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Segmento tenta reforçar imagem de "artigo de luxo" junto aos consumidores (Foto: Marcelo Curia/Globo Rural)

 

Nunca uma pele bovina crua ou verde valeu tão pouco. Precisamente R$ 0,40 por quilo. Como a pele dos animais recém-abatidos é um estorvo para os frigoríficos, os curtumes acabam pagando menos de US$ 10 por peça que, após processamento de cerca de um mês, será couro vendido por não menos de US$ 150.

Bom negócio? Nem tanto. Enquanto a carne segue dando bom dinheiro aos criadores e exportadores, o segmento de couro atravessa uma crise que se reflete no declínio dos números.

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Em 2014, o Brasil embarcou 220 milhões de metros quadrados de couros, o equivalente a 32 milhões de peças, e obteve receita de US$ 3 bilhões. Em 2018, a exportação caiu para 180 milhões de metros quadrados e a receita não passou de US$ 1,4 bilhão.

A crise que nas duas últimas décadas fechou centenas de fábricas de calçados atingiu também a indústria de beneficiamento de peles bovinas, o que levou o Centro das Indústrias de Curtumes do Brasil (CICB) a recorrer à esquecida Lei do Couro, de 1965, segundo a qual só produtos de origem animal podem ser chamados de couro.

Info sobre couro (Foto: Estúdio de Criação)

 

O uso do substantivo “couro” associado a qualquer adjetivo como “sintético” ou até mesmo “legítimo” pode dar origem a processos judiciais por falsificação. Briga que o CICB ainda não comprou.

“Nós não temos poder para multar ou interditar empresas, mas notificamos extrajudicialmente quem contraria a Lei do Couro”, diz Ricardo Michaelsen, consultor do CICB que há cinco anos percorre o Brasil fazendo um trabalho de vigilância e esclarecimento.

Processamento no Curtume Minuano (Foto: Marcelo Curia/Globo Rural)

 

As blitze de qualidade vêm dando bons resultados. Michaelsen explica que os curtumes (são 250 no Brasil e 80 no Rio Grande do Sul) não têm consenso nem recursos para custear uma campanha institucional sobre as vantagens do couro em suas múltiplas aplicações nas indústrias de calçados, bolsas, estofados e automóveis.

Resta o esforço para convencer os consumidores e processadores de couro de que a pele curtida de um animal é um produto orgânico excepcional que não se compara a sintéticos de origem petroquímica.

O couro não perdeu a imagem de produto “nobre”, mas os curtumes ainda carregam o estigma de vilões ambientais. Pouca gente sabe que nas últimas três décadas, por falta de condições ambientais ou econômicas, 600 curtumes deixaram de operar no Brasil, conta José Fernando Bello, presidente executivo do CICB, salientando que desde 2017 toda indústria do ramo precisa submeter-se à inspeção federal, como os frigoríficos.

Fábrica de calcados em Igrejinha (RS) (Foto: Marcelo Curia/Globo Rural)

 

Curtimento

Por exigências da legislação ambiental, desde os anos 1980 o Brasil vem adotando técnicas alternativas de curtimento de peles. Uma delas é o uso de enzimas que ajudaram a reduzir à metade o emprego do cromo, cujos resíduos são aproveitados pela indústria de fertilizantes.

Também se usa menos sal para desidratar as peles e caiu o consumo de água – reciclada e/ou tratada antes de ser devolvida à natureza. Agora, por exigência de fabricantes de artigos de couro como a calçadista Usaflex, que fabrica 20 mil pares de sapatos por dia, os curtumes estão sendo pressionados a certificar seus produtos.

Sustentabilidade

Na primeira quinzena de novembro passado, mais de 200 técnicos participaram de um seminário sobre sustentabilidade realizado em Estância Velha, no Vale do Rio dos Sinos (RS). Ouviram conselhos de cinco especialistas sobre o lugar do couro no mundo hiperconectado em que vivem os consumidores do século XXI.

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Celso Schwingel, gerente da Stahl, fabricante de insumos para curtumes

Nas palavras de Christiano Neves Coelho, consultor de marcas, “a sustentabilidade não se restringe apenas ao aspecto ambiental: deve-se construir também relações pessoais e sociais sustentáveis”.

Artigo de luxo

Dentro de uma visão ampla de sustentabilidade, entendida como um processo que abrange desde o esboço original do produto até o descarte dos resíduos da fabricação, “o lixo é um erro de design”, radicalizou o publicitário Walter Rodrigues, paulista que há seis anos se mudou de São Paulo para Caxias do Sul a fim de melhorar a qualidade de vida.

Focado no Inspiramais, evento de design de materiais que se realiza duas vezes por ano em São Paulo, Rodrigues acredita que é possível situar o couro no mercado consumidor como “artigo de luxo”, mas, para chegar a esse patamar, a indústria de curtumes precisará aprender a enfrentar os materiais alternativos apresentados nas últimas décadas em decorrência das inovações tecnológicas.
Source: Rural

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