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Nilton Batista, 38 anos, peão profissional de rodeio há 15 anos, ganhador de várias provas e bicampeão do tradicional Rodeio de Americana (SP), não monta há um ano e três meses, desde o início da pandemia da Covid-19.

Ele conta que teve que se reinventar para pagar as contas: voltou para o sítio de 12 hectares que comprou em Suzanápolis (SP) com dinheiro de premiações e virou retireiro: ordenha vacas para pagar as contas. Em vez dos R$ 6 mil a R$ 40 mil que ganhava por mês nas montarias, a renda agora é de pouco mais de R$ 2 mil.

Sem público, arenas se transformaram e programação acabou migrando para transmissões on-line (Foto: Divulgação)

 

“Viajava todas as semanas e só vinha em casa para descansar. Com a pandemia, voltei para o meu sítio pensando que ia ser passageiro. Hoje, acordo às 5h para tirar o leite e sonho com a chegada da vacina para voltar a competir”, diz Batista. Ele começou a montar aos 18 anos, mas só se profissionalizou aos 24, depois de pedir demissão da fazenda em que trabalhava junto com o pai, com carteira assinada, cuidando de mais de 3 mil cabeças de gado nelore.

Rafael Ribeiro, 30 anos, enfrenta touros em arenas há oito anos. Em 2018, conquistou o título do Barretos International Rodeo, o mais importante do país. No mesmo ano, foi campeão do Circuito Rancho Primavera.

Desde a paralisação dos rodeios, ficou sem renda e passou a trabalhar como peão em fazendas. “Faço cerca, curral, vacino gado. Vou onde tem trabalho, mas o que eu ganho só dá para pagar as contas”, diz o atleta de Murutinga do Sul (SP), que vendeu a caminhonete de R$ 250 mil ganha em Barretos para comprar uma casa.

Nilson Batista ao lado dos filhos, no interior de São Paulo (Foto: Nilson Batista/Arquivo Pessoal)

 

Desde março de 2020, no Brasil, a engrenagem dos rodeios travou, como diz Esnar Ribeiro, 57 anos. Ele foi o primeiro brasileiro a ganhar um rodeio no Texas, em 1989. Aposentado das montarias desde 1993, ele passou a promover competições e trabalhar como comentarista. Produzia, por ano, pelo menos 15 e comentava outros 40. 

“Desde o ano passado, mesmo fazendo algumas lives de rodeio, perdi mais de 60% da renda. Muita gente do meio quebrou feio, tropeiros leiloaram touros, muitos peões voltaram a trabalhar com gado em fazenda ou se tornaram pedreiros e serventes da construção civil.”

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E com as restrições impostas pela pandemia, quem tenta realizar rodeios pode cair na fiscalização. No final de semana passado, a Polícia Militar de São Paulo flagrou uma competição clandestina, em Cedral, na região de São José do Rio Preto. Havia cerca de 120 pessoas aglomeradas, que foram dispersadas pelos policiais.

Além dos peões e touros, o rodeio tinha a estrutura de currais, som profissional, narradores e cantores. Mas não tinha o registro obrigatório da Defesa Agropecuária nem médico veterinário responsável. O promotor foi multado em R$ 72,7 mil reais. Os donos das boiadas, que não tinham guias de trânsito dos animais, devem pagar multa de quase R$ 7 mil.

Lives

 

(Foto: Divulgação)

 

O empresário Luiz Rogério Paitl, do Circuito Rancho Primavera, está entre os que se mantêm na atividade legalmente fazendo lives sem público e com transmissão pelo Youtube. Ele conta que aproveitou a experiência e o equipamento de transmissão que já tinha para fazer 20 lives de rodeio no ano passado. Cada etapa reúne 26 competidores no Parque de Exposições de Assis (SP). Antes de entrar na arena, competidores e equipe de trabalho são testados e seguem rígidos protocolos sanitários.

“Para me manter na ativa, tive que vender minha Hilux zero e o carro da minha mulher. Nesta temporada, já cancelei duas etapas pelo agravamento da pandemia. Mas, consegui fazer uma no final de abril e começo nesta terça (4 de maio) a segunda”, diz o empresário, que cortou a equipe de funcionários contratados de 12 para 2 e manteve 20 dos 40 colaboradores.

As lives acontecem a cada 15 dias, de terça a quinta, em vez dos tradicionais finais de semana, para ter mais audiência. Ele contrata boiadas separadas a cada rodeio e diz que as disputas só se tornaram viáveis porque os donos dos touros “jogaram o preço dos animais lá embaixo”.

Peões se preparam para montaria em etapa do Circuito Rancho Primavera. Na impossibilidade de promover os eventos presenciais, saída foi realizar lives (Foto: Reprodução/Youtube) (Foto: Divulgação)

 

 Até 2019, o Circuito Rancho Primavera faturava cerca de R$ 2 milhões por ano. Com as lives, bancadas por patrocinadores e assinantes, a renda não chega a R$ 500 mil. A cada etapa, os melhores dividem R$ 15 mil em prêmios e, ao final, o campeão leva R$ 50 mil em vez dos R$ 200 mil pré-pandemia. Paitl conta que até o campeão do ano passado, Samuel Tiago, de Mirante do Paranapanema (SP), está fazendo bicos em fazendas de gado para se manter nesse período.

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“Só acredito na volta dos rodeios com público em 2022, depois da vacina”, diz o empresário, que herdou do pai fazendeiro a paixão por touros. “Comecei a estudar administração de empresas e processamento de dados, mas abandonei tudo para correr atrás de rodeios. Cheguei a ter 500 animais, tive touros na final de Barretos e de Jaguariúna, mas acabei perdendo minha herança com esse hobby. Vendi, então, todos os animais e passei a promover rodeios.”

Barretos

Marcos Abud Wohnrath, diretor da Liga Nacional de Rodeios e ex-presidente do clube Os Independentes, que organiza a Festa do Peão de Barretos, também só acredita em volta das competições no próximo ano, a partir de abril. “Todos os envolvidos com rodeios estão sofrendo. Fiquei sabendo que tem até competidor e locutor trabalhando como varredor de rua. Mas, antes de voltar, tem que vacinar pelo menos 70% da população”, diz o dirigente.

Medidas de prevenção garantem segurança dos peões antes de entrar na arena (Foto: Divulgação)

 

Ele estima uma média de cerca de 1.600 pessoas trabalhando em cada rodeio. Por ano, diz, são realizados de 1.500 a 1.600 rodeios no país. Em 2021, Wohnrath planeja realizar alguns eventos de um dia só, sem público, só para “movimentar a molecada”, mas a Liga Nacional, que tem normalmente 45 etapas e faz sua final em Barretos, só volta mesmo em 2022.

“Os rodeios foram os primeiros a parar e serão os últimos a voltar”, aposta Emílio Carlos dos Santos, vice-presidente de Os Independentes e comentarista de rodeios.

Kaká, como é mais conhecido, diz que a pandemia afetou e deixou sem emprego todos os envolvidos nos eventos, do cantor ao catador de latinhas, passando pelos peões, locutores, seguranças, companhias de rodeio, equipes de assistência técnica, zootecnistas. Em suas estimativas, os rodeios movimentam no país de R$ 2 bilhões a R$ 3 bilhões por ano e reúnem um público de cerca de 20 milhões de pessoas.

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A festa de Barretos, com realização prevista de 19 a 29 de agosto, ainda não foi cancelada, mas é improvável que aconteça, pelo menos nesse período. O presidente dos Independentes, Jerônimo Muzetti, diz que todo o setor, incluindo atletas, patrocinadores, artistas e fornecedores, aguarda esperançoso os resultados da imunização no país.

Segundo o presidente, o clube estuda o cenário geral pandêmico e espera as resoluções das autoridades nas próximas semanas para definir se haverá evento neste ano. “Não há como determinar um prazo concreto para a decisão sobre a realização da festa, mas os próximos 30 dias podem ser determinantes para um cenário mais real do ano de 2021 para o setor.”

Muzetti diz que a estrutura do Parque do Peão foi mantida, mas houve uma redução de cerca de 20% no número de colaboradores diretos e o local opera desde o ano passado com redução de custos. No início da pandemia, o clube usou o programa do governo federal que permitia a suspensão e redução de contratos de trabalho por tempo determinado.

Em 29 e 30 de agosto do ano passado, com o cancelamento do evento, eles optaram por fazer a Festa do Peão virtual. “A realização da live foi muito positiva, mas não se compara ao evento físico.”

(Foto: YouTube/Reprodução)

 

PBR Brazil

Adriano Moraes, o peão que projetou o nome do Brasil nas arenas norte-americanas ao conquistar o tricampeonato mundial nos anos de 1994, 2001 e 2006, atua hoje como diretor da PBR Brazil, afiliada da gigante Professional Bull Riders (PBR), liga de montarias em touros com projeção internacional. A entidade promove rodeios no país desde 2006 e tem sua final disputada em Barretos, valendo pontos para o campeonato mundial, que, tradicionalmente, termina em Las Vegas (EUA).

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Segundo ele, a paralisação da competição no Brasil segue à risca as orientações das autoridades federais, estaduais e municipais e não tem prazo para acabar. “Enquanto não pudermos ter uma temporada sólida e com segurança, iremos seguir os protocolos. Nossa equipe tem criado formas de agregar valor aos patrocinadores por meio de ações digitais e parcerias.”

Para o tricampeão mundial, a paralisação é lamentável e traz muitos problemas para quem vive dos eventos. “Mas, eu tenho muita fé que é possível reverter esse quadro quando pudermos fazer rodeios novamente. Temos um grande público que deseja isso."

Genética

A situação afetou também os criadores de touros de rodeio. Para o pecuarista Paulo Emílio de Azevedo Pereira Marques, dono de animais famosos como Bandido, Agressivo, Extremo e Bipolar, não dá para fazer rodeios sem aglomeração e usando máscaras. No final de março, ele vendeu 40 touros em leilão e diz que, quando as competições voltarem, vai diminuir a participação dos animais da companhia Paulo Emílio, montada por seu pai.

“Ganha-se bem na atividade, mas é preciso investir muito. Eu fazia quatro rodeios por semana. Vou fazer apenas um e me dedicar mais à genética dos touros”. Genética que ele vem aprimorando e que lhe garante vender um touro por preços que variam de R$ 80 mil a R$ 350 mil. 

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Source: Rural

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