O mais recente relatório do IPCC mostra que os impactos das mudanças climáticas se tornarão mais severos caso as emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) não sejam reduzidas pela metade ainda nesta década e não ampliemos imediatamente a nossa adaptação a eles. Essa urgência, porém, traz oportunidades de harmonização da agenda de desenvolvimento sustentável por meio de práticas como a agricultura regenerativa, eficiente, justa e de zero conversão de novas áreas florestadas.
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Vozes do Agro (Foto: Estúdio de Criação)
O papel do financiamento privado é fundamental para essa transição. Segundo a Glasgow Financial Alliance for Net Zero (GFANZ), aliança global de instituições financeiras, US$ 32 trilhões de investimentos serão necessários até 2030 para transformar a economia global e evitar os piores impactos da mudança do clima.
No Brasil, são muitos os caminhos para fazer essa transição acontecer. Por exemplo, a NDC do país estabelece a meta de restaurar 12 milhões de hectares até 2030, o que envolve transformar paisagens, restaurar ecossistemas e investir na economia da restauração florestal. São atividades que podem gerar inúmeros benefícios, como os relacionados a biodiversidade, segurança hídrica, empregos e novas cadeias sustentáveis, e que podem aumentar a produtividade agrícola em até quatro vezes.
Essa transformação do setor agropecuário precisará ser financiada. De acordo com a OCDE, o financiamento privado representou 18,5% do total de US$ 78,9 bilhões em financiamento climático mobilizado entre 2013 e 2018. E, de 2016 a 2018, somente 3% do financiamento privado mobilizado foram para agricultura e silvicultura.
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Além das oportunidades de blended finance, que consiste em um modelo que combina recursos de fontes privadas, sociais e públicas para financiar ações com impactos climáticos e sociais, novos instrumentos podem ajudar a ampliar a participação do financiamento privado. Entre eles estão os títulos atrelados à sustentabilidade (SLBs, ou sustainability linked bonds), que estão ganhando espaço na América Latina. Em fevereiro de 2022, os SLBs representaram 21% de todas as transações cumulativas de ESG na região.
Neste instrumento, o tomador compromete-se, no momento da estruturação da operação, a cumprir uma série de objetivos para melhorar o desempenho de sustentabilidade do seu negócio. Isso envolve o estabelecimento de metas de sustentabilidade, a partir de indicadores-chave de desempenho, e a realização de monitoramento e análise de relatórios de métricas de sustentabilidade. As características financeiras da operação podem variar segundo o cumprimento das metas de desempenho pré-definidas.
Empresas brasileiras do setor já estão tomando iniciativa e liderando operações inovadoras. Em 2021, foi emitido o primeiro SLB, já seguindo os recém-criados Sustainability Linked Bond Principles, para uma companhia brasileira. A transação foi estruturada, por meio de instituição financeira privada, de forma vinculada à meta de redução de emissões dessa empresa, que atua no setor de papel e celulose.
Além dos SLBs, outros instrumentos, como CRAs e Debentures de Infraestrutura, bem como demais títulos e empréstimos verdes, também podem ser alavancados para acelerar a ação climática das empresas do setor da agropecuária, ajudando-as a impulsionarem suas agendas de sustentabilidade.
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O desafio é fomentar métodos efetivos de controle e concessão de crédito de modo a mitigar o – não raro – greenwashing e a própria dificuldade de visibilidade e transparência das cadeias produtivas.
Para isso, o mercado, sobretudo as instituições financeiras, via financiamento privado bilateral ou emissões no mercado de capitais, podem usar seu poder de indução de comportamento, incorporando, a exemplo do que ambicionam os SLBs, políticas de elegibilidade de concessão de crédito que viabilizem e condicionem a implementação de instrumentos vitais à efetiva concretização de meios de produção sustentáveis, voltados à redução de emissões de gases do efeito estufa.
Dentre os requisitos essenciais estão o condicionamento à rastreabilidade dos produtos das cadeias produtivas financiadas (de modo que o próprio financiamento viabilize a inovação necessária para tanto), transparência e meios efetivos de monitoramento de compliance antes e durante a concessão do crédito.
O financiamento para a agenda de clima, florestas e agricultura está evoluindo. Como mais de 70% das emissões de gases de efeito estufa brasileiras provêm de atividades relacionadas ao uso do solo, estas estão bem posicionadas para acessarem mecanismos inovadores de financiamento, desde que pautadas em inovação, visando a comprovada eficiência e sustentabilidade socioambiental dos meios de produção.
É dizer: novos instrumentos, como SLBs, títulos verdes e empréstimos verdes focados no setor privado, estão surgindo para acelerar a transição para o zero carbono. Tal transição deve acontecer de forma atenta à vocação produtiva local, regional e nacional, de modo que produtores, implementadores de políticas públicas, atores impactados direta e indiretamente e mercado tomem decisões inteligentes e estratégicas, considerando todo o potencial nacional de geração de renda pautada na bioeconomia, nas soluções baseadas na natureza e nos serviços ambientais, além de maior eficiência das produções já existentes e do registro, fomento e valorização do conhecimento no território brasileiro.
A urgência da mudança exige ações transformadoras além do incremental, e o potencial do capital privado é grande. Para alcançar um mundo carbono zero até 2050, o papel e o compromisso de instituições financeiras, na qualidade de corresponsáveis pela sustentabilidade da cadeia, é chave, podendo aportar até 70% do total do financiamento necessário às tão urgentes melhorias na matriz produtiva brasileira.
*Andreia Bonzo Azevedo é diretora adjunta de Climate & Security Program do Instituto Igarapé e colíder do Fórum de Diálogo Políticas Públicas e Instrumentos Econômicos da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura.
*Katerina Trostmann é vice-presidente e head de ESG & Sustentabilidade no BNP Paribas Brasil e membro da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura.
**as ideias e opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva de sua autora e não representam, necessariamente, o posicionamento editoria da revista Globo Rural
Source: Rural