A preservação ambiental, que consta como pauta obrigatória em todas as frentes de atuação, nos últimos anos passou a ser prioridade na agenda de países, empresas, produtores rurais e da sociedade civil de forma geral.
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Não é de hoje que a preocupação com o meio ambiente é uma preocupação global, tanto que desde a década de 60 as nações estão discutindo formas eficientes de garantir a preservação do nosso planeta. Um exemplo importante desses debates foi realizado em Estocolmo, em 1972, pela Organização das Nações Unidas (ONU), quando os participantes concordaram com a publicação da Declaração de Estocolmo sobre o Meio Ambiente. O documento é constituído por 26 princípios, que apregoam a importância da preservação do meio ambiente, mas também a garantia à qualidade de vida e em consequência, o desenvolvimento econômico das nações. De todos os itens que compõem o documento, gostaria de chamar a atenção para três especificamente:
Princípio 1: O homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de vida adequadas em um meio ambiente de qualidade tal que lhe permita levar uma vida digna e gozar de bem-estar, tendo a solene obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente para as gerações presentes e futuras. A este respeito, as políticas que promovem ou perpetuam o apartheid, a segregação racial, a discriminação, a opressão colonial e outras formas de opressão e de dominação estrangeira são condenadas e devem ser eliminadas.
Princípio 2: Os recursos naturais da terra incluídos o ar, a água, a terra, a flora e a fauna e especialmente amostras representativas dos ecossistemas naturais devem ser preservadas em benefício das gerações presentes e futuras, mediante uma cuidadosa planificação ou ordenamento.
Princípio 8: O desenvolvimento econômico e social é indispensável para assegurar ao homem um ambiente de vida e trabalho favorável e para criar na terra as condições necessárias de melhoria da qualidade de vida.
Diante do que falamos até aqui, você, caro leitor pode estar se perguntando qual é a relação entre a Convenção de Estocolmo e a produção de cacau no Brasil? E eu digo que os dois temas têm tudo a ver, pois os sistemas produtivos de cacau em nosso país são exemplos de casos de sucesso na preservação ambiental e promoção de recuperação de áreas degradadas, e estão alinhados com os princípios estipulados no documento.
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Eis um primeiro exemplo: enquanto boa parte da produção de cacau no Sul da Bahia e no Espírito Santo é responsável pela preservação da Mata Atlântica, por meio do sistema de produção cabruca (que faz o cultivo do cacau sob a sombra de áreas de vegetação nativa, em harmonia com o ambiente), no Pará os Sistemas AgroFlorestais (SAFs) de cacau, têm sido importante ferramenta na recuperação de áreas degradas na região.
Isso só é possível em razão do compromisso de todos os elos da cadeia de suprimentos com a preservação do meio ambiente. Estudos têm mostrado o grande potencial da cacauicultura não somente no sequestro, mas também no estoque de carbono.
Exemplo disso é o estudo “Levantamento dos dados das cabrucas e estimativa de estoque de caborno”, divulgado recentemente pelo Instituto Arapyaú e o Laboratório de Ecologia Aplicada à Conservação da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC). A pesquisa foi realizada em 17 hectares de cabruca e verificou que o cacau foi responsável por 40% do carbono estocado no sistema, enquanto as espécies sombreadoras responderam pelo estoque de 60% do carbono dentro do sistema. O estudo destaca ainda que a cabruca tem potencial mitigador de gases de efeito estufa e com o manejo adequado, pode alcançar níveis altos de produção, aliados a importante estoque de carbono, podendo alcançar um potencial de 66t/ha de carbono estocado. Novos estudos serão conduzidos para um entendimento mais amplo acerca do sequestro de carbono no sistema cabruca.
Análises da CEPLAC sobre os SAFs de cacau no Pará indicam um potencial de 124t de carbono/ha sequestrados. Existe ainda um grande campo de pesquisa, mas esses números já demonstram que a produção de cacau no Brasil tem um potencial muito grande não só de preservação, mas também de relevância no mercado de carbono, que já é uma realidade no Brasil.
Diante deste cenário, os atores da cadeia de suprimentos de cacau, indústria moageira, indústria chocolateira, produtores, governos, ONGs, realizaram ao longo de 2021 um extensivo debate para a criação de um currículo de sustentabilidade para a cacauicultura nacional, que foi lançado em dezembro de 2021. Este documento, de criação coletiva, tem por objetivo ser um referencial para a promoção contínua de ações estruturantes de sustentabilidade e de melhoria contínua. O currículo se divide em três áreas: Gestão da Produção, Gestão Ambiental e Gestão Social, seguindo a premissa de que sustentabilidade só existe se tiver um olhar econômico, ambiental e social.
Como parte do trabalho para levar esse conteúdo cada vez mais longe, estamos preparando uma série de vídeos e materiais de apoio que servirão de suporte para que produtores e técnicos possam adequar as propriedades às boas práticas agrícolas que constam no Currículo de Sustentabilidade. O primeiro vídeo já está disponível Linkedin e no site da AIPC: www.aipc.com.br
O futuro da cacauicultura mundial passa por adequações das práticas com o viés do tripé da sustentabilidade e neste quesito o Brasil é vanguarda.
*Anna Paula Losi é diretora-executiva da Associação Nacional das Indústrias Processadoras de Cacau (AIPC)
**As ideias e opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva de sua autora e não representam, necessariamente, o posicionamento editorial da revista Globo Rural
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Source: Rural