(Foto: Ana Lee/Divulgação)
A escalada da crise do coronavírus promete impactar a cacauicultura, principalmente com a redução da diferença entre o volume produzido no Brasil e a demanda da indústria processadora.
"O risco é que as moagens tenham uma queda substancial, e aí poderia surgir uma situação de superávit de produção. Mas, por enquanto, ainda é um cenário incerto", afirma Thomas Hartmann, analista de mercado e sócio da TH Consultoria e Estudos de Mercado.
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Tanto os produtores quanto fontes do mercado consultados pela Globo Rural alertam que é prematuro traçar uma perspectiva, já que a colheita da safra temporã começa entre o fim deste mês e o início de maio e vai até meados de setembro.
Mas o que deve ditar o tom da moagem – e, por consequência, da produção de chocolate neste ano – é entender quanto tempo será necessário continuar com a quarentena e seguir apenas com o funcionamento de serviços essenciais.
Mudança no processamento
Antônio César Costa Zugaib, chefe de Planejamento e Projetos sociais da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac) acredita que o cultivo de cacau manterá o mesmo ritmo. "A produção da amêndoa continua. O que pode mudar é o uso no processamento, com a fabricação de liquor, manteiga e o pó de cacau, na industrialização do chocolate e na distribuição aos consumidores", analisa.
Anna Paula Losi, diretora executiva da Associação Nacional das Indústrias Processadoras de Cacau (AIPC), órgão formado por Cargill, Barry Callebaut e Olam, que correspondem por 97% da compra e moagem de cacau no Brasil, entende que há um redirecionamento no uso da matéria-prima pelo mercado.
O que a gente percebe é a migração no uso dos insumos, já que os produtos são usados também em achocolatados, biscoitos e bebidas lácteas, que continuam sendo consumidos
Anna Paula Losi, diretora executiva da AIPC
Ela ressalta, porém, que ainda é cedo para projeções, pois depende de quanto vai durar a quarentena. Também explica que o maior problema para a indústria processadora foi no começo de março. É que, com a intensificação do isolamento, houve restrição no deslocamento de veículos, dificultando as entregas – o que foi resolvido posteriormente.
A porta-voz da associação diz que as fábricas adotaram medidas de segurança visando manter a produção, como a higienização de ônibus, checagem da temperatura de funcionários e restrição de pessoas no mesmo ambiente.
Henrique Almeida, ex-presidente e membro do conselho superior da Associação dos Produtores de Cacau (Foto: Ana Lee/Divulgação)
Produção mantida
Nos últimos cinco anos, o nível de moagem da amêndoa na indústria tem oscilado pouco, entre 216,5 mil a 220,2 mil toneladas por ano, segundo dados da AIPC. A importação de cacau feita por essas indústrias foi de 56 mil toneladas no ano passado, cerca de 6,3 mil a menos do que em 2018.
Embora levantamento do IBGE aponte 252,5 mil toneladas no ano passado, a indústria estima um número bem inferior, de 179,3 mil toneladas no período. Daí a necessidade de comprar amêndoa de outros países para suprir a demanda e produzir chocolates e derivados no mercado interno.
A indústria não vai parar de comprar, mas não há como prever preços
Henrique Almeida, ex-presidente e membro do conselho superior da APC
Ex-presidente e membro do conselho superior da Associação dos Produtores de Cacau (APC), o produtor Henrique Almeida espera colher entre 7 a 8 toneladas na safra que começa neste mês, um volume até 30% superior ao ano passado. Da sua produção de 12 a 15 toneladas por ano na Fazenda Sagarana, no sul da Bahia, 45% é de cacau de alto padrão, voltado ao mercado Bean to Bar (do grão à barra).
Almeida diz que a forte alta do dólar deve encarecer o custo de insumos, mas não teme a falta de demanda para a amêndoa. A cotação da commodity na Bolsa de Nova York saiu de US$ 2.900 por tonelada em meados de fevereiro para cerca de US$ 2.200 atualmente, segundo a TH Consultoria e Estudos de Mercado.
Logística
O produtor Tuta Aquino explica que a pandemia impôs restrições em relação ao deslocamento de funcionários e à entrega de insumos, mas não afetou a produção de cacau. “Os trabalhos na fazenda, por estar mais isolada, continuam acontecendo”, diz.
Ao lado da mulher Juliana, ele é dono da Vale Potumuju, propriedade localizada no sul da Bahia que deve produzir entre 15 a 20 toneladas de cacau na próxima safra, em uma área de 60 hectares. Dessa quantidade, entre cinco a sete toneladas são de amêndoas de alto padrão.
Tuta e Juliana Aquino (Foto: Ana Lee/Divulgação)
No Brasil, a Vale Potumuju é uma das fornecedoras da Barry Callebaut. Mas, como o foco dos produtores é alta qualidade, as vendas não se limitam ao mercado interno. O principal cliente no exterior é a Dandelion Chocolate, rede de lojas em São Francisco, na Califórnia (EUA), focada em chocolate gourmet.
“Eles usam cacau de todos os mercados no mundo, mas não tinham amêndoas de origem brasileira. Nós apresentamos o produto e fechamos um compromisso para o fornecimento de 3 toneladas anuais”, conta Tuta.
Entrega ao consumidor
Para os chocolate makers, que usam a amêndoa produzida em suas propriedades na elaboração das barras, uma das dificuldades com a crise do coronavírus será reorganizar a logística das entregas. “Com as restrições nas estradas e sem o funcionamento de aeroportos, o empecilho é fazer com que esse chocolate chegue ao consumidor final”, alerta Tuta.
Como ele é o responsável pela fazenda, sua mulher cuida da marca produzida com as amêndoas da propriedade, a Baianí Chocolates. Ela explica que a Páscoa não tem o mesmo peso para o segmento como para quem trabalha com chocolate tradicional. Ainda assim, é um momento de maior visibilidade.
O Bean to Bar (do grão à barra) ainda não tem a mesma realidade do chocolate industrial, mas algumas marcas aumentam as vendas em até 50% nessa época
Juliana Aquino, dona da Baianí Chocolates
Além de linhas de produtos especiais durante a Páscoa, os produtores de chocolate têm feito eventos. O principal deles é o Festival Internacional do Chocolate e Cacau, em Ilhéus, Belém e São Paulo. No entanto, a edição na capital paulista foi esvaziada porque ocorreu entre 12 e 14 de março, quando a pandemia ganhou escala no país.
A expectativa era receber até 15 mil pessoas, mas foram só cerca de 4 mil visitantes, sendo que o último dia acabou cancelado. “Estava tudo contratado, não era possível cancelar”, afirma Marco Lessa, organizador do festival e proprietário da Chor Chocolate de Origem.
Marco Lessa (Foto: Ana Lee/Divulgação)
Market place
Para reverter o cenário e amenizar os impactos da crise, Lessa planeja lançar em maio uma plataforma de market place do festival que seria inicialmente anunciada em junho, durante a edição de Ilhéus, na Bahia.
As vendas funcionam da seguinte maneira: ao participar de uma edição como marca, o produtor de chocolate pode comercializar suas barras no espaço virtual durante todo o ano seguinte.
A nossa intenção é fazer um trabalho que vai além da venda do chocolate. Queremos trazer às pessoas a história sobre os cuidados com o processo de produção daquilo que é consumido. Dessa forma, criamos uma proximidade junto aos consumidores
Marco Lessa, dono da Chor Chocolate de Origem
“Em tempos de crise, os consumidores temem pedir a mais do que o costume. Então, nós acabamos tendo excesso de estoque e a produção é menor. Por isso, estamos sempre procurando alternativas”, completa.
Source: Rural