Skip to main content

Da esq. para a dir., Geraldo Maia e os irmãos Mateus e Rafael Delalibera, na Pink Farms (Foto: Rogerio Albuquerque)

 

A poucos metros da Marginal Tietê, em São Paulo, a via mais movimentada do Hemisfério Sul, em meio ao barulho ensurdecedor de motos, carros e caminhões, está brotando um negócio totalmente incomum ao ambiente urbano: uma fazenda, sem porteira, sem cercas de madeira nem terra.

A safra de hortaliças cresce dentro de um galpão, onde há uma estrutura com oito níveis (em cada um, as plantas são tratadas com tudo o que precisam para a fase de desenvolvimento) e 7 metros de altura. É a primeira fazenda vertical urbana e comercial da América Latina, com cerca de 200 metros quadrados de área produtiva. O negócio hi-tech se enquadra em boa medida ao sistema hidropônico, mas tem adaptações.

+ Horta urbana: cinco vegetais para plantar com pouco espaço

As plantas são cultivadas em um ambiente totalmente controlado, fechado, e alimentadas por luzes de LED azul e rosa, que simulam a luz do sol e aceleram a fotossíntese. Água e adubo são fornecidos em doses exatas e os agrotóxicos são dispensados nesse sistema.

As pessoas que entram no local precisam vestir toucas, máscaras, botas ou protetores de calçados – tudo para evitar a contaminação das plantas. A produção é 100% orgânica: entra na fazenda em forma de semente e sai embalada, pronta para consumo, sem necessidade de lavagem e quase nenhum contato humano. As alfaces que aparecem na foto de capa e nesta reportagem não retornaram ao sistema: foram descartadas após a sessão de fotos.

Microgreens de rúcula (Foto: Rogerio Albuquerque)

 

Por causa das cores predominantes, o negócio foi batizado de Pink Farms. A empresa foi criada por três jovens empreendedores: Geraldo Maia, de 28 anos, engenheiro de produção, e os gêmeos Mateus e Rafael Delalibera, de 30, ambos formados em engenharia elétrica. Antes de iniciarem o primeiro plantio em escala, ao final de abril, eles passaram ao menos três anos pesquisando e testando o modelo e, quando encontraram a fórmula ideal, ainda tiveram de vencer a burocracia, devido ao ineditismo do negócio.

“A gente teve de passar por um longo processo para ter uma empresa de agricultura dentro de São Paulo. A cidade não previa que haveria um CNPJ puramente agrícola e de sociedade anônima, por isso pedimos um novo enquadramento de atividade e passamos por várias áreas. Demorou um ano na prefeitura”, conta Geraldo. “Abrimos o caminho. Agora, qualquer empresa que quiser fazer isso aqui já está aprovada”, complementa Mateus.

O trio decidiu criar o negócio em 2016, após uma curta passagem por startups. Eles tinham em comum a vontade de ter a sua própria empresa de inovação, mas numa área diferente e pouco explorada no Brasil. “Discutimos o que poderíamos fazer. Percebemos que aqui os negócios estão muito focados em serviços, e-commerce e marketplace. Já a parte de novas tecnologias, o desenvolvimento de novos processos, produtos, coisas físicas, não são muito fortes, e era o que mais nos interessava fazer”, conta Rafael.

A ideia de entrar no mundo das agtechs, as startups do agro, veio de uma pesquisa feita por Mateus sobre a “open agriculture”, uma espécie de comunidade internacional que busca acelerar a inovação agrícola digital, com tecnologia e sustentabilidade, e promove a experimentação, educação e compartilhamento em rede. “Achamos muito interessante e juntava com a parte que nós três tínhamos contato, que era o meio agropecuário”, diz Rafael. Ele e o irmão são netos de produtor rural e Geraldo tem primo e tio ligados ao setor.

Por causa das cores predominantes, o negócio foi batizado de Pink Farms (Foto: Rogerio Albuquerque)

 

Os três mergulharam de cabeça no projeto. Pesquisaram o que estava sendo feito mundo afora até que conheceram o método de produção agrícola indoor, em ambiente controlado, no Japão. Estudaram toda a (pouca e recente) literatura disponível sobre o assunto e partiram para a prática. No início de 2017, decidiram investir R$ 100 mil para montar uma fazenda vertical piloto, de 20 metros quadrados. Alugaram uma sala em Jundiaí (SP) e lá fizeram uma espécie de laboratório. Foi também o ponto de partida para pensar em alavancar a produção em escala comercial. Mas havia um empecilho: o preço da tecnologia. Os painéis de LED precisariam ser importados e custariam de R$ 4 mil a R$ 4.500 o metro quadrado, o que inviabilizaria o negócio.

Colocaram as três mentes de engenheiros para pensar e, ao se aprofundarem na tecnologia, descobriram que o imposto para a importação das luminárias era muito maior em relação ao da importação dos LEDs em componentes fragmentados. “Assim conseguimos construir o projeto especificamente para nosso uso, utilizando o conhecimento que tínhamos. Ganhamos eficiência e cortamos intermediários”, diz Rafael. Com a estratégia, a primeira versão do sistema caiu para R$ 550 o metro quadrado.

Na estrutura de Jundiaí, os engenheiros testaram tudo o que foi possível – temperatura, umidade, CO2, potência das luzes, etc. – e, quando chegaram à fórmula perfeita, os resultados surpreenderam. As alfaces produzidas no ambiente controlado finalizaram o ciclo entre 35 e 40 dias, da fase inicial à colheita. No campo, segundo pesquisa feita pelos empreendedores, o tempo varia de 55 a 70 dias, considerando o plantio de mudas pequenas. Com mudas maiores, no campo, as alfaces ficam prontas para consumo em 40 dias, em média. “Estamos falando de 11 a 12 ciclos (safras) por ano, comparado a seis, sete a céu aberto”, diz Rafael.

“É como se tivéssemos aqui oito hortas de chão, uma em cada nível, e muito mais produtivas, porque nesse método conseguimos explorar todo o potencial da planta”, resume Geraldo.

Depois da validação tecnológica, os três empreendedores foram buscar investidores e, em seis meses, conseguiram levantar R$ 2 milhões de dois fundos de capital de risco. O valor viabilizou a construção da fazenda vertical em São Paulo, que nesta primeira fase prevê colher 135 toneladas de hortaliças, e fez crescer a equipe. Hoje, dez pessoas trabalham na Pink Farms, incluindo um agrônomo. A primeira safra, colhida em maio, foi de microgreens, miniplantas usadas em decoração de pratos e receitas, e está sendo vendida em alguns empórios.

 

O verde (jardins, hortas verticais e horizontais) está em todos os ambientes da Pasona, no Japão (Foto: Divulgação)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Tendência Mundial 

A primeira fazenda urbana comercial de São Paulo chega para somar-se a outros diversos projetos que estão ganhando o mundo. As iniciativas são diversas na Europa, Ásia e Américas. Em Nova York, telhados verdes cada vez mais ocupam o topo dos prédios, além de produzirem alimentos. No Brasil, isso também tem conquistado mais gente e empresas. O movimento, segundo pesquisadores e especialistas, é irreversível, diante do desafio de alimentar uma população crescente, cada vez mais preocupada com o que consome e interessada em estreitar sua relação com a produção alimentar. A FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) estima que cerca de 800 milhões de pessoas no mundo estão envolvidas com a agricultura urbana, seja cultivando uma horta no quintal de casa ou num cantinho do apartamento. “É um mecanismo muito eficaz para complementar o acesso à alimentação saudável, que permite maior proximidade dos consumidores com produtos frescos. Também pode promover emprego, geração de renda, inclusão social e uma maneira de tornar as cidades mais verdes”, comenta Guido Santini, coordenador do programa Food for the Cities, da FAO, que fica em Roma, na Itália.

Para a entidade, que pesquisa e incentiva esse tipo de ação há décadas em todo o mundo, não existe uma solução padrão e unicamente eficaz. Todos os modelos praticados atualmente, sejam comunitários, individuais ou comerciais, são válidos. O que importa é que sejam sustentáveis.  Outro consenso é que a agricultura urbana não ameaça o sistema tradicional de produção de alimentos nas fazendas horizontais.

+ Agricultura urbana: seis dicas para montar uma horta em casa

Na visão do pesquisador e ex-presidente da Embrapa Maurício Lopes, esse movimento de urbanização da produção de alimentos pode ser uma oportunidade inclusive para o agro repensar as cidades agrícolas. “A gente precisa pensar além das fazendas de milhares de hectares. Isso vai seguir sendo importante, mas tem um outro mundo a ser explorado.” Ele questiona por que cidades como Sinop e Sorriso (MT) não levam a agricultura também para dentro da cidade e trabalham a educação de jovens, por exemplo.

“Não faz sentido nenhum os municípios tão fortemente agrícolas importarem hortaliças de São Paulo, e com pessoas ali na borda da cidade excluídas. É uma oportunidade de bem-estar, de esverdear as cidades, de lidar melhor e dar finalidade correta aos resíduos que geramos. É dar oportunidade de as pessas terem contato com o alimento. Por mais que a cidade nos ofereça atrativos, estamos sempre querendo essa relação com a natureza. Isso faz parte da atividade humana. O movimento é inexorável,” diz.

 

 

 

Produzir alimentos na cidade e em ambientes inusitados também é uma maneira de mostrar às pessoas que é perfeitamente possível dar uma destinação correta, sustentável, aos resíduos. Uma prova disso é a horta orgânica do Edifício Pátio Victor Malzoni, em São Paulo, considerada a primeira construída em subsolo no país. Inaugurada em março de 2016, a horta usa iluminação artificial e foi criada com o objetivo de fechar um ciclo de sustentabilidade do condomínio.

Horta orgânica do Edifício Pátio Victor Malzoni, em São Paulo (Foto: Rogerio Albuquerque)

 

Todos os resíduos orgânicos gerados nos restaurantes e empresas do edifício passam por uma usina de compostagem e viram adubo para a horta. As colheitas são quinzenais e rendem de dez a 11 tipos de temperos diferentes. Quem quiser levar um pouco da safra para casa precisa levar lixo reciclável e depositar no “ecoponto” instalado ao lado da horta. “A horta é educativa. Ali fazemos atividades com crianças e, só no ano passado, recebemos mais de 3 mil visitantes. Também temos um curso que ensina como fazer horta em casa e uma vez por mês organizamos um jantar na horta com um chef de pegada mais raiz e convidamos as pessoas para entenderem a história da gestão de resíduos”, explica Flávio Engel, responsável pela ideia.

A horta, que exigiu um investimento de R$ 4 mil e hoje ocupa de 12 a 16 metros quadrados, será ampliada em outubro. Segundo Flávio, ela vai dobrar de tamanho e passará a produzir chás, além de temperos.

 

Em Tóquio, no Japão, o edifício de nove andares da Pasona, uma empresa de recrutamento de pessoas, ficou famoso no mundo inteiro por um projeto audacioso do arquiteto e designer Yoshimi Kono. A fachada do prédio tem folhas e galhos surgindo entre as janelas. O jardim vertical ajuda a absorver aproximadamente 2 toneladas de dióxido de carbono por ano. Lá dentro, uma área verde ocupa 4 mil metros quadrados e conta com mais de 250 espécies de plantas frutíferas, hortaliças, flores, arroz e legumes.

+ Imigração japonesa completa 111 anos no Brasil

Em Tóquio, no Japão, o edifício de nove andares da Pasona, uma empresa de recrutamento de pessoas, ficou famoso no mundo inteiro por um projeto audacioso do arquiteto e designer Yoshimi Kono (Foto: Divulgação)

 

 

+ Produtor brasileiro vira rei da cebolinha no Japão

A fazenda produz até 30 mil legumes e hortaliças por ano, que são destinados aos  2 mil funcionários da empresa. No ano passado, o projeto cresceu  e um dos andares da sede passou a abrigar vacas, cabras, alpacas e porcos. São 60 animais, incluindo corujas e flamingos. Os funcionários e os visitantes podem interagir com os animais e aprender sobre a origem e comportamento dessas espécies em seminários realizados pela companhia. As vacas  já estão produzindo leite em pequena escala, mas o suficiente para os visitantes poderem provar do alimento direto da fonte. “Os produtos cultivados nas fazendas geralmente são enviados a grandes distâncias para chegar a uma mercearia, consumindo combustíveis fósseis no processo. A produção no centro da cidade reduz a emissão de carbono e os ambientes controlados tornam os produtos mais seguros”, diz Scott Saito, CEO da Pasona.

Johny Sasaki, do Japão

 

Frank Petrovcic cria abelhas há cerca de sete anos no terraço de dois prédios no centro de Liubliana, capital da Eslovênia. Ele é um dos pioneiros da apicultura urbana, atividade que vem conquistando adeptos em cidades de várias partes do mundo, como Madri, Melbourne, Paris e Hong Kong. Abelha é uma instituição nacional na Eslovênia.

+ Máquina vende leite fresco da fazenda em praça da capital da Eslovênia

O Museu Etnográfico em Liubliana reserva meio andar para contar a história da apicultura eslovena. O país tem hoje mais de 10 mil apicultores, 12.500 apiários e cerca de 17 mil colmeias da abelha carniolan, uma espécie típica da região, superpacífica e resistente (sobrevive a temperaturas abaixo de zero). Frank Petrovcic fez adeptos em Liubliana. Há 350 apicultores e mais de 5 mil colmeias na cidade, que lançou uma marca própria de mel, com selo de indicação geográfica.

Frank Petrovcic cria abelhas há cerca de sete anos no terraço de dois prédios no centro de Liubliana, capital da Eslovênia (Foto: AFP Photo/ Hrvoje Polan)

 

Em Paris, as abelhas conquistaram o topo de edifícios históricos, como a Ópera Garnier. Há cerca de 1.000 colmeias espalhadas pela capital francesa. Elas estão também na Place de la Concorde e às margens do Sena. As três colmeias que ocupavam o telhado da Notre-Dame conseguiram escapar ilesas ao incêndio que destruiu boa parte da catedral em abril último.
No Brasil, a criação de abelhas na cidade é uma prática ainda pouco explorada. A Embrapa afirma que é totalmente possível criar os insetos sem ferrão em casa, desde que sejam tomados alguns cuidados básicos, como escolher abelhas nativas de outras regiões.

Bruno Blecher, da Eslovênia.

 

Em uma das prateleiras do Whole Foods Market, em Londres, algumas saladas frescas trazem na embalagem uma peculiaridade: “Essas saladas são cultivadas em antigos abrigos antiaéreos e túneis de 1940, 33 metros abaixo do solo, em Clapham Common, Londres”.

Parece roteiro de filme futurista. E foi. A Growing Underground surgiu quando o então estudante de cinema Richard Ballard resolveu fazer um filme sobre as cidades do futuro. A iniciativa virou uma nova ideia de negócio: 6 mil metros quadrados  – dos quais 500 metros são de área cultivada permanentemente. Com um investimento de 2,3 milhões de libras, o antigo abrigo antiaéreo construído na Segunda Guerra Mundial virou uma fazenda urbana subterrânea, proporcionando condições para a produção de vegetais folhosos durante o ano inteiro. A fazenda usa o próprio calor gerado lá embaixo como fonte geradora dos sistemas hidropônicos e tecnologia LED.

Growing Underground surgiu quando o então estudante de cinema Richard Ballard resolveu fazer um filme sobre as cidades do futuro (Foto: AFP Photo/Daniel Leal-Olivas)

 

As temperaturas nunca ficam abaixo de 15 °C, enquanto as estufas de superfície precisam ser aquecidas. Assim, é possível fazer 60 colheitas por ano, em comparação com cerca de sete numa propriedade tradicional. A fazenda produz de 1 a 3 quilos de folhosas por metro quadrado semanalmente. A empresa fornece misturas de ervas e saladas – brotos de ervilha, cebolinha-de-alho, coentro, mostarda-vermelha, manjericão e salsa – para diversas redes de restaurantes da cidade. Para Richard Ballard, produzir alimentos dentro de Londres tem a vantagem de poder colher e entregar os produtos frescos em uma hora.

Alana Fraga, da Inglaterra

(Publicado originalmente na edição 405 da Revista Globo Rural, em julho de 2019)

Curte o conteúdo de Globo Rural? Agora você pode ler o conteúdo das edições e matérias exclusivas no Globo Mais, o app com conteúdo para todos os momentos do seu dia. Baixe agora!
Source: Rural

Leave a Reply