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(Foto: Fernando Martinho)

 

Às 6 da tarde, o sol começa a cair lentamente no horizonte, tingindo de dourado as águas do Juruena, no norte de Mato Grosso. Enquanto a balsa não chega, você pode escolher entre assistir ao belo crepúsculo à beira do rio e ser devorado pelos vorazes piuns e se refugiar das picadas no ar-condicionado da camionete.

De Alta Floresta até o cais da balsa do Juruena, em Nova Bandeirantes, levamos três horas e meia para vencer os 230 quilômetros da MT-208. Embora recém-asfaltada, a estrada está toda esburacada. A travessia do rio leva 40 minutos. Aí temos mais uma hora para enfrentar os 55 quilômetros de estrada de chão até Cotriguaçu, município com cerca de 20 mil habitantes.

Aproveito o tempo para entrevistar Eduardo Darvin, de 38 anos, que dirige o carro. Biólogo formado pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), de Botucatu (SP), Eduardo trabalhou em dois biomas (Mata Atlântica e Cerrado) antes de chegar, há seis anos, à Amazônia, onde coordena o projeto Redes Socioprodutivas, do Instituto Centro de Vida (ICV), em Alta Floresta.

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“Em apenas um ano, nosso trabalho já resultou no aumento de renda para sete organizações comunitárias. É uma amostra de como o incentivo e o fortalecimento à produção da agricultura familiar e ao extrativismo podem impactar positivamente as comunidades que vivem perto da floresta”, diz Eduardo.

Com recursos do Fundo Amazônia, que pode ser extinto, o projeto abrange seis cadeias socioprodutivas: castanha, babaçu, hortifrutigranjeiros, leite, cacau e café. O ICV trabalha com associações e cooperativas de agricultores familiares em municípios do norte e do noroeste do Estado.

Veridiana Vieira, a Verê, líder dos coletores de castanhas-do-Brasil em Cotriguaçu (Foto: Fernando Martinho)

 

As redes trabalham com toda a cadeia, da produção ao consumo. “O objetivo é apoiar os grupos comunitários e as práticas de produção sustentável para melhorar o padrão de vida das famílias e manter a floresta em pé”, afirma Eduardo.  Até 2020, o trabalho deve levar transformações a todas as 20 organizações comunitárias envolvidas no projeto, inclusive com a certificação dos produtos agroflorestais da agricultura familiar. Isso se a Alemanha e a Noruega revirem sua posição de suspender suas contribuições ao Fundo Amazônia.

CASTANHA-DO-PARÁ

Na manhã seguinte, acompanhamos a coleta de castanha-do-brasil na Fazenda Rio Fortuna. O trabalho na floresta começa às 5h30 e vai até o meio da tarde, quando escurece. O grupo, normalmente de quatro pessoas, sai do acampamento em motos e leva cerca de uma hora para chegar à mata.

Depois de recolherem os ouriços caídos no chão, eles quebram os cocos para retirar as castanhas. O barulho dos facões ecoa na mata. “É uma terapia. Enquanto quebramos os cocos, a gente conversa sobre tudo, até sobre problemas de família”, diz Veridiana Vieira, de 38 anos, a Verê, líder do grupo.

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Veridiana trabalha há seis anos na Fazenda Rio Fortuna. Ela é presidente da associação de coletores de castanha da região. Todos que trabalham na coleta são agricultores que moram num assentamento de Cotriguaçu. Eles trabalham em fazendas particulares, cedidas pelos proprietários para a coleta de castanha. “Aqui é uma área de manejo florestal madeireiro. Hoje, tem dois grupos aqui: um que colhe a madeira e outro que coleta a castanha. Podia ter outros, colhendo babaçu, copaíba, sementes”, explica Verê.

“O que é a floresta para você?”, pergunto. “É  minha casa, o futuro dos meus filhos e dos meus netos. Daqui eu tiro o estudo das filhas, meu sustento. Sessenta por cento da minha renda vem da floresta. Hoje, o extrativismo não é sobrevivência. A gente consegue um salário de R$ 2 mil por mês nesse trabalho”, diz Verê, apontando para João Lacerda dos Santos, de 58 anos, que antes da castanha fazia cerca e roçado, “tudo o que aparecia pela frente, menos roubar e matar”, e hoje trabalha na sombra, tirando o dobro do que ganhava.

 

O pecuarista Mauro Lúcio Costa, de Paragominas (PA) (Foto: Rogério Albuquerque/Ed. Globo)

 

A principal demanda dos coletores hoje é a construção de um barracão para armazenar e beneficiar as castanhas. Isso vai agregar mais valor ao produto. O projeto já foi aprovado pelo gestor do Fundo Amazônia e tem até contrato assinado. “A expectativa era iniciar as obras em janeiro. Mas o repasse está atrasado”, diz Eduardo Darvin.

BIODIVERSIDADE

A castanha é um bom exemplo da bioeconomia da floresta. “O maior potencial da Amazônia é sua biodiversidadde”, diz o cientista Carlos Nobre, do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (leia entrevista nesta edição). A floresta tem açaí, pupunha, amêndoa de cacau, andiroba, manteiga de murumuru, borracha, babaçu, café, cupuaçu, guaraná, óleo de maracujá e de palma, madeira, carne e pesca.

Há décadas, projetos criados por ONGs, empresas e associações, em meio a uma agenda positiva para o bioma, associam negócios com responsabilidade social e ambiental, beneficiando a produção agroflorestal e a conservação dos recursos naturais. Quando as disputas entre produtores rurais e ambientalistas cedem lugar para parcerias, todos ganham.

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Uma das iniciativas mais antigas da Amazônia, o Projeto Reca (Reflorestamento Econômico Consorciado Adensado), fundado em 1989, é uma cooperativa que incentiva o plantio sustentável na região, que produz frutos nativos em sistemas agroflorestais.

Em 1992, eles fundaram a unidade de beneficiamento. Por meio do Reca, os 109 produtores cadastrados recebem pagamentos anualmente pela preservação dos sítios e chácaras onde produzem, espalhados por 5 mil hectares em Rondônia, no Acre e no Amazonas.

Vando Telles, sócio e diretor executivo da empresa Pecsa (Foto: Divulgação)

 

Quem paga é a empresa de cosméticos Natura, dentro do projeto pioneiro Carbono Zero, iniciado em 2013. O plano é zerar o desmatamento na área até 2038 e se tornar uma empresa carbono neutro, visando reduzir as emissões de gases de efeito estufa em toda a sua cadeia produtiva. Desde 2001, a Natura compra manteiga de cupuaçu produzida pelos cooperados e beneficiada pela Reca para fabricar sua linha de produtos baseados em óleos e essências da floresta.

Após monitoramento e auditorias, a Natura paga um valor pelo total de hectares em que o desmatamento foi evitado. Metade fica com a cooperativa e a outra metade é dividida entre os produtores.

PECUÁRIA VERDE

No Pará, a organização não governamental norte-americana The Nature Conservancy (TNC) desenvolve projetos de pecuária verde e sistemas agroflorestais de cacau. Com 117 produtores, o projeto Cacau Floresta aumenta em até 30% a renda das famílias.

Em Paragominas, o projeto Pecuária Verde, com o apoio das ONGs Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) e da TNC, do Fundo Vale e da Dow AgroSciences, além de consultoria de pesquisadores da Escola Superior Luiz de Queiroz (Esalq/USP) e da Universidade Estadual Paulista (Unesp), aumentou a lotação de gado das pastagens em seis a oito vezes em comparação com a média estadual, de 0,6 cabeça por hectare.

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Em 2007, Paragominas era líder em desmatamento, com 43% de seu território devastado. O município era conhecido como “Paragobala”, uma referência às ocorrências policiais rotineiras. O alto índice de derrubada da floresta bloqueava o acesso aos financiamentos e benefícios fiscais. A situação se complicou em 2008, quando a Operação Arco de Fogo da Polícia Federal, de combate à extração e venda clandestina de madeira na Amazônia Legal, resultou em prisões e no fechamento de diversas empresas madeireiras e agropecuárias.

 

O produtor Giocondo Vale na Fazenda Don Aro, em Machadinho d’Oeste (RO) (Foto: Adriano Acorsi/Ed. Globo)

 

A reportagem de Globo Rural visitou Paragominas em 2010, quando o município comemorava o fato de ser o primeiro a sair da lista negra do desmatamento do Ministério do Meio Ambiente. Na época, era o único da Amazônia a monitorar o desmatamento por satélite. Fomos conhecer os resultados do Programa Municípios Verdes, uma iniciativa que reuniu o sindicato de produtores rurais, a prefeitura municipal, ONGs e dezenas de entidades civis. Em quatro anos, o município reverteu o desmatamento em 90% e conta com 66,5% de seu território de floresta nativa como área protegida.

Um dos entrevistados foi o pecuarista Mauro Lúcio Costa, então presidente do sindicato dos produtores rurais. Ele nos mostrou como foi possível conciliar o cuidado com o meio ambiente e o desenvolvimento econômico.

Mauro Lúcio levou a equipe da revista à sua fazenda. Lá, ele usava 20% da área da propriedade com pecuária. Os restantes 80% eram preservados. O rebanho era formado por 2 mil cabeças de nelore em sistema de rodízio de pastagem, o que fazia a taxa de lotação atingir 2,5 bois por hectare, enquanto a média estadual era irrisória (de 0,6 cabeça por hectare).

Em pouco tempo, 11 cidades aderiram ao programa Município Verde, criado pelo governo do Pará com base nas ações adotadas em Paragominas, que reduziram o desmatamento a menos de 40 quilômetros quadrados ao ano.

Produtor carrega cachos de pupunha colhidos na Reca, em Rondônia (Foto: Marcelo Curia/Ed. Globo)

 

CRIAÇÃO INTEGRADA

Outra prova de que a criação de gado pode combinar com preservação ambiental é a iniciativa da Pecsa (Pecuária Sustentável da Amazônia), empresa fundada em 2015 que recebeu um aporte de capital de 11,5 milhões de euros (R$ 52,5 milhões ao câmbio atual) do fundo climático europeu Althelia Climate Fund. Foi o primeiro investimento privado internacional feito no Brasil em um programa comprometido com a produção de carne sem desmatamento.

A criação integrada e de forma sustentada, sem derrubar nem sequer uma árvore da Floresta Amazônica, tem garantido lucro a seis fazendas do município de Alta Floresta, no extremo norte de Mato Grosso. Vando Telles, sócio e diretor executivo da Pecsa, explica que 10 mil hectares de pastagens degradadas já foram recuperados e manejados com técnicas modernas. Os animais alcançam as 21 arrobas aos 21 meses de idade, enquanto a média nacional varia entre 36 e 40 meses. “A produtividade por arroba também é excelente. Atingimos 25 arrobas por hectare ao ano. No país, em média, são 4 arrobas por hectare ao ano”, diz Vando.

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Ele afirma que o sistema provou que é possível aumentar os lucros da pecuária sem desmatar a floresta. O produtor oferece a terra, as instalações e o gado, e a Pecsa entra com tecnologia de ponta, gestão financeira e investimentos em melhorias.

O projeto segue o manual de boas práticas agropecuárias desenvolvido pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). A integração é respeitada e seguida à risca. Os animais não bebem água em cursos d’água, e sim em bebedouros artificiais. Assim, rios e ribeirões são preservados.

Atualmente, a empresa conta com seis fazendas, num total de 10 mil hectares, e 25 mil cabeças de gado. A intenção é que, até 2022, o projeto atinja 70 mil hectares na Amazônia. Os produtores têm parte na rentabilidade final do negócio, com a porcentagem dependendo do investimento inicial.

Em Rondônia, onde o desmatamento triplicou neste ano, o farmacêutico Giocondo Vale integra produção de grãos, criação de bovinos e floresta para cobertura vegetal. Em 2017, ele foi  vice-campeão do Prêmio Fazenda Sustentável, promovido por Globo Rural. Em plena região amazônica, a Fazenda Don Aro, em Machadinho d’Oeste, possui uma área de 1.595 hectares, dos quais 650 são preservados. “Produzir no bioma não é fácil, mas é perfeitamente possível”, diz Gioconco. Dentre os trechos de reflorestamento iniciados pelo produtor, foram plantadas há 20 anos mais de 12 mil árvores de teca. Outras 12 mil espécies arbóreas foram plantadas há cerca de dez anos.

*Colaboraram Sebastião Nascimento, Venilson Ferreira, Alana Fraga e Eliane Silva

 

 
Source: Rural

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