Ambiente seria uma divisão dentro da Agricultura. Ninguém imaginava que isso poderia acontecer, porque o Ministério do Meio Ambiente sempre foi muito independente, mas hoje está claro que um trabalha a serviço do outro. A partir de 1975, sempre houve a pauta de crescer a produção e todos os ministros do Meio Ambiente diz que não é necessário derrubar nenhuma árvore para aplicar a produção agrícola. 90% dos ruralistas defendem que áreas protegidas não devem passar de 20% e vem caminhando independente de governo com fortes representações na Câmara e no Senado. O Ministério do Meio Ambiente sempre tentou discutir isso e havia uma justa disputa democrática. Até janeiro de 2019, todos os ministros do Meio Ambiente defendiam a pauta ambiental e é a primeira vez que o Ministério é totalmente ruralista.

GR – O senhor, como ex-pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), avalia de que forma a descrença à ciência, sinalizada pelo atual governo, como a dúvida sobre os dados de desmatamento divulgados pela instituição?

Nobre – Hoje o pessoal do Inpe tem muito medo. Eles falam tecnicamente, mas não dão opinião. Os dados são públicos e é muito bom que o Brasil tenha essa competência própria. O Inpe é o lugar que tem os melhores cientistas e é uma instituição de Estado, não de governo. Então, não é um órgão ambientalista, é um órgão que apresenta dados.

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GR – Mas estes dados vêm demonstrando preocupação, principalmente com níveis de desmatamento e a sinalização de aumento nas queimadas, não é?

Nobre – O Inpe, por meio do Deter, e o Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia) têm detectado isso, que o desmatamento explodiu. Agora é olhar para os dados de maio e junho e ver se esses milhares de homens do Exército que estão lá vão ajudar a diminuir o desmatamento. Porque, ano passado, diminuiu o fogo, mas em outubro o desmatamento aumentou e o Exército estava lá. Este ano foram antes do pico das queimadas com uma ação muito forte contra o desmatamento.

Hoje o Brasil deve estar entre os cinco piores vilões ambientalistas e isso é péssimo. Aí vem o governo e manda o exército apagar fogo.

Carlos Nobre, cientista

GR – A entrada das Forças Armadas na Amazônia, por meio da Garantia da Lei e da Ordem, é positiva?

Nobre – Hoje o Brasil deve estar entre os cinco piores vilões ambientalistas e isso é péssimo. Aí vem o governo e manda o exército apagar fogo. A mensagem desse governo é 'liberou geral', nada vai acontecer com você, grileiro. É a palavra que o Salles usou na reunião: “flexibilização”. Quando você exerce a fiscalização, isso traz um prejuízo financeiro muito grande para quem desmata, por exemplo com a destruição dos equipamentos, e aí isso diminui, você desencoraja. O prejuízo fica tão grande que o pessoal para, mas agora, com o presidente Jair Bolsonaro querendo proibir até a destruição dos equipamentos, o risco é zero.

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GR – Mas e o Conselho Nacional da Amazônia, é visto pelo senhor como vontade política de melhorar a situação?

Nobre – Muito dessa construção do Conselho, e de colocar na mão do vice-presidente (Hamilton Mourão), que tem origem militar, é para amenizar nossa imagem ruim perante o mercado externo. Inúmeros investidores estrangeiros já saíram, outros estão ameaçando. Se eles deixassem a coordenação atual do Conselho com o atual ministro do Meio Ambiente seria um descrédito. Com os desastres do ano passado e esse ano, ele (Ricardo Salles) perdeu a credibilidade. A criação do Conselho foi para resgatar a credibilidade do governo internacionalmente, porque isso repercute ao agronegócio e ao turismo.

A mensagem desse governo é 'liberou geral', nada vai acontecer com você, grileiro.

Carlos Nobre, cientista

 
Source: Rural

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