No centro do processo de inovação, estão as pessoas. E, a partir do desenvolvimento de soluções inovadoras, profissionais mais qualificados, com novas especialidades, tendem a retornar para o campo e incorporar tecnologia à produção agropoecuária. É o que pensa o presidente do Comitê de Inovação da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), João Comério, que também é CEO do Grupo Innovatech.
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"Tem máquinas no campo com valores absurdos quando comparados com os praticados no passado. Tem geotecnologia, biotecnologia e nanotecnologia. Você precisa de pessoas qualificadas para essas operações", diz ele. "Na medida que os anos passem, as pessoas comecem a voltar para o campo trazendo essas especialidades. Essa é uma tendência", acrescenta.
Comério analisou o cenário atual de inovação e seus reflexos no agronegócio em entrevista exibida nesta semana no evento de premiação das melhores empresas para trabalhar no agroengócio. A premiação, que reconhece as melhores práticas de gestão de pessoas, é realizada pelo Great Place to Work (GPTW), em parceria com a Globo Rural e a Abag.
Globo Rural – Fale um pouco do comitê de inovação que foi criado dentro da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag) e da importância desse tema para o agronegócio brasileiro.
João Comério – Primeiro, a gente precisa imaginar o que é o mundo agro brasileiro. Dependendo das fontes disponíveis no mercado, o agro brasileiro alimenta cerca de 1,5 bilhão de pessoas no mundo. Nós representamos 26% do PIB brasileiro. Esse número varia ano a ano, mas sempre perto disso; um saldo da balança acima de US$ 100 bilhões. Se a gente imaginar a área de soja e milho que a gente tinha 40 anos atrás, nós dobramos a área plantada e multiplicamos por dez vezes a produção. Ou seja, a gente ganhou muito com produtividade no Brasil e isso se deve especialmente à inovação. A Abag é uma entidade que congrega várias entidades do agronegócio. Somos aproximadamente 80 empresas filiadas, que vão desde antes da porteira até o varejo. Dentro do nosso modelo de gestão, a gente tem alguns comitês e um deles é o de Inovação, que eu tenho a honra de presidir nos últimos anos. Nele, a gente procura trabalhar dentro do ecossistema da inovação no Brasil: elaboramos position paper, em que a gente busca influenciar ou trabalhar junto com entidades para alterar algum ponto de legislação ou de garantia de propriedade; trabalhamos com hubs, a Embrapa, vários associados e com a academia, que está sempre muito próxima da gente. Mas como esse tema que a gente fala hoje é mais voltado às pessoas e à gestão, eu acho que a gente poderia talvez pensar que o comitê de Inovação também tem acompanhado bastante a parte de planejamento de atividades do dia a dia das empresas e dos empreendedores. A pergunta que sempre fica pra gente é a seguinte: a gestão tem acompanhado as inovações tecnológicas?
GR – O que essa inovação crescente no agro provocou em relação às pessoas? Isso evitou que se saíssem mais pessoas do campo? Trouxe novos profissionais? Como a tecnologia impactou de alguma forma os ambientes de trabalho?
JC – A palavra sustentabilidade em ESG está sendo muito discutida por todos, mas a gente precisa entender que não existe sustentabilidade sem inovação. Se a gente pensar em sustentabilidade sistêmica, a gente tem que imaginar sustentabilidade levando-se em consideração todos os pilares: o econômico, social, ambiental, de comunicação e da gestão. Dentro da gestão, está a inovação e você não consegue fazer nenhum processo de inovação se você não tiver uma boa gestão. Se a gente focar nos assuntos relacionados à tecnologia, a gente levou mais pessoas, portanto, houve uma mudança estruturante. Essa mudança acontece no mundo inteiro. A população está saindo do interior e indo para as grandes cidades. É um problema mundial. Por outro lado, há cada vez mais necessidade de pessoas qualificadas no campo. Tem máquinas no campo com valores absurdos quando comparados com os praticados no passado. Tem geotecnologia, biotecnologia e nanotecnologia. Precisa de pessoas qualificadas para essas operações. Ou seja, você teve uma espécie de "contramovimento", em que a tendência é que, na medida que os anos passem, as pessoas comecem a voltar para o campo trazendo essas especialidades. Essa é uma tendência que a gente está verificando para os próximos anos.
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GR – Você tem algum caso prático de como a tecnologia e a inovação vêm proporcionando uma melhora tanto para o ambiente de trabalho como também para a vida das pessoas nas empresas?
JC – Existem vários exemplos. A gente tem que imaginar a inovação em dois pontos: a inovação disruptiva – que rompe o paradigma e traz grandes ganhos de produtividade e qualidade de vida – e a inovação implementar – que é tão importante quanto a disruptiva. Se você tiver uma carteira de clientes, provavelmente 80 ou 90 projetos são de inovações implementares e 10 ou 20 são disruptivas. Eu falo isso porque aí eu posso te dar alguns exemplos daquelas que foram disruptivas e implementares. As empresas mudaram muito as estratégias de bolt market. Esse é um tema que provavelmente vai ganhar cada vez mais evidência. Quem hoje não recebe comida em casa? A gente não pensava nisso há alguns anos. Ou o ensino à distância (EAD)? A pandemia trouxe algumas ferramentas que já estavam disponíveis, sob o ponto de vista da inovação, mas que a gente usava muito pouco e agora passamos a usar muito mais. A gente descobriu que pode conciliar o trabalho doméstico, atividade profissional, a família e o lazer com muito mais qualidade de vida. Isso impacta as pessoas. Big data, blockchain, IoT, todas essas tecnologias facilitaram muito a vida das empresas e dos consumidores, que estão cada vez mais preocupados com a originação dos produtos, no que diz respeito às regras de compliance. Outro dia, eu estava discutindo com alguém sobre rastreabilidade de gado. Se você, hoje, tem um cliente que exige saber onde o seu gado esteve e você colocar aquela fazenda em que ele esteve previamente ao abate, não significa mais muito para o consumidor, porque esse gado transitou ao longo dos anos. Então, o blockchain traz essa particularidade e isso mudou certamente a vida das pessoas. Hoje você tem muito mais qualidade de trabalho nas empresas e nas famílias, trouxe muito mais opções de vivência empresarial. Além dos ganhos de qualidade, outro ponto que vale a pena ressaltar é que a inovação – como eu disse anteriormente – não é só tecnologia. Ela nos leva a uma reflexão no dia a dia sobre a nossa maneira de pensar, produzir, fazer negócios, colaborar entre as pessoas e se relacionar. Ou seja, se você pega a inovação olhando para a tecnologia e as operações (que essa nova tecnologia vai influenciar), no meio, eu costumo dizer que tem uma nuvem que é o mais importante de todo o processo de inovação: as pessoas, e aí está a gestão. Sem uma gestão qualificada, com qualidade de trabalho, de vida e um processo decisório rápido e eficiente, você não vai conseguir transformar a sua ideia tecnológica e colocá-la em operação. Na inovação, ainda é e vai continuar sendo é muito importante que as pessoas estejam no centro.
A população está saindo do interior e indo para as grandes cidades. Por outro lado, há cada vez mais necessidade de pessoas qualificadas no campo. Tem máquinas no campo com valores absurdos quando comparados com os praticados no passado. Tem geotecnologia, biotecnologia e nanotecnologia. Precisa de pessoas qualificadas para essas operações"
João Comério, presidente do Comitê de Inovação da Abag
GR – Existem alguns desafios, né? A gente sabe que apesar desse ganho tecnológico, desse aumento do uso de tecnologias e da inovação no agro, existem algumas barreiras que precisam ser superadas. Entre elas, eu destacaria a conectividade. O que mais você poderia dizer que são desafios que precisamos romper nessa área?
JC – A gente até agora está falando do lado cheio do copo, mas existem muitos desafios. O Brasil tem algumas particularidades que vale a pena a gente dizer. Primeiro, o Brasil tem a Embrapa, que é a nossa Nasa, né? O Brasil é um país que alimenta o mundo. Eu tenho um amigo, o Maciel, nós trabalhamos juntos, ele costuma dizer que se o Brasil tivesse um pouquinho de juízo transformaria a nossa Embrapa na nossa Nasa. Então, a gente tem essa fortaleza. Se você olhar as mega tendências relacionadas ao mundo do alimento, ao mundo do agronegócio, da floresta plantada, do cultivo de árvores e tal, você tem alguns pontos que que chamam atenção. O primeiro é o seguinte: a própria Embrapa faz um documento a cada ano, em que ela faz uma revisão da sua estratégia. Então, no último documento que ela distribuiu, ela projeta o mundo para 2050 e lá ela coloca as principais megatendências. Eu gosto muito dessas megatendências. Agora, a resposta da pergunta que você acabou de me fazer. Primeiro, o mundo vai passar e está passando por mudanças socioeconômicas. Isso é claro. Para a população urbana e rural, a disponibilidade de mão de obra cada vez mais é difícil, pobreza e distribuição de renda. Então esses são aspectos que a gente precisa ficar muito atento, do que a gente vai ter que construir de agora pra frente. Outra megatendência são as questões de sustentabilidade, que vão aumentar a diversidade e a complexidade dos temas. Então, nesses momentos de mudança, costumam aparecer aproveitadores, aqueles que de fato entende sobre a sustentabilidade como um pilar. A gente precisa estar atento a isso e esse é um outro desafio que a gente precisa acompanhar. Assim como as mudanças climáticas. Quem não está convivendo com isso? a gente tem observado que cada vez mais tragédias têm ocorrido, chuvas concentradas e ventos. Isso impacta o nosso negócio no dia a dia. Existem também os próprios riscos inerentes ao negócio. Você tem pragas, doenças, conservação de solo, guerras que mudaram a cadeia completamente e impactaram tremendamente o nosso negócio neste ano e nos próximos anos. Você tem a questão da segurança alimentar, sabe-se que os próximos dois anos serão muito difíceis. Especialmente nos países mais pobres. Agregação de valor nas cadeias de produtos, por exemplo. Há uma grande tendência do alimento caminhar mais para nutrição, saudabilidade e funcionalidade, e aí então os desafios e as oportunidades. Ou seja, vamos ter que passar por uma transformação. Outro ponto importante é o protagonismo dos consumidores. Hoje o consumidor quer saber a origem do material que está consumindo. Por exemplo, todo dia você vai na embalagem de chocolate, e vê lá da fazenda que veio do produtor que veio, isso é uma tendência que vai ser cada vez mais importante. Isso traz maior responsabilidade nossa. Por fim, tudo isso vai fazer com que a gente tenha de uma forma sempre inovando. Ou seja, o setor tem que trabalhar para para inovar, para avançar, progredir e alcançar cada vez mais patamares maiores de produtividade, qualidade de vida e qualidade de trabalho para as empresas e as pessoas desse setor. Eu costumo também dizer que muitas vezes que a tecnologia fica no meio do caminho entre o consumidor final e a gestão. Então, aí está o nosso papel enquanto gestores. O Brasil é de ponta no agronegócio. A gente tem que ser fresh move nesse negócio. As pessoas e a boa gestão são o caminho primordial para que a gente avance cada vez mais.
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GR – O recado legal que você traz é muito positivo mesmo com essas barreiras; esses desafios todos, como você bem disse, podem ser transformados em oportunidade. Como a tecnologia pode ajudar a assegurar pessoas independente da idade? Como evitar esse êxodo que está acontecendo e sendo confirmado no nosso no horizonte do agronegócio? Como evitar que esse êxodo seja tão grande?
JC – Acho que isso é transformacional e se deve às novas gerações. Elas são muito antenadas à tecnologias, hoje ninguém sobrevive mais sem comunicação e o seu celular por aí afora. Se você vai para o interior do Mato Grosso, o interior do Mato Grosso do Sul ou de qualquer outra região, como a Bahia, Piauí, Maranhão e Tocantins, você vai ver que as cidades do interior são as cidades em que existe uma distribuição de riqueza, uma distribuição de renda, mão-de-obra qualificada cada vez maior. Ou seja, essa tendência vai acontecer e já tem acontecido de pessoas irem para lá. Na semana passada eu tive um evento para falar sobre o mercado de oferta e demanda de madeira no estado do Mato Grosso do Sul , em uma cidade chamada Ribas do Rio Pardo, que tem 20 mil habitantes. Essa cidade está recebendo do agronegócio investimento da ordem de R$ 25 bilhões no próximo ano. Significa que vai precisar de gente qualificada. Então, eu fiquei encantado. Você vai no SESI no SENAI, tem empresas, entidades, hubs de inovação implementados nesta região. A troca de informação chegou lá, embora ainda carente, mas chegou a comunicação. Tudo isso vai favorecer academias cada vez mais interiorizadas e falta um ponto que a gente precisa investir mais, são nas escolas técnicas. As escolas técnicas levariam pessoas mais para o meio Rural. E essas escolas estão perto da produção, perto do centro, que precisa das pessoas. Tudo isso eu acho que é transformacional e nós temos que trabalhar nesse setor para mudar isso melhorar isso cada vez mais.
(Foto: Reprodução)
Source: Rural